Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Ode à (in)felicidade?

De repente, deparo com a foto de uma rua que em nada difere das charmosas alamedas parisienses. Aliás, não difere de qualquer cidade do mundo que seja referência em glamour, em ostentação. Na mesma concepção visual, ganham destaque ambientes luxuosamente decorados com móveis que seguem o que há de mais moderno em relação às tendências contemporâneas. Para fechar, uma família branca, sorridente, composta pela clássica cena do pai e mãe abraçados, com a criança ao centro. Podem estar dentro da piscina ou em cima de um sofá. O que interessa é o semblante ‘feliz’, caracterizado pelo indefectível sorriso.

O leitor, até este ponto, deve estar imaginando que a narrativa acima se refere a algum enredo de folhetim, de preferência mexicano, com seus clichês e conceitos já largamente conhecidos pelo grande público tupiniquim. Engana-se quem apostou nesta ou em outra opção pseudo-romancista. Na verdade, estou me referindo ao calvário que se tornou ler as edições dominicais de um dos maiores jornais do país, a Folha de S.Paulo.

A intenção não é atacar o ‘corpus’ editorial do periódico, mas protestar contra as freqüentes e crescentes intervenções publicitárias nas páginas da Folha; para ser mais claro, me refiro aos anúncios de imobiliárias, incorporadoras e construtoras, ou qualquer outra denominação que queiram dar para os que lidam com esse ramo de atividade.

Os sorrisos dos anúncios

Sugerir que essas aplicações deixem de ser veiculadas no jornal seria o mesmo que pedir para o seu departamento comercial matar a galinha que, em 2007, foi a responsável por uma cesta de ovos dourados que manteve as vultosas receitas dessa e de outras empresas jornalísticas. Mas, como leitor, o que não dá é para deparar, quase que de página em página, com anúncios que agridem por seu tamanho e, principalmente, pela forma como são dispostos, numa clara demonstração de que a publicidade, aos poucos e para o temor dos pesquisadores da área de Comunicação, está numa constante escalada de supressão à notícia. Também não quero atacar a publicidade em detrimento do jornalismo, porém imagino que uma postura mais equilibrada da Folha e de outros jornalões constituir-se-ia numa atitude coerente.

Ao ver – e ler – essas edições de domingo, me lembro do gênio/filósofo francês Pascal Bruckner, em seu livro A Euforia Perpétua (Editora Difel), que alerta para o fato de que, com a crescente e sufocante visão burguesa em relação à felicidade, que a atrela quase que unicamente à estabilidade financeira e afetiva, homens e mulheres estão a cada dia mais convencidos de que, para ser feliz, basta casar, ter filhos e adquirir um espaço nos castelos contemporâneos, ou seja, nas casas ou apartamentos de ‘luxuosos’ – outros nem tanto – condomínios cercados por muros altos e rigorosamente vigiados por sistemas eletrônicos de segurança.

No entanto, defende Bruckner, essas pessoas ostentam uma falsa felicidade, tão falsa quanto os sorrisos amarelos dos anúncios da Folha.

Ponto para a publicidade

O panorama gerado a partir dessas intervenções cria um clima que muitas vezes transcende a publicidade. Afinal, quem não pertencer ao alvo desses anúncios está fadado a um fracasso pré-concebido. É a promessa de felicidade convertida numa infelicidade constante.

No livro Corpos Mutantes (UFRGS Editora), organizado pelo professor/doutor Edivaldo Couto (UFBA), a pesquisadora Annamaria da Rocha Jatobá Palácios alerta-nos em relação às concepções forjadas contidas nas publicidades de cosméticos. Pesquisadores na área de análise do discurso estão cada vez mais convencidos de que, com o tempo, essas mensagens são absorvidas, inclusive, na própria construção textual jornalística. Há trinta anos, ninguém ouvia falar em terceira idade. No rastro da publicidade, hoje, este é um termo utilizado em larga escala, em textos publicitários ou jornalísticos.

Assim como já acontece com os anúncios de cosméticos que combatem a velhice como algo sombrio, e que levam milhões de pessoas a comprarem produtos para retardar essa ‘constrangedora’ fase da vida, os anúncios que procuram vender a ‘glamourosa’ casa dos sonhos podem se transformar num pesadelo na vida daqueles que farão de tudo para obtê-la – afinal, o que interessa é mostrar para todos um sorriso amarelo que traduz o atual conceito de (in)felicidade. Ponto para a publicidade. Alerta para o bom jornalismo!

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Editor-executivo do jornal O Girassol, especialista em Comunicação, Educação e Novas Tecnologias, Palmas, TO