Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Observando a Copa na visão do anão

O urro sem som apareceu enorme na tela da TV, um grito de desabafo, ele estava de volta, o talento. Copa de 1994, todos esperavam a sua volta e ali estava o pequeno mestre de novo destruindo, no final do jogo uma jovem educada o algemou com os dedos e o convidou delicadamente para o exame antidoping, no outro dia o mundo sabia que ele estava fora. Muito estranho, tudo orquestrado, tudo armado, o mundo dos negócios, algumas pessoas não queriam sua presença no evento e Maradona se foi levando o nosso sonho de ver sua mágica feita com os pés.

Anos se passaram, escândalos aconteceram, tentativas de normalidade, entradas em clínicas, repórteres abutres e o mundo das celebridades que cria e tem prazer de engolir suas crias, mantinha o ciclo sádico de sua existência. Depois de tanto tempo, 2010, vejo um senhor sob um terno e uma barba com pontas grisalhas levantando com a ponta do sapato a bola para entregar ao adversário que vai cobrar o lateral, a ponta do pé calçado toca a redonda e ela flutua no ar como se fosse mágica, depois de tanto tempo Dom Diego volta ao lugar que sempre deveria estar: no campo.

No campo, o novo técnico da Argentina já fez, mesmo antes do primeiro jogo, sua equipe campeã. Antes do primeiro apito Armando Maradona mostra ao mundo, em vários ângulos por que alguns são estrelas e outros não. Na era do empreendedorismo, no mundo onde a construção de equipes e modelos inteligentes de gestão com líderes flexíveis se tornou uma exigência, Dom Diego é professor. Sua equipe treina e se diverte, todos se relacionam, constroem jogadas, se abraçam de forma transparente e o mestre calça a chuteira para mostrar como se chuta, dá orientações com o braço sobre o ombro do atleta mostrando calmamente os caminhos, paga a prenda após a aposta e toma junto com os perdedores boladas na bunda, fala com a imprensa sem subterfúgios. Não é necessário dizer que ama seu país, que a equipe representa uma nação, isso é mais que óbvio.

O que vale é ganhar na raça

Final do primeiro jogo contra Nigéria, Dieguito beija cada atleta e todos se abraçam. Galvão Bueno na transmissão falou nos quinze primeiros minutos, mais ou menos, umas doze vezes de como o mestre estava bonito, Casagrande falou por todo jogo o quanto ele naquela posição era uma referência positiva para todos os jogadores. O mundo se curvou, no primeiro jogo da Argentina na Copa de 2010, frente à superação de um gênio que volta das cinzas dando exemplo de superação e maestria.

Enquanto isso, nosso anão Dunga se fecha numa masmorra com medo das lentes mostrarem para o mundo suas jogadas espetaculares nos treinos, como se ele fosse espetacular. Nós, que antes de entrarmos em campo já fizemos um gol com a camisa alemã escrito atrás ‘Cacau’, um brasileiro naturalizado. Nós, que exportamos futebol, temos que ficar sob o medo da imprensa. Porque para o anão a imprensa destruiu a seleção de 2006, como se os repórteres fossem um câncer deletério e contagioso.

Mas o anão tem razão, ainda não temos a maturidade de sermos, ainda estamos sob a sombra de uma história escravocrata, de uma sociedade racista que a todo o momento coloca o indicador na face dos seus atletas. Por ser, exceto Kaká, a grande maioria oriunda da pobreza negra. Essa massa se apresenta sempre com a cabeça baixa, todos os comentários contêm as frases ‘com muita humildade’, ‘respeitando o adversário’, ‘o professor mandou’. Somos os melhores atletas do mundo num esporte que quando algum se arvora a fazer uma jogada espetacular, um drible desconcertante tem que se autoflagelar porque humilhou o adversário, porque não deveria fazer isso ou aquilo, tem que pedir perdão por ter sido muito competente.

O anão tem razão, pegou o emprego sem ter feito estágio, não foi nem trainee. O anão tem razão, está inseguro. Nada vale dizer que fez sucesso nos últimos anos, deve ser muito difícil treinar a seleção que tem os melhores do mundo, treinar a seleção que exporta jogadores para todos os países e se dá ao luxo de não convocar diamantes que brotaram espontaneamente na terra. Errada deve ser a Alemanha, que tem a menor média de idade e deu show no seu primeiro jogo. O anão tem medo de repórter, tem medo de câmera, o anão não fala muito, o anão é desconfiado, o anão cerrou os punhos e se tornou o símbolo emblemático, o anão deu nome a uma era, a ‘Era Dunga’, onde a plástica do esporte pouco importa e o que vale é ganhar na raça.

Enterro de anão

Na África, temos uma seleção do anão, nas ruas, uma seleção do povo que não foi, na imprensa nacional, uma convocação que não teve, na imprensa internacional, perguntas sem respostas. Na Copa, temos um ‘grupo fechado’ onde ninguém pode falar, dizer e ouvir ‘temos que respeitar o professor’. O anão, ao contrário de Dom Diego, tenta inventar a roda e vai de encontro a toda evolução dos estudos de gestão, das novas lideranças e relações.

Uma coisa será inusitada nesta copa, pelo menos para a galera da minha rua: pela primeira vez vamos ver um enterro de anão. Que Deus o tenha! Adoro o Brasil, adoro futebol e nada tenho contra os anões, mas na África vai ser difícil Branca de Neve acordar com sete… Imagine com um anão apenas?

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Cientista social, Salvador, BA