Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Pishing no jornalismo

Pishing, como se sabe, é a vigarice na internet onde alguém envia um e-mail para você, com um assunto teaser e o seduz a clicar, isto é, a abri-lo para ler. Pronto, você acaba de ser fisgado, no background de seu ambiente eletrônico (desktop ou notebook) passa a trabalhar um programa espião, ou terrorista. As intenções são inúmeras, nesse tipo de abordagem vigarista. Vão desde colecionar hábitos de navegação na internet (um maná para o marketing digital, viral), até a tentativa de hack mesmo, de estragar a sua vida.

No jornalismo coisa parecida está sendo feita com as manchetes e com as notícias. De modo bem mais brando, na maioria dos casos sem o autor da reportagem saber, o que é pior, pois denota que ele foi pego por um pishing e não apurou a matéria, como deveria.

Desde que as notícias começaram a ser atualizadas para o público na base do último segundo, nos aeroportos, elevadores e fachadas de edifícios, a corrida pelo furo provocou essa tendência de pishing. Antigamente o jornaleiro gritava na rua ‘Extra! extra! extra! Presidente entra em casa e sai com o olho roxo!’ Não passava de um livro que lhe caíra da estante na cara. Era romântico, comprava-se jornal por impulso, por vício, e a vida seguia a passos mais lentos, dava tempo de descontar os arroubos da concorrência na imprensa. Hoje não dá mais. É tudo muito rápido. E perigoso.

Benefícios à saúde

A seguinte manchete do Último Segundo de quarta-feira (2/8/2006) é um exemplo dessa espécie de pishing inadvertido: ‘Beber água demais faz mal à saúde, diz estudo’.

Em primeiro lugar, vamos admitir: é possível que muitas pessoas peguem apenas as manchetes, ou parte delas, como a notícia e reajam, tomem decisões, tomem partido, assumam um posicionamento – estamos falando de formação de opinião. É possível que outro tanto de pessoas leiam parte das matérias que lhe seduziram pelas manchetes, mas retenham uma parte menor ainda, talvez somente a manchete e o lead. Ainda, é possível que pessoas nem leiam essas matérias, mas as absorvam através de outras pessoas que as leram parcialmente, e por aí afora.

À parte a notícia da revista Playboy que especula publicar fotos de aeromoças nuas demitidas pela Varig, numa prova de que os profissionais por trás das pautas desse tipo de revista são inescrupulosos sem medida, a prática de manchete pishing pode causar danos irreparáveis na sociedade. Na pior das hipóteses, a prática de pishing no jornalismo (consciente ou não) é um desserviço da imprensa.

A notícia sobre o hábito de beber água saiu na BBC. Lendo a matéria integralmente fica claro que a intenção da fonte é alertar para os riscos de uma dieta à base de água. Mas isto é outra coisa. Dieta à base de água e importância e quantidade da água bebida pelos seres humanos guardam uma distância infinita.

Recentemente escrevi um artigo neste Observatório (‘A saúde (combalida) da imprensa‘) chamando a atenção para o fato de os jornalistas não estarem ouvindo várias fontes, de preferência antagônicas, antes de publicar notícias sobre a saúde, sobre a vida.

Beber água faz bem à saúde. Outra afirmação que se deve fazer e alertar corretamente os leitores (pessoas, seres humanos) é que a sede, a vontade de beber água, o hábito de beber água regularmente e em doses cada vez mais compatíveis com o corpo e atividade de cada um é vital. Um médico me disse que não se tem mais sede nesta vida. Uma amiga não gosta de água. Um amigo me disse que esquece de beber água.

Sede ao pote

Sem sair da minha cadeira, posso citar numerosos casos de comportamento errado com relação à água. Por exemplo, no Brasil não se bebe água pelo tipo, como na França. Num blind test que participei uma vez numa pesquisa de mercado para Perrier, quando esta empresa entrou no Brasil, as pessoas respondiam que escolhiam em restaurantes água com gás ou sem gás, nada mais. Elas só sabiam identificar água leve e água pesada, quando na verdade existe é a água dura e a água mole, de acordo com o seu pH, e água com metais pesados e adição de cloro e flúor (cancerígena) servida na torneira doméstica, e água com resíduos de antibióticos e anticoncepcionais (eliminados pela urina e cujos sistemas de saneamento público não eliminam), por aí afora.

Sem esgotar o assunto, vale lembrar que somos um aquário marinho vivo. Nossas células e tudo o que é sólido em nosso corpo bóia em nossos humores, em nossos líquidos, em água orgânica. Todas as comunicações nutricionais e funcionais de nossos órgãos são feitas através da água que circula em nosso corpo. Inclusive e especialmente as informações físicas, da condutibilidade, bioeletromagnéticas.

O assunto é apaixonante, porque trata desta maravilha que é o organismo humano. Deveríamos, leigos, jornalistas e médicos (incluindo os cientistas) nos maravilhar diante desse organismo. Portanto, beber água é a primeira coisa que se deve fazer ao acordar, e regularmente durante o dia, e a última coisa antes de dormir. Pouco, gradual, mas sempre, a toda hora.

A autora da matéria ‘Beber água faz mal à saúde’ é a Anelise Infante, correspondente do Globo na Espanha, que já participou de programa de TV do Observatório da Imprensa e assina matérias em pautas mais do que ecléticas (literatura, terrorismo, homossexualismo, futebol, fofoca de celebridades etc). Daí, talvez, a sede ao pote, o lapso por não apurar corretamente, pelo menos as matérias vitais para a saúde do leitor. Certamente ela foi fisgada por um press release tendencioso e passou adiante o pishing.

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Jornalista e escritor