Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Piloto da aviação ‘Jornada Mítica do Herói’

O homem é esguio e traja camisa verde-piscina, de mangas curtas e botão. No bolso esquerdo dela, uma caneta do tipo quatro cores bota a cabeça para fora, silenciosa.

A calça de estilo social, sem afetação, de tecido azul-marinho, não encobre o sapatênis preto no pé. Os cabelos grisalhos, lisos e já pouco numerosos, encompridam a testa, inclinada à rapel. Os óculos, de armação retangular sutil e lentes de espessura mediana, tornam os olhos castanho-escuros um pouco mais miudinhos. É discreto, simpático e suave até na voz, o comandante.

Seu nome é Edvaldo Pereira Lima, da aviação ‘Jornada Mítica do Herói’, responsável por voos tão altos quanto a imaginação. Assumiu a ponte aérea Velho Jornalismo-Nova Consciência há mais ou menos três décadas, e dela nunca mais se afastou, por competência, apesar da miopia. Diferentemente da comercial, a aviação transcendental emprega até cegos 100 por cento, desde que enxerguem bem.

Ao comando de sua aeronave, Edvaldo Pereira Lima vem conduzindo os passageiros até o destino desejado, encorajando, durante o voo, o despertar de uma visão de mundo mais ampla e generosa, para uma postura transformadora da realidade.

Brevê de sonhador

Saúda um a um os que embarcam para o novo voo, com um aperto de mão camarada e um boa-noite de dentes claros.

O voo desta segunda-feira tem lotação quase máxima.

Estão aqui, no assento à frente, no assento ao lado, no assento detrás, lá na frente, Paula, Juliana, Samanta, Viviane, Alice, Rogério, Eliane, Rodolfo, Carolina, Felipe e outros mais, que embarcarão nas escalas.

Cada passageiro tem uma história e uma busca próprias: ‘Não estou muito feliz com o que faço atualmente’, confessa Paula, que trabalha na comunicação de um grande banco.

Viviane também se queixa: ‘Faz tempo que estou sem profissão. O país continua só querendo estagiário.’

Carolina, coitada, trabalha numa revista institucional de economia. ‘E eu não gosto de economia.’

Alice desabafa: ‘Sou jornalista há mais de 30 anos, mas, após os 50 anos de idade, não contratam mais a gente.’ Jornalismo não precisa de experiência?

Todos confiam na possibilidade de um destino melhor, estão em busca dele, do atendimento mínimo da dose diária de alegria e realização que faz a gente se sentir de fato vivo e minimamente são, para voar. A viagem com o comandante Edvaldo é parte fundamental do processo. Brevê de sonhador.

Consciência de si e do mundo

Enquanto movimenta o manche à frente, com segurança e suavidade, definindo o curso, o comandante vai explicando, à guia turístico, os pontos fundamentais de um outro céu; aquela ali, cintilante, despontando por detrás da nuvem clara, é a constelação da Jornada do Herói, com a forma de um menino que avança na direção do pai:

‘A Jornada do Herói como método de estruturação de narrativas, sistematizado pelo consultor de roteiros Christopher Vogler com base em estudos de ponta de Joseph Campbell, na mitologia, e de Carl Gustav Jung, na psicologia, corresponde a um modo intuitivo de contar histórias e de compreender certos processos dinâmicos da vida. Esse modo tem sido empregado espontaneamente desde a Antiguidade. Passou pela mitologia, esteve presente na arte literária de ficção e hoje é instrumento de trabalho de cineastas populares no mundo inteiro, como Steven Spielberg e George Lucas.

Tanto o método quanto o uso espontâneo dessa dinâmica narrativa colocam na mão de escritores e contadores de histórias de todas as formas de expressão um instrumento útil para resolver um problema que enfrentam: como organizar a narrativa, como dar sentido ao conjunto de elementos – ações, personagens, cenários, conflitos, dramas – que compõem uma história, de modo que o receptor sinta-se atraído para mergulhar no conteúdo e se deliciar com o texto que se apresenta. Ao mesmo tempo, toda narrativa busca transmitir ao receptor um entendimento do mundo. Uma vez que a Jornada do Herói corresponde simbolicamente a processos orgânicos que ocorrem de fato nas vidas das pessoas, o método ilumina e dá significado às nossas vidas, como indivíduos, além de nos trazer uma compreensão das dinâmicas psicológicas que movimentam os acontecimentos da espécie a que pertencemos, a humana. Em toda boa história, há um protagonista que sai do conforto de seu cotidiano, impulsionado pelas circunstâncias, para enfrentar um desafio. No caminho, encontra outros personagens – aliados, adversários, mentores etc. –, passa por testes e provas que podem ser dificílimos, supera obstáculos, se bem-sucedido, e se transforma, no final da jornada, tendo adquirido mais habilidades e ampliado sua consciência de si mesmo e do mundo.

Como uma história sendo contada

Isso de que trata a narrativa de ficção é perfeitamente reconhecível nas histórias de pessoas reais. Foi o que constatei de imediato, ao conhecer o trabalho do Vogler, nos Estados Unidos, no início da década de 1990. O padrão básico é o mesmo e universal, pois até a ficção busca, no fundo, espelhar situações que correspondem, mesmo que puramente de modo simbólico, à vida real. Entusiasmado por esse insight, coloquei-o à prova, fazendo as devidas adaptações, nas minhas atividades de docente de pós-graduação em Jornalismo Literário e livro-reportagem, na USP, Universidade de São Paulo. Revelou-se um método também aplicável, com eficácia, às narrativas da vida real.

O método é bastante apropriado, com o devido bom senso de cada autor, a matérias de Jornalismo Literário de fôlego, especialmente perfis e biografias. Elementos do método também são úteis nas notícias do dia-a-dia. Uma pesquisa de grande alcance nos Estados Unidos provou, no início deste século, que entre a forma esquemática do lide e da pirâmide invertida, de um lado, e a forma narrativa livre do Jornalismo Literário, de outro, os leitores preferem, na maioria das vezes, a segunda. Isso é perfeitamente compreensível, pois a primeira é uma criação artificial do jornalismo, tendo como origem a necessidade dos repórteres que cobriam a Guerra Civil norte-americana do século 19 de transmitirem por telégrafo seus despachos de batalha. Contudo, as transmissões caíam, a tecnologia era precária. Para garantir que as redações recebessem o conteúdo, resolveram colocar logo nos primeiros parágrafos o que fosse mais importante, de maneira condensada. Assim, caso a ligação caísse, a redação receberia, pelo menos, a parte considerada primordial. Também isso facilitava a questão do espaço disponível para a impressão gráfica dos jornais; como tudo era mais precário do que hoje, muitas vezes os jornais tinham mais material informativo do que espaço para publicá-lo. Como cortar o que fosse secundário? Simples: bastava eliminar os últimos parágrafos, que certamente conteriam informações menos importantes. Isso resolveu um problema operacional do jornalismo da época, mas o procedimento não atende a qualidades importantes de uma narrativa para cair no gosto do leitor: sua qualidade estética, seu ritmo condutor, sua evocação imagética – através de símbolos e metáforas – do significado de um acontecimento. As narrativas precisam ser construídas como se fossem uma história sendo contada. E histórias são um elemento cultural com os quais estamos acostumados desde que a humanidade se organizou como sociedade e civilização, desde que nascemos e ouvimos nossos pais nos contarem na hora de dormir.

Área de instabilidade

A imprensa precisa trabalhar melhor esse procedimento natural de contar histórias, pois isso satisfaz a necessidade (inconsciente, até) do leitor de acompanhar as notícias do mundo de um modo esteticamente eficiente, psicologicamente compatível com sua condição receptiva inata. Desde que esse princípio seja compreendido e assimilado, o contar histórias pode estar presente, em alguma medida, até mesmo no dia-a-dia. E dos recursos à disposição dessa abordagem, elementos da Jornada do Herói podem ajudar a iluminar a narrativa do dia-a-dia que se organiza em torno de personagens de carne e osso. Qual é a natureza do desafio que enfrenta um herói em sua jornada? Quando um repórter de esporte compreende esse padrão, pode muito bem aproveitá-lo para escrever com maior sabor narrativo e maior profundidade de compreensão o que ocorreu de fato com o herói do time que venceu o campeonato de futebol sob circunstâncias dramáticas. E assim por diante em todas as áreas de cobertura especializada, das editorias de cidades à de política, da economia à de tecnologia, do comportamento ao meio ambiente.’

Quando o comandante Edvaldo respira fundo e silencia, uma área de instabilidade estremece a aeronave, assustando os passageiros. Um novo chacoalhão, ainda mais forte, aterroriza alguns, que se persignam e rezam baixinho.

O modo como vemos a realidade

Não teria sido muito mais prudente e seguro ter ficado no conhecido chão a empreender jornada pelo ignoto céu? A turbulência, lá fora, aqui dentro, parece metáfora. Edvaldo recomeça a falar, mantendo fixos os olhos no horizonte, sem mudar o calmo tom de voz, imperturbável, embora em meio a solavancos intensos:

‘Nosso jornalismo atual dissemina o sentimento de que as coisas não têm solução. Como se não houvesse saída. E o excesso de desgraça no jornal não melhora, apenas provoca depressão. A mídia, assim, cria um estado depressivo coletivo. Mas todo dia gente nasce e gente morre, faz igualmente gestos torpes e gestos nobres.’

A aeronave se estabiliza outra vez no firmamento, e todos respiram aliviados, ufa. Uma jornada não é uma jornada de fato se não transformar e emocionar, a começar de quem a narra. Ou será que não?

O comandante aponta para o local da turbina, sob a asa da aeronave, e mostra, para surpresa de todos, que ali não há motores, mas sim corações – e eles pulsam, levando à frente, ao alto, rubra e lindamente através da noite. Suas palavras alígeras adejam outra vez:

‘Acho que hoje ninguém em sã consciência ainda acredita que exista `objetividade jornalística´, entendendo-se o termo como sinônimo de isenção, verdade absoluta, conhecimento perfeito da realidade. Nem a ciência é perfeitamente objetiva, nesse sentido. Aquilo que consideramos real é uma construção complexa em que entram elementos chamados objetivos, assim como elementos subjetivos, além da herança cultural e social de cada pessoa que observa a realidade, condicionamentos históricos e grupais que conformam o modo como vemos a realidade.

Um cenário encantador

Ao mesmo tempo, qualquer acontecimento é constituído de fatos ditos objetivos, mas também de emoções, de ressonâncias subjetivas. Aquilo que um entrevistado conta ao repórter não é constituído apenas de fatos e de palavras, também é composto de gestos, sentimentos traduzidos no olhar, timbre de voz, mensagem corporal. É feito também de silêncios, como bem coloca a excepcional repórter especial da revista Época e autora do livro-reportagem recentemente lançado O Olho da Rua [leia mais sobre o livro clicando aqui], Eliane Brum. Assim como os entrevistados e os personagens das matérias têm emoções e se expressam em linguagem corporal, os repórteres também são, antes de tudo, gente. São pessoas, membros da espécie humana, filhos e filhas da Terra, do sol e das estrelas, antes mesmo de serem jornalistas. Portanto, não apenas pensam e raciocinam. Também sentem, se emocionam, têm intuições. Assim, em matérias de maior alcance ou centradas em histórias humanas, as emoções (dos personagens e dos autores) não devem ser proibidas. Ao contrário, é um crime não introduzi-las, com bom senso, nas narrativas. É um crime, pois tenta passar ao leitor uma visão asséptica, racionalista apenas, lógica, da realidade, é um desserviço e um engodo com o público. A vida não é `objetiva´, linear e simplista, descarnada de sentimentos, emoções, medos, dramas, alegrias e dores. A vida é complexa e todos esses elementos compõem o seu caldeirão de realidade, em contínuo processo dinâmico de mudança.’

Edvaldo puxa o manche para si, e a aeronave se inclina, sobe e plana agora acima das nuvens, descortinando um cenário encantador: um tapete comprido e leitoso de algodão, sob o plenilúnio generoso, até parece o olho do criador, espiando tudo.

O beija-flor à janela

O comandante convida todos a olharem para fora e perlustrarem a paisagem, através das janelas dos olhos. É que se examinar detidamente tudo isso, reconhecerei a mim mesmo em tudo e tudo em mim, não é, comandante?

‘O olhar e todos os sentidos mais comuns (o olfato, o tato etc.) são importantíssimos, assim como é fundamental a intuição. O profissional de olhar atento consegue captar detalhes e contextos que engrandecem a compreensão de um acontecimento, que iluminam o nosso entendimento dos nossos semelhantes, os personagens humanos das nossas histórias. Fazem com que, através do olhar compreensivo de descoberta, nos conduzam, a nós, leitores, para dentro da experiência que viveram, do seu sentido mais profundo. Nos fazem viajar com eles, simbolicamente, para o mundo que retratam com excelência narrativa.

Não estive, obviamente, ao lado de Gay Talese, quando foi preparar a matéria sobre a lanchonete que mais vende cachorros-quentes do mundo, numa esquina de Nova York. Mas posso `ver´ e `imaginar´ na minha mente o cenário que ele descreve tão bem, compondo uma cena como se fosse um filme, quando magistralmente conta a chegada da senhora que puxa pela mão o filho emburrado que não quer comer cachorro-quente, mas hambúrguer, em seu livro Fama & Anonimato. Posso `enxergar´ detalhadamente a cena da discussão de Frank Sinatra com o rapaz que, na sala de bilhar, está calçado com uma bota chique, no seu perfil do cantor, nesse mesmo livro. O olhar ilumina entendimentos, abre a mente do leitor para pular, com o autor, no olho do furacão das realidades.’

Enquanto ouço as palavras de Edvaldo, mantenho os olhos fixos na noite mágica de fora, esquecendo de mim. Não estranho quando meus olhos esbarram, numa fração de segundo, entretanto lenta e longa, com os olhos do beija-flor que surge rápido, à janela do avião. Vislumbro, refletido neles, a minha própria face; e o beija-flor também se encontrou nos meus olhos, naquele instante fugaz e eterno. Sincronicidade, comunhão, reconhecimento, identificação.

Sensibilidade e ausência de preconceito

Ao Velho Jornalismo, ponto de partida dessa nossa viagem, muitos demonstram ainda vontade de regressar, embora já, intuitivamente, reconheçam a impossibilidade. Nova Consciência é um ponto que também dá medo de alcançar, como confiar naquilo que só se intui, que não sabemos onde fica?

Edvaldo aponta a miríade de caminhos cintilantes e bruxuleantes da noite e indica um, abaixo, uma algazarra de luzes, que acendem e apagam sucessivamente, em muitas cores e direções. São os homens que se autodestroem, lançando mísseis e bombas contra si mesmos, crendo numa diferença absurda, em nome até de Deus.

Será o jornalismo co-responsável por isso? Que história é essa que falsamente ajudamos a disseminar e consagrar como verdade irretocável?

O comandante vira o manche para a direita, inclinando a nave e despedindo-se dos pontos luminosos abaixo, e profere palavras columbinas:

‘A longevidade – particularmente dos jornais diários de cobertura geral, nos grandes espaços urbanos – vai depender, sim, de sua estreita relação com a comunidade. A influência que o periódico possa vir a ter dependerá em muito de como terá habilidade para expressar de fato, com abertura de horizontes, sensibilidade e ausência de preconceito, se possível, o mundo das pessoas que a tornam real.

A tecnologia permite o salto livre

Isso exigirá uma capacidade enorme de mudança de mentalidade, para que os jornais não continuem a relatar o real como se tudo fosse muito lógico e simples, como se as pessoas, na vida real, vivessem apenas pela lógica. Essa postura é falaciosa. As pessoas são racionais e irracionais, mentais e emocionais, intuitivas e imaginárias, concretas e porosas, factuais e simbólicas. A mídia precisa ser capaz de abarcar essas dimensões múltiplas da vida orgânica real e expressar isso. Para expressar o mundo e as pessoas com essa nitidez e fidelidade, não vejo como possam continuar insistindo exclusivamente nos textos relatoriais sem graça e sem gosto que apresentam a maior parte das vezes. Também não vejo como possam continuar a existir, no futuro, produzindo notícias meramente factuais cujo conteúdo básico já foi trabalhado, horas antes, pela televisão, pelo rádio, pela Internet. Que retorno os jornais gerais das grandes metrópoles estarão dando ao leitor que comprar um exemplar a três reais, digamos, se as notícias parecerem coisas velhas, pão dormido de véspera?

Só vejo futuro para eles, se passarem a cumprir o papel que ainda pouco fazem, no Brasil e na maior parte do mundo: em lugar da notícia repetitiva já veiculada na mídia eletrônica, matérias narrativas de qualidade, centradas em histórias humanas e na busca da compreensão profunda do significado dos acontecimentos. Para cumprir essa missão, o Jornalismo Literário e a Jornada do Herói são instrumentos essenciais, embora não os únicos possíveis.’

Os passageiros concordam, meneando a cabeça afirmativamente. O mundo muda, a gente muda, a tecnologia permite o salto livre, a propagação livre da voz local e mundial. Au revoir, sayonara, mister Murdoch!

Um simples canal de classificados

Mas talvez, na base, continuemos os mesmos daquela caverna cujas paredes fomos recobrindo de desenhos singelos e sobrenaturais, bisão, mulher, lança. Nas cavernas digitais e etéreas, as marcas do que importa deixamos, guardamos no pen drive e carregamos a vida no bolso, o beijo completo que tenho para te dar. O filho pede ainda ao pai a história que vai reconfortar e enternecer antes de dormir e sonhar outras histórias, até o fim da eternidade.

Alguns dormem feito filhos na aeronave, e por isso Edvaldo fala mais baixinho, para não incomodar:

‘A civilização de hoje é múltipla, global, multifacetada. A diversidade cultural, social, humana e natural de nossos dias cria um mundo de muitas vozes e de muitos olhares diferenciados; portanto, de muitas formas de expressão possíveis. São todas bem-vindas. O que permanece, nesse processo dinâmico em contínua mudança, é a necessidade humana vital de contar e ouvir, ler, ver histórias. São as histórias que nos dão identidade, são elas que nos fazem entender quem somos, de onde viemos, para onde podemos ir. São elas que fazem nos identificarmos com outros seres humanos e reconhecer como fazemos parte de uma mesma e gigantesca irmandade, a dos seres humanos. São elas que nos abençoam, mostrando que estamos todos navegando nessa grande nave espacial chamada planeta Terra, circulando pelos espaços infinitos da Via Láctea e do universo. As histórias são alimentos da alma.

Por que cada vez mais o público brasileiro comparece às salas de cinema, como em São Paulo, para assistir a um número crescente de documentários que retratam as vidas de todos nós, de residentes de um prédio em Copacabana a motoqueiros das ruas paulistanas, de caboclos do sertão nordestino a jovens jogadores de futebol querendo um lugar ao sol nos grandes times, de pessoas de fé nas romarias e centros de candomblé a veteranos da companhia de aviação que até hoje se reúnem inconformados com o ato cruel do regime militar que há mais de 40 anos acabou por decreto com a grande Panair do Brasil, transferindo seus bens de graça para a Varig? Por que um número respeitável de pessoas leem e procuram livros-reportagem e biografias, encontrando nas prateleiras de nossas melhores livrarias um número considerável de títulos, em volume que não nos faz vergonha nem mesmo quando comparamos nossa situação com a da França, da Itália, da Alemanha ou da Inglaterra? Por que cada vez mais explodem blogs e sites vencendo as limitações do mercado editorial convencional, criando assim canais de expressão para todos e tudo que se possa imaginar? Porque necessitamos de histórias, porque precisamos nos comunicar. Porque histórias e comunicação constituem essências fundamentais da vida.

O jornalismo tal qual conhecemos hoje – e insisto principalmente sobre os diários de cobertura geral nas grandes cidades –, para continuar a existir, terá que se adaptar, se reconstruir, se redefinir, se reorientar. Caso não resgate a tradição que já teve de contar histórias, a meu ver perderá sua razão de ser; poderá permanecer como um simples canal social de classificados ou notas curtas sobre a sociedade. Mas seu outro papel nobre, o de contar histórias com propriedade e eficiência, será nesse caso ocupado por outras formas de expressão, atendendo à necessidade efetiva que existe no seio da sociedade.

Sinto asas, posso voar

Minha esperança, contudo, é que boa parte da mídia impressa reconheça o óbvio: só vai recuperar e aumentar sua base de leitores, mantendo sua fidelidade, se introduzirem em suas páginas, em boa quantidade, a velha, nova e futurista arte de contar histórias. Histórias da vida real, nesse caso. Para chegar lá, basta resgatar, reaprender e redinamizar a velha, boa e eficiente tradição do Jornalismo Literário. Sem medo de parecer cabotino, sem falsa modéstia, mas também com humildade, afirmo que o Páginas Ampliadas [livro de autoria de Edvaldo, sobre as relações do jornalismo e da literatura expressas no livro-reportagem, relançado no fim do ano passado] tem algo a contribuir nessa direção, assim como têm nossas iniciativas na Academia Brasileira de Jornalismo Literário, a ABJL [veja o site aqui].’

As portas da aeronave então se abrem, subitamente.

Edvaldo aponta para fora, convidando todos ao salto.

Sinto asas, salto, posso voar.

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Editor do Jornalirismo