Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Pichação e buracos

Nestas duas últimas semanas os jornais vêm repletos de denúncias quanto ao estado das rodovias nacionais. Sem dúvida o alerta procede e o tema é vital, afinal o país tem dimensões continentais e 80% de sua malha viária é estrada de rodagem. Mais crítico ainda torna-se à luz da novidade econômica trazida pelo vigoroso sucesso das exportações brasileiras, que em menos de uma década triplicaram.

Porém, misturado à crise política, o tratamento da imprensa presta-se a mal informar a população, distorcer os fatos e mais alimentar campanhas eleitorais do que tapar buracos. Dois jornalões destacam-se nesta operação desvirtuamento: Estado de S. Paulo e Valor.

O Estadão trata a questão da infra-estrutura contando apenas a parte dos fatos que servem às teses que defende. E não é texto de foca, trata-se do editorial à pág. 3 do primeiro caderno. É ali que, na sexta-feira 6/1/06, ‘O pacotão eleitoral’ traz a marca do ódio antipetista. Culpa-se a administração Lula pelo atraso do programa de concessões de estradas, omitindo-se o mutirão tucano em meados de 2004 – senador Tasso Jereissati à proa – para impedir no Congresso a decolagem do programa que reforçaria o PT nas eleições de outubro. O editorial acusa de ‘incapacidade do governo de vencer seus preconceitos ideológicos’, o que é uma lástima, tendo em vista que o PT fez já faz vários anos opção pela economia de mercado. Mas o editorial acusa também o governo federal de comprometer dinheiro dos fundos de pensão. Ora, por que não, se esses fundos têm muito mais $$ do que os bancos comerciais e a aplicação é economicamente sadia?

Ser ou não ser justo

Valor não trata as estradas em seus editoriais, mas ainda assim usa espaço nobre. A matéria assinada por Raquel Balarin A2, de 5/1/06, é dedicada às estradas. À jornalista interessa um comparativo entre a verba do tapa-buraco de agora, R$ 440 milhões, e os investimentos várias vezes maiores das concessionárias paulistas. Não faltarão leitores a espantarem-se com a informação de que a Companhia de Concessões Rodoviárias aplicou cifra semelhante àquela em seus trechos dos sistemas Dutra e Anhanguera-Bandeirantes, embora estas três estradas cubram coisa de um décimo dos quilômetros. Ora, não há nisto incoerência nenhuma do governo Lula, é apenas outra expressão de algo que os petistas resistiram a aceitar, mas acabaram jogando a toalha: os governos brasileiros não têm dinheiro para bancar a infra-estrutura. Pela foto da autora da matéria, a jovial Raquel, supõe-se que ela é jovem demais para se lembrar que desde o SOS Rodovias de Collor e os congêneres de FHC esses tapa-buracos são apenas a aspirina do contra-câncer. Mas é o possível.

Um jornal de negócios com ambição de tornar-se o Wall Street tupiniquim não poderia estampar manchetes como à pág. A2, 11/1/06, ‘Custos de contratos emergenciais para rodovias tem variação de até 4.600%’. É desserviço ao leitor que não tem tempo de ler na íntegra e descobrir que Daniel Rittner não compara laranja com laranja, mas estrada com ponte – obra de arte, aliás, a pin-up dos empreiteiros. Expurgado esse item, os valores por km descem a uma diferença máxima nas pontas de um para três. Retirados um trecho na BR-101 e outro na BR-040, que podem precisar de intervenções mais profundas, o desvio de preços da recuperação cai a um máximo de dois para um. Pois eu não dispararia a acusação de ladroagem à mera informação: uma loja vende dois carros usados, sendo um por 10 e outro por 20.

To be or not to be fair, that’s the question!

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Dirigente de ONG, Bahia