Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

O zunido de Zuenir

O escritor Zuenir Ventura anda decepcionado com as gerações atuais. Em entrevista ao Último Segundo disse, recentemente, que ‘Hoje, só gay faz passeata

É engraçado como as pessoas envelhecem e não percebem. Sem pedir perdão da expressão, ao querer condenar as gerações atuais porque não se manifestam como em 1968, o Zuenir está gagá e deveria procurar um especialista.

O homem mais sábio que conheci foi João Ribeiro de Freitas. Ele tinha quase 90 anos de idade quando, hospedado em sua modesta casa no interior de São Paulo na década de 1980, presenciei uma conversa entre ele e um de seus filhos, que tinha mais de 60 anos.

– Não agüento mais meu filho. Ele só apronta, não me obedece e se recusa a freqüentar a igreja.

– Meu filho, você está ficando velho. Deixe de pegar no pé do garoto.

– Muito me estranha o senhor apoiar ele!

– Não é uma questão de apoiar ou não seu filho. O fato é que não posso querer que ele se comporte hoje como quando eu tinha 20 anos em 1918, ou como quando você mesmo tinha 20 e poucos anos, na década de 1950. O mundo muda e não podemos julgar nossos filhos e netos.

– Mas, pai…

– Deixe seu garoto em paz. Procure cuidar de si mesmo. Você está ficando gagá, meu filho.

O mundo muda

Sentado entre meu avô e um tio, escutei a conversa enquanto tomava o café da manhã. Aquelas palavras explodiram na minha consciência e me fizeram perceber que o mundo não é linear. Muito pelo contrário. Penso que o mundo é como uma cebola, que cresce constantemente. A cada geração descartada nos cemitérios, novas gerações nascem e crescem no seu interior. As camadas mais tenras de folhas do mundo-cebola têm contato superficial com as folhas mais externas. E nunca sofrem a influência das intempéries de maneira idêntica que aquelas.

Zuenir quer julgar as gerações atuais a partir de um referencial ultrapassado. Em 1968, o mundo era polarizado entre capitalismo e comunismo. Através da propaganda ideológica, os principais atores da Guerra Fria conquistavam os corações e mentes dos jovens. Em conseqüência, disputavam hegemonia no único espaço disponível: as ruas. No final da década de 1960, a internet não passava de um sonho impossível e a circulação de idéias dependia da circulação das pessoas.

As gerações atuais têm acesso ao ciberespaço. Mas seus corações e mentes não podem mais ser capturados tão facilmente pela propaganda ideológica. As condições históricas se modificaram e com elas toda a realidade. A Guerra Fria acabou e a URSS se desmantelou, deixando a esquerda órfã. Mesmo que houvesse uma nova polarização entre dois modelos sócio-econômicos mutuamente excludentes, os jovens não sairiam mais às ruas. A razão é simples: hoje as idéias circulam mais e melhor no ciberespaço do que entre as pessoas nas ruas.

Ao invés de zunir, o Zuenir deveria ter a ventura de cuidar de sua saúde. Mesmo não sendo sábio ou idoso como meu avô, sugiro ao Zuenir que medite sobre estas palavras:

‘O mundo muda e não podemos julgar nossos filhos e netos.’

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Advogado, Osasco, SP