Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Parcialidade ética é possível?

Ética profissional. Todos falam, mas poucos seguem seu conceito. Na Comunicação Social, então, é raro se ver cumprido esse princípio que deveria ser o primeiro a ser observado em todos os segmentos da sociedade organizada, principalmente no meio jornalístico. Outro conceito bastante discutido no meio é o da imparcialidade. Realmente a imparcialidade é uma lenda? É possível ser parcial e ético ao mesmo tempo?

A ética é um tema sempre atual e presente em toda e qualquer discussão relativa à postura profissional em qualquer área de atuação, seja medicina, engenharia, pedagogia, política… Mas é no meio jornalístico que o assunto ganha corpo e maior visibilidade, por se tratar de veículos de comunicação em massa, ou seja, que atingem milhões de pessoas de forma simultânea.

No meio desses milhões, há pessoas de diferentes culturas, cor, raça, religião, linha de pensamento. Assim, uma mesma mensagem transmitida por um veículo de comunicação atinge cada pessoa de forma diferente, de acordo com a bagagem de conhecimento que essa pessoa acumulou ao longo de sua vida. Por isso, o emissor da mensagem (no caso o jornalista e/ou radialista) deve, acima de tudo, ter cuidado com o que está dizendo, ou escrevendo.

Exemplo clássico

A profissão de jornalista é uma das mais nobres porque lida com informações e, de acordo com a primeira das cinco leis de Ranganathan ‘quem tem informação, tem poder’. As leis de Ranganathan são cinco leis fundamentais instituidas para a Biblioteconomia pelo pensador indiano Shiyali Ramamritam e que vigoram até os dias atuais, mas que podem ser perfeitamente adpatadas para outras áreas do conhecimento, como vimos neste caso.

Ao contrário do que muita gente pensa, não é o jornalista quem detém primeiro a informação, e sim a fonte, que pode ser uma autoridade, um político, um policial, um cientista ou qualquer outro profissional, ou ainda uma pessoa comum que presenciou um fato e tenha condições de relatá-lo para que assim possa se tornar uma notícia. A relação dessa fonte com o jornalista deve ser de extrema confiança e a maneira como ele tratará a informação é que determinará se esse profissional tem ou não ética.

Uma informação mal apurada pode causar consequências de proporções quase insignificantes (como uma simples ‘barriga’) ou causar danos irreparáveis. Nas mãos de um mau profissional (um profissional aético), a informação pode se transformar numa arma poderosa, capaz de derrubar governos, ou levar à lama qualquer pessoa ou instituição. Depois da notícia publicada, ou veiculada, não adianta mais retratação, ou direito de resposta, porque o que se fixa na mente das pessoas é a primeira informação.

Esses recentes escândalos envolvendo pessoas influentes da sociedade, autoridades, militares e políticos com a pedofilia, remetem ao famoso caso ‘Escola Base’, ocorrido em São Paulo, onde denúncias mal apuradas pela polícia, aliadas à sede da imprensa de informar primeiro, levaram a desastrosos acontecimentos e a prejuízos morais incalculáveis. É um exemplo clássico da falta de ética.

CPI da pedofilia

O jornal O Globo, em seu site, resume o caso:

‘Em março de 1994, vários órgãos da imprensa publicaram uma série reportagens sobre seis pessoas que estariam envolvidas no abuso sexual de crianças, todas alunas da Escola Base, localizada no bairro da Aclimação, na capital. Os seis acusados eram os donos da escola Ichshiro Shimada e Maria Aparecida Shimada; os funcionários deles, Maurício e Paula Monteiro de Alvarenga; além de um casal de pais, Saulo da Costa Nunes e Mara Cristina França.

De acordo com as denúncias apresentadas pelos pais, Maurício Alvarenga, que trabalhava como perueiro da escola, levava as crianças, no período de aula, para a casa de Nunes e Mara, onde os abusos eram cometidos e filmados. O delegado Edelcio Lemos, sem verificar a veracidade das denúncias e com base em laudos preliminares, divulgou as informações à imprensa.

A divulgação do caso levou à depredação e saque da escola. Os donos da escola chegaram a ser presos. No entanto, o inquérito policial foi arquivado por falta de provas. Não havia qualquer indício de que a denúncia tivesse fundamento.

Com o arquivamento do inquérito, os donos e funcionários da escola acusados de abusos deram início à batalha jurídica por indenizações. Além da empresa Folha da Manhã, outros órgãos de imprensa também foram condenados, além do governo do estado de São Paulo. Outros processos de indenização ainda devem ser julgados.’ (O Globo, 13/11/2006)

Aliás, a respeito de pedofilia, Roraima presenciou recentemente uma demonstração explícita de falta de ética, não da imprensa, mas de um político de grande influência nacional, o senador Magno Malta (PR-ES). Presidente da CPI da Pedofilia no Senado, Malta esteve em Roraima nos dias 5, 6 e 7 deste mês de julho e se instalou na Assembléia Legislativa para ouvir os depoimentos dos acusados de envolvimento na rede de pedofilia no estado, presos durante a ‘Operação Arcanjo’, da Polícia Federal.

Conceitos diferentes

A falta de ética do senador consiste no fato de que tudo o que ele fez na Assembléia, durante os três dias da audiência pública, foi em desacordo com o regimento interno do Senado, segundo o qual, para que as oitivas da CPI sejam válidas, são necessárias as presenças, pelo menos, do presidente e do relator. Magno Malta veio sozinho, acompanhado apenas dos assessores da Comissão. Veja o que diz o Art. 148, § 1º do Regimento Interno do Senado:

‘§ 1º. No dia previamente designado, se não houver número para deliberar, a comissão parlamentar de inquérito poderá tomar depoimento das testemunhas ou autoridades convocadas, desde que estejam presentes o presidente e o relator.’

Não é muito difícil presenciarem-se na imprensa casos em que a ética é pisoteada, deixada de lado. Isso é comum, especialmente àqueles veículos de comunicação que têm por objetivo atender a interesses particulares, em detrimento da missão maior da imprensa, que seria, a princípio, informar a realidade dos fatos, sem maquiagem, sem manipulação de dados. Especialmente as pequenas emissoras de televisão e de rádio costumam manter programas de origem duvidosa e pseudo-profissionais, para os quais o sensacionalismo é a atração principal. Nessa época de campanha eleitoral, então, são comuns os rompantes de alguns em favor de candidato A ou B.

Mas afinal, é possível sobreviver a toda essa sujeira e fazer um trabalho digno, imaculado, livre de qualquer influência externa, a não ser o nosso próprio senso de justiça e ética? Para responder a essa pergunta, é preciso primeiramente conceituar a ética. A ética, às vezes, é confundida com a moral, mas são dois conceitos totalmente diferentes: a ética é individual e a moral é coletiva e está estritamente ligada aos conceitos de religião e costumes.

Imparcialidade não existe

‘Falto com a ética toda vez que traio os meus ideais’, conceituou Maria Esther Z. Reis, mestre em Comunicação Social e professora da disciplina Fundamentos Teóricos da Comunicação do curso de pós-graduação Comunicação Social e Novas Tecnologias do IBPEX. Para ela, não existe imparcialidade na imprensa e tudo é intencional. Esse conceito, na verdade, é lugar-comum no meio midiático, na rua, ou nos bancos da faculdade. Aprender a lidar com a informação de forma ética, e sobreviver no meio quase sempre corrompido da imprensa, é que fará a diferença na linha tênue entre o bom e/ou o mau profissional.

Luciana de Lima Dittz, jornalista e graduada em Letras, repórter freelancer, revisora e assessora de imprensa, escreveu a respeito em seu blog, em 29/1/2008, sob o título: ‘A Imparcialidade não existe’:

‘Muitos jornalistas batem no peito orgulhosos e enchem a boca para dizer que ouvem fontes distintas envolvidas em um mesmo fato e se dizem imparciais. Ledo engano. São apenas diferentes versões, uma sucessão de pontos de vista. É triste. Fui como um desses jornalistas. Acreditei ser diferente. Hoje, estou mais realista.’

Luciana Dittz afirma ainda que, mesmo que o jornalista busque uma informação honesta, procure fontes que dêem opiniões diferenciadas sobre um mesmo fato em busca de contribuir para que o público tire suas próprias conclusões, o texto final terá sua carga de parcialidade. ‘Os textos são reféns de seus autores. Intencionalmente ou não, o jornalista, na apuração, na redação ou na edição de suas matérias, acaba selecionando determinados aspectos em detrimento de outros’, afirma.

Em suma, a imparcialidade não existe na imprensa simplesmente porque todos nós carregamos uma bagagem rica em conceitos e pré-conceitos adquirida ao longo de nossas vidas, na escola, faculdade e experiências profissionais. Se esse jornalista teve uma boa base familiar e adquiriu boas e construtivas experiências, certamente terá a ética e a moral como pilares de sua vida profissional. Ainda assim, será parcial em todo e qualquer texto que escrever.

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Jornalista