Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os desafios da nova Lei Rouanet

Da noção de produto destinado às massas colocada pela Escola de Frankfurt à rebelião contracultural, que teve seu auge nos anos 60, a visão da cultura como resultado da ação humana mudou radicalmente ao longo do século 20. Na pós-modernidade de conceitos liquefeitos – tempo de ambigüidades, contradições e tensões – transformaram-se as formas de compreender e lidar com a cultura. A herança dialética imperativa força uma síntese que seja prática, que coloque em ação toda a reflexão que o homem já empreendera até então. É esse o papel da política pública, gerir a ação carregada de sentido no espaço de todos.

No Brasil, a cultura sempre foi tradicionalmente pensada como parte da educação. Era algo que se adquiria essencialmente dos livros, de um processo de tutelagem. Até 1985, fim da ditadura militar, não existia um ministério exclusivo para a área. A atuação estava subordinada ao MEC e por ele comprometida. Já os primeiros levantamentos estatísticos relacionados são ainda mais recentes: passaram a ser feitos na gestão de Gilberto Gil.

Sendo um órgão com atuação recente, a legislação envolvida ainda é precária, senão confusa. Por isso, tramita no Congresso Nacional uma proposta de mudança para o texto da vigente Lei Rouanet. O novo texto institui o Procultura, que inclui a distribuição de vales para o consumo de bens culturais e uma nova dinâmica de distribuição de incentivos fiscais a projetos. Esta, por sinal, apontada como maior problema da Rouanet: má-distribuição e duvidosa seleção dos beneficiários. Recentemente, o espetáculo Cirque du Soleil criou polêmica ao demandar um alto benefício que poderia ser custeado por patrocinadores e acabaria por direcionar verba aos ‘nanicos’.

Política de sustentabilidade na comunidade

O diretor de cinema Roger Keesse, que é a favor da reestruturação da distribuição de recursos, afirma, no entanto, que a legislação deve ser cautelosa e não desprezar as grandes produções, pois ‘público gosta, entende e atende à variedade’. Ressalta ainda que o vital é o foco na qualidade, mas vê com preocupação a relação com o privado. ‘A cultura no Brasil cada vez mais depende do apoio de grandes empresas privadas. O que gera certa dúvida em relação ao que consumimos. Enquanto elas cuidarem bem e não danificarem a cultura em prol da marca, só temos a ganhar. Mas, como diz o velho ditado `um olho no peixe, outro no gato´’, pondera.

Já para o ator André Orbacam, do grupo Teatro da Transpiração, o perigo é a dependência da arte em relação ao governo. Segundo ele, a política intervencionista que no ano passado demitiu um dos mentores da Escola Livre de Teatro, referência no país, ainda é a predominante. ‘Não devemos procurar órgãos públicos, mas sim, mobilizar uma comunidade artística para não corremos risco com mudanças de gestão. Quando temos o apoio do governo, mas há uma política de sustentabilidade na comunidade, não podem intervir em nossas criações’, diz. Para André, as disposições de verba envolvem também um juízo de valor que exclui obras ‘reflexivas’. Com tantos problemas, ao que tudo indica, a nova Rouanet já chega em boa hora.

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Estudante de Jornalismo, Santo André, SP