Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Para a mídia, protestos só à distância

Duas coisas me chamaram a atenção recentemente. Uma delas foi a cobertura da mídia no caso dos protestos contra a ditadura do presidente do Egito. Outra foi uma matéria sobre os 50 anos da Universidade Federal de Alagoas a partir da mobilização estudantil, publicada na edição do domingo (30/01) do jornal Gazeta de Alagoas. Ambos os temas mostram a militância política como algo positivo, uma maneira de se conquistar direitos – apesar da preocupação em mostrar as dificuldades dos turistas no país africano.

As matérias divulgadas sobre a série de protestos no Egito, como a exibida na edição do Jornal Nacional de segunda-feira (31/01), procuram mostrar que a população tem razão, enquanto os gestores dos países do mundo tomam uma postura conservadora devido às trocas de interesses políticos existentes entre as potências socioeconômicas e o presidente Hosni Mubarak. Os Estados Unidos tomariam essa posição porque todos os seus últimos presidentes tiveram o apoio do Mubarak quando o assunto é o Oriente Médio.

Os protestos são mostrados como única alternativa perante um governo que não respeita a democracia no contexto ocidental. Porém, como quase sempre, quando o assunto são ditaduras conservadoras e/ou de direita, as críticas midiáticas só aparecem quando a situação está tensa, com conflitos iminentes ou em ação. São mais de trinta anos de uma ditadura com direito a fraude em eleições, com apoio estadunidense declarado e só agora se mostra que a ‘terra das múmias e das pirâmides’ vivia sob um regime autoritário.

Obstáculos para ‘pessoas comuns’

Só para citar um exemplo, e desde já não o defendendo: a postura dos órgãos de imprensa nacional quanto ao governo de Hugo Chávez na Venezuela é bem diferente. Sempre utilizando referendos populares para justificar a centralização dos poderes através de mudanças constitucionais, Chávez é visto como um ditador, mesmo quando perde, como no caso em que numa de suas tentativas de aprovar novas reeleições ele foi derrotado em referendo; ou no último caso, da perda da maioria absoluta no parlamento (2/3 que lhe permitiriam aprovar qualquer assunto com tranquilidade).

Outra coisa a se observar é que os protestos realizados em outras partes do mundo são mostrados como democráticos, surgidos de autênticas revoltas populares, enquanto no Brasil tudo neste sentido, com raras exceções, é mostrado como vandalismo. Além de não apresentar críticas contundentes em casos que mereceriam protestos da população, como no último aumento salarial no Congresso, que gerou aumentos em cascata para os políticos de praticamente todo o país.

Mesmo no caso dos protestos de fora do país, pela nossa interpretação ao longo dos anos, faz-se questão de destacar com igual força os obstáculos causados às ‘pessoas comuns’ pelas manifestações, como em greves coletivas ou, no último caso, para os turistas. A diferença é que nestes casos se destaca o motivo dos protestos, e não apenas a justificativa da retaliação.

Mobilizações ontem e hoje

Dentro desse contexto, a reportagem da jornalista Carla Serqueira publicado na Gazeta de Alagoas gerou curiosidade pelo fato de dentre as comemorações dos 50 anos da Universidade Federal de Alagoas se destacar a instituição que ‘formou lideranças políticas para o Brasil’, ‘com trajetória de agitações políticas hoje esquecidas’.

Através de entrevistas e fotos em três páginas do noticiário alagoano, Serqueira traz relatos de pessoas que se formaram politicamente na Universidade num período em que a mobilização política era vigiada pelos órgãos repressores da ditadura militar. Histórias de greves, perseguições e fortes protestos políticos pela melhoria dos cursos e, em especial, pela alteração do sistema político vigente no país através de um cunho revolucionário.

Políticos conhecidos hoje, como o deputado federal por São Paulo Aldo Rebelo (PCdoB), o deputado estadual Judson Cabral (PT) e o ex-secretário estadual do Trabalho Régis Cavalcante (PPS) contam histórias de participação política deles e de outros políticos filiados a partidos, como o senador Renan Calheiros (PMDB) e o ex-governador Ronaldo Lessa (PDT).

Como recém-egresso da Universidade, com um pouco de conhecimento e participação no movimento estudantil, senti a falta de mobilizações mais recentes, depois da ditadura militar. Interpretamos que a mídia nacional entende hoje que se viveu em regime autoritário no passado e, por isso, as mobilizações eram importantes, mas o que se veio depois, com a ‘redemocratização’, não foi assimilado como lutas ‘autênticas’.

Quanto mais longe, melhor

E não tratamos isto devido ao perfil escolhido pela reportagem publicada na edição do dia 31, que prefere destacar os políticos surgidos pela Ufal, e não necessariamente as manifestações políticas, mas pelas últimas matérias publicadas sobre protestos de estudantes da universidade, em especial no que tange aos problemas estruturais vivenciados em alguns espaços universitários, que recebem pouco destaque.

Aqui, também, vemos que as manifestações políticas do passado são mais respeitadas que as travadas atualmente, por mais que (ou por causa disso) a mobilização social seja bem menor que a de décadas atrás. A justificativa parte da posição social dos proprietários dessas empresas, que necessitam manter o status quo, que reflete as necessidades dos demais personagens capitalistas da sociedade.

Assim, pelo que podemos interpretar nesses dois casos aqui analisados, a grande mídia trata protestos de acordo com as distâncias no tempo e/ou no espaço. Quanto mais longe, melhor.

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Jornalista e membro do grupo de pesquisa Comunicação Multimídia-Comulti/Ufal, Maceió, AL