Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Os doze de Oruro

O Corinthians sagrou-se campeão paulista pela 27ª vez, no domingo (19/5), mas não se ouviu em São Paulo o intenso foguetório que costuma marcar as conquistas do “bando de loucos”. Provavelmente, os corintianos ainda estavam abalados pela forma como seu time foi desclassificado na Copa Libertadores da América, com participação decisiva do árbitro da partida contra o Boca Juniors, da Argentina.

Em meio às comemorações pela conquista contra o Santos, o presidente do clube dedicou o resultado aos doze torcedores corintianos que estão presos na cidade boliviana de Oruro desde o dia 20 de fevereiro, acusados pela morte do menino Kevin Espada, de 14 anos, atingido na cabeça pelo foguete de um sinalizador marítimo. Foi uma declaração isolada, apenas registrada de passagem pelos jornais, que parecem conformados com as evidências de um abuso por parte das autoridades bolivianas que, em outras circunstâncias, estaria provocando incandescentes patriotadas e manifestações de nacionalismo.

O caso é aquecido nesta semana pela revista IstoÉ, que traz na reportagem de capa a denúncia de que a família do jovem morto em Oruro estaria exigindo o pagamento de US$ 220 mil – cerca de R$ 400 mil – por um depoimento que tornaria inócuo o processo. O autor da proposta seria o advogado da família e tio do jovem morto. Na conversa com o representante dos brasileiros acusados, ele teria dito que Kevin Espada estava de costas para o gramado quando foi atingido pelo sinalizador. Um depoimento nesse sentido, assinado por duas testemunhas que estavam ao lado da vítima, aumentaria as possibilidades de livramento dos acusados.

Um perito consultado pela revista observa que, se o adolescente boliviano estava de costas para o campo e parcialmente protegido por uma tribuna no momento em que foi atingido pelo foguete do sinalizador, o disparo não poderia ter partido do local onde se encontravam os torcedores corintianos. O especialista afirma ainda que o vídeo amplamente divulgado, que mostra um sinalizador sendo disparado da aglomeração de torcedores brasileiros, não serve como prova, uma vez que não se sabe que tipo de projétil atingiu a vítima, qual sua força de propulsão – e não há exame necroscópico demonstrando o impacto na cabeça do menino.

Prisão arbitrária

A conclusão da reportagem da revista IstoÉ é de que não há elementos para uma solução técnica que demonstre as responsabilidades. O adolescente brasileiro que assumiu a culpa pelo disparo apenas acha que foi seu sinalizador que atingiu o menino boliviano, mas não convence a todos.

Os doze torcedores que são submetidos às condições degradantes da prisão em Oruro são claramente, segundo a reportagem, meros bodes expiatórios sendo explorados num jogo de interesses paralelos que envolve até mesmo a diplomacia brasileira. Até mesmo o fato de o advogado dos presos ter tomado a iniciativa de denunciar o que chama de chantagem pode fazer parte da disputa, uma vez que seu escritório está sendo ameaçado de ser destituído da causa.

Entram em jogo também, embora indiretamente, questões delicadas relativas à hegemonia brasileira na América Latina, que torna sensíveis quaisquer movimentos de agentes oficiais em favor dos doze acusados.

No fundo, a proposta que, segundo IstoÉ, foi feita pelo advogado da família da vítima e tio de Kevin Espada, parece ser a maneira mais correta de encerrar o caso, uma vez que não haveria como provar a autoria do disparo. Se for indenizada, a família promete retirar a denúncia, o que poderia levar à libertação dos acusados. Embora se trate de uma clara chantagem, não se pode esperar um resultado satisfatório do inquérito feito por autoridades bolivianas, uma vez que alguns aspectos essenciais teriam sido negligenciados na fase preliminar da apuração.

Há outros elementos na investigação promovida pela revista para indicar que boa parte do noticiário que os jornais publicaram desde o incidente trata apenas de especulações e manifestaçõesoportunistas, muitas delas contaminadas por tendências políticas, preconceitos ou mesmo preferências futebolísticas. Muito do que tem sido divulgado reflete paixões de arquibancadas e certo radicalismo que contamina praticamente tudo que é levado à agenda pública pela imprensa.

Os jornais atuam como parte da torcida organizada ou simplesmente abandonam o assunto. Enquanto isso, doze brasileiros têm suas vidas interrompidas por uma prisão arbitrária.