Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Política, pré-sal e língua portuguesa

Quando as sondas da Petrobras perfurarem o Oceano Atlântico em busca do petróleo detectado em águas profundas, elas encontrarão o óleo antes ou depois da camada de sal?

Depois, é claro. Estas novas reservas estão a mais de 200 quilômetros da costa e a mais de 6 mil metros abaixo do nível do mar. Então, como é que é pré-sal? Estão contando de lá para cá? O ponto de referência é o fundo do mar?

Excessivamente atenta aos deslizes do presidente Lula, a mídia, naturalmente com notáveis exceções, segue seu velho método de repetir sem conferir. Mas que tal a mídia nos reconfortar com um bom estudo sobre as designações como esta do pré-sal? Nas universidades há vários especialistas na questão.

Entre os que criticam o presidente Lula, há dois grandes grupos: a favor dele, em qualquer coisa, ou contra ele, também em qualquer coisa. Raros são os que, sem preconceito, analisam as falas do presidente para que sejam entendidas em profundidade e extensão, pois são boas referências do que seu governo nos prepara.

Em toda a história republicana, ele não é o primeiro presidente a se fazer entendido por todos, mas é o primeiro a expressar-se na língua geral do povo brasileiro. Esta é a grande razão de seu sucesso.

Reeleição, a surpresa

Por norma, na mídia, é assim: um diz ou escreve, outros saem repetindo sem conferir. Quem não cuida nem da língua portuguesa, cuidará de conferir outras coisas, igualmente fundamentais? Para as falas do presidente Lula, todo rigor é pouco. Mas, e consigo mesmos?

Refresquemos um pouco a memória do distinto público. Não é a primeira vez que os leitores são enganados ou induzidos a enganos pela mídia. Tanto faz se a esfera seja a política nacional ou a internacional. Quantas vezes já nos deram como vencedor o primeiro das pesquisas e ganhou o segundo? E recentemente houve até o caso de que quem venceu foi o terceiro da lista.

Na primeira eleição de George W. Bush, a impressão que leitores e internautas tinham era de que ele seria inapelavelmente derrotado. Quando se reelegeu, a surpresa foi maior ainda: ele ousou contrariar as previsões e venceu de novo.

Alternativa correta

Agora a mídia nos dá outras favas recontadas. Barack Obama será o primeiro presidente negro dos EUA. O poeta, professor e cronista Affonso Romano de Sant´Anna, em crônica para o Estado de Minas e para o Correio Braziliense, abordou o problema assim:

‘Numa conversa de vários intelectuais, um cientista social de renome internacional, em meio a uma festa, levantou a hipótese de que Barack Obama ia ser assassinado, só não se sabia se seria antes ou depois da eleição.’

E Affonso ainda nos divertiu com a transcrição de uma anedota (que significa aquilo que ainda não foi publicado) que circula na internet. São Pedro, às portas do Paraíso, trava o seguinte diálogo com um dos chegados:

– E aí, quem é você e o que fazia na Terra?

– Meu nome é Barack Obama e eu fui o primeiro negro a ser eleito presidente dos Estados Unidos.

– Dos Estados Unidos? Um presidente negro? Você está me gozando? Quando aconteceu isso?

E Obama:

– Cerca de 20 minutos atrás…

Ninguém é profeta, mas de todo modo quem tem o hábito de leitura erra menos na companhia de quem sabe escrever do que prestando atenção a quem não sabe. Falar ou escrever é mais do que acertar as regras que a norma culta nos impõe. Falando ou escrevendo, estamos pensando, sentindo, dizendo.

Um escritor não escreve o que ouve, nem o que houve. Escreve o que sente. O jornalista precisa conferir e comprovar. Mas parece que as coisas andam misturadas.

Para o escritor João Ubaldo Ribeiro, da ABL, mestre de nossas letras, o candidato à sucessão do presidente Lula é o presidente Lula.

Na loteria ou na vida, a alternativa correta costuma ter poucos acertadores. Como disse Cecília Meireles, ‘o passado não abre a sua porta e não quer entender a nossa pena’. O futuro, então…

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Doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde é vice-reitor de Cultura e coordenador de Letras; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e A Língua Nossa de Cada Dia (ambos da Editora Novo Século); www.deonisio.com.br