Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Para torcer vale tudo

Assassinatos e desvios contábeis ainda recentemente tolerados

‘Conspiração das elites para derrubar o primeiro governo popular brasileiro’ – essa afirmação, vinda de simpatizantes do PT para desqualificar as apurações em curso dos valeriodutos, não tem sido pouca. Penso tratar-se de desculpas generalistas e superficiais que não se sustentam.

O que não quer dizer que a cobertura do Estadão não dê margem a tal tipo de interpretação. O jornal não vem se mantendo isento na cobertura dos escândalos no governo Lula, dá mesmo sinais de orquestrar uma torcida.

Tomemos o destaque desta ultima semana: o caso Celso Daniel e a sessão da CPI na quarta-feira 26 de outubro. Nela houve acareação dos irmãos do ex-prefeito de Santo André, assassinado, com Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula. Os irmãos Daniel, Bruno e João Francisco acusam Gilberto de em 2002 tentar abafar o escândalo da morte de Celso Daniel para defender a imagem do PT, para que o crime não contagiasse seu candidato na campanha presidencial.

A fim de incriminar o petista convocado a depor na CPI, o Estadão permite-se invocar o testemunho do juiz João Carlos da Rocha Mattos, dando-lhe a manchete da primeira página da edição de 26/10. No lugar de ‘Juiz acusa assessor de Lula de tentar abafar…’ também poderia ter dito ‘Rocha Mattos, juiz que vende sentenças (ver farta documentação nos arquivos deste matutino), acusa assessor…’. Mas para torcer vale tudo, não importa a credibilidade de quem afirma aquilo. É verdade que a ficha do juiz aparece bem clara à pág. A4, mas a desqualificação à testa da A1 já fora lançada.

Outra distorção verificada no plenário da CPI dos Bingos, que as matérias de O Estado reproduzem sem crítica e ajudam a difundir os fatos em clave oposicionista, é o discurso tucano-pefelista segundo o qual se o PT procurava impedir o escândalo o partido tinha culpa no cartório. E não apenas culpa por receber caixa 2 de empresas de ônibus e lixo mas responsabilidade no crime. Como assumo que contribuições não-contabilizadas foram recebidas na maioria dos outros partidos que hoje apedrejam o PT, vejo como legítimo o esforço de Gilberto Carvalho e do deputado Luis Eduardo Greenhalg entre as testemunhas. Isso de caixa 2 deve acabar, mas que junto venham médicos que dêem sempre recibo, empresários que não escondam contribuições de campanha etc. Ademais, reforça a confiança nos homens que o PT escalou para tratar do triste episódio o aval recebido de Ivone, viúva de Celso Daniel, que tanto bem queria ao companheiro morto.

Cinco minutos

Na parte da transmissão da TV Senado a que pude assistir, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) tenta enxertar em sua quota de 20 minutos com direito à palavra trechos das 13 horas de fita acumuladas. Nitidamente o senador queria reter pedaços em que Gilberto Carvalho elogia a viúva de Celso Daniel por ela, em seu depoimento à imprensa, ser convincente quanto a sua visão de que o crime não era de motivação política. O PT naturalmente não queria um escândalo em torno de seu nome e tal desejo era legítimo, o que não quer dizer que compactuasse com o crime.

O Estadão hospeda má vontade explícita contra o PT. Veja-se a coluna de Dora Kramer em 29/10 em que ela rechaça o argumento de Ricardo Berzoini, segundo o qual o partido, diferentemente de outro que o acusa, não tem em seus quadros homens violentos como Hildebrando Paschoal, o brutamontes ex-deputado pelo Acre, preso por assassinatos até com serra elétrica e tráfico de drogas. Dora Kramer aventa a possibilidade de haver interessados no PT em ‘proteger os acusados de terem ordenado o seqüestro e a morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel’. E, enquanto tal não ficar esclarecido, o PT estaria potencialmente no ‘ranking Paschoal’.

Ora, Dora Kramer, não bastaria a qualquer um de boa vontade cinco minutos diante de Gilberto Carvalho e diante de Hildebrando Paschoal para separar o joio do trigo, para distinguir criminoso de gente arrastada para a suspeita de compactuar com assassinato por ter tropeçado na máfia?

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Dirigente de ONG, Bahia