Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Perguntas não feitas, respostas não dadas

Os habitantes do Rio e do mundo assistem atônitos à intervenção das polícias e das Forças Armadas nas comunidades da Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão, na tentativa de conter a investida dos traficantes que teve início no domingo (21/11) e culminou na quinta-feira (25/11) com ônibus e carros incendiados nas ruas, especialmente na Zona Norte da cidade. A mídia fala o tempo todo em ‘momento histórico’, enaltecendo a ação tardia do governo do estado, que tem obrigação de cuidar da segurança e da integridade dos moradores da cidade, especialmente daqueles que vivem nas áreas dominadas pelo tráfico.

Avaliando a cobertura jornalística dos fatos com olhos críticos, percebe-se que muitas das perguntas não foram feitas àqueles que devem aos contribuintes uma satisfação e que parecem se esquivar de determinados assuntos, cruciais para a garantia dos direitos mínimos dos cidadãos.

Dúvidas que não querem calar

As principais delas são:

1. Mesmo sabendo de antemão que a Vila Cruzeiro e o Complexo do Alemão são o quartel-general do tráfico no Rio, por que o governo do estado não começou o programa de instalação das UPPs por aquelas comunidades e só agora, em caráter de urgência, percebeu essa necessidade?

2. Por que o governador do Rio demorou quase uma semana para solicitar a ajuda da Polícia Federal e das forças armadas e no início da crise afirmou que não seria necessário?

3. Por que o governo do estado acredita que os bandidos ainda estejam encurralados no Morro do Alemão se, a esta altura, a maioria deles já deve ter migrado para outras comunidades ou locais distantes dali?

4. Por que, em nenhum momento, nem o governo nem a polícia fala das milícias e ambos parecem estar de olhos fechados para essa questão, que é tão grave quanto o tráfico?

5. Por que o governo do estado tenta capitalizar politicamente esse episódio – como se fosse algo extraordinário tomar uma atitude –, se cuidar da segurança dos habitantes não é mais do que sua obrigação?

6. Por que o governo só agora resolveu investigar e prender mulheres e parentes dos chefes do tráfico, que movimentam suas contas bancárias e lavam dinheiro, se teve tanto tempo para fazer isso antes e não fez?

7. Por que o governo nunca conseguiu impedir que os comandantes do tráfico falassem ao celular de dentro dos presídios e dessem ordens a seus soldados nas favelas?

8. Por que o governo nunca cobrou dos advogados dos comandantes do tráfico uma postura mais ética?

9. Por que nunca foram feitas mudanças na lei para impedir o poder dos traficantes dentro e fora dos presídios?

10. Por que a população, em vez de cobrar ações mais contundentes do estado em relação à segurança, comemora uma ação pontual que todos sabem que não vai resolver o problema?

11. Por que os governantes do Rio nas últimas décadas, em vez de permitir a expansão das favelas, investiram tão pouco em moradia decente para a população de baixa renda?

12. Por que o governador do Rio de Janeiro demorou quatro anos para perceber que a situação da segurança é crítica não só na cidade do Rio, mas também em outros municípios fluminenses, e não agiu com maior determinação logo no início do primeiro mandato?

Com tantas perguntas não feitas, fica a impressão de que a mídia se limita a mostrar os fatos por si só, como se estes não fossem consequência da incompetência ou da falta de políticas públicas adequadas à complexidade problema. Ou que colabora com a omissão dos governantes, aplaudindo a ação pontual do estado com a repetição de chavões e frases de efeito, esquecendo-se da corrupção que corrói as instituições públicas, da banda podre dessa mesma polícia e do poder dos milicianos, que hoje já exercem um controle maior nas favelas do que os próprios traficantes.

Sem respostas para o problema crônico da falta de segurança, o assunto em breve será esquecido pelos noticiários e, quando a crise acabar, tudo voltará a ser como antes.

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Jornalista