Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Paixão de tiete

Independente do gosto musical todo mundo tem algo a dizer.

Ser jornalista me deixa muito orgulhosa e, ao mesmo tempo, envergonhada. Eu fico orgulhosa quando a minha oftalmologista diz: ‘Que ótimo! Você está em uma profissão tão essencial para a sociedade quanto a minha’. Ouvir isso de um médico é um luxo. Fico envergonhada quando percebo que alguns colegas de profissão tratam o jornalismo com desleixo.

Explico melhor. Sou fã assumida de, acredite, Bruno e Marrone. Ano passado, há exatos 12 dias da minha colação de grau em Jornalismo, em outubro de 2005, fui ao hotel onde a dupla goiana se hospedou em Cuiabá para conseguir uma foto e um autógrafo. Minha irmã mais nova e eu chegamos ao local e encontramos meu conterrâneo Bruno, primeira voz da dupla, conversando com uma jornalista.

Na ânsia de conseguir uma foto, me aproximei. Olhei por cima do ombro da moça e li no caderninho dela as informações: 19 anos, Goiânia. Bom, eu – como fã – percebi logo que ela estava perguntando quanto tempo de carreira e cidade de origem da dupla. Fiquei indignada. Ela já deveria saber tudo isso antes de fazer a entrevista. Aí, você me diz: ‘Ah, mas não é um promotor ou um político. É só um cantor de música sertaneja’. E eu respondo: ‘Um artista popular tem um poder de influência maior do que a daquele político de não sei qual partido’.

Ainda não acredita? Vou dar três exemplos. Primeiro, nenhum político convidaria um cantor de bossa nova para fazer um showmício. A maior parte da população mal conhece esses cantores. Segundo: eu já vi pelo menos duas pessoas com o rosto da Joelma, da Banda Calypso, tatuado no corpo. E, por último, o sertanejo Leandro, que fazia dupla com o irmão Leonardo, está fazendo milagres. Isso mesmo. Leandro morreu de câncer em 1998 e pessoas humildes do interior de Minas Gerais e Goiás acreditam que o cantor é capaz de curar doenças graves.

Aventura

Acho que você entendeu o que eu quero dizer, mas eu ainda não terminei. Encerrada essa entrevista, o cantor deixou o saguão e foi para o quarto. Outra jornalista chegou cerca de 20 minutos depois. Entrou em contato com o produtor, mas parece que ele disse que a dupla só atenderia novamente antes do show, no camarim. Segundo a jornalista, ela não poderia ir e o produtor foi extremamente arrogante.

Não sei o que o cara disse. Ainda não descobri uma forma de me infiltrar em linhas telefônicas. Por outro lado, eu ouvi muito bem quando ela disse ao editor que ela estava no hotel havia horas esperando e ninguém a atendeu. A moça ainda completou: ‘Você tem certeza de que isso é mesmo necessário?’ Eu nem preciso recordar que ela chegou atrasada, não é mesmo? Ah, além de mim, músicos e equipe técnica da dupla escutaram todo o barraco. Enquanto ela dava o chilique, eu me perguntava se aquilo era mesmo necessário.

Diante da situação retratada, como você acha que eu me senti? Eu sou jornalista e aquelas duas estavam passando uma imagem ruim da profissão. Naquela tarde de sábado chuvosa, a vergonha de ser tiete foi menor que a de ser jornalista… Falta aos colegas de profissão perceberem que, independentemente de raça, classe, credo ou gosto musical, todo mundo tem algo a dizer e essas informações devem sempre ser usadas com muito carinho.

Ah, já ia me esquecendo. Na minha aventura como tiete, consegui que Bruno e Marrone autografassem dois encartes de CD para mim. A foto ainda não consegui, mas não pense que desisti.

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Jornalista em Cuiabá-MT, assessora de Comunicação da Associação dos Produtores de Soja do Estado de Mato Grosso