Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Por favor, explique-me, Dona Danuza!

Este é o segundo texto que escrevo para comentar uma crônica de Danuza Leão publicada pela Folha de S.Paulo. Você, leitor, pode questionar: ‘Que é isso? Implicância com a jornalista?’ Pode parecer que eu a pego pelo pé, sim. É que, para mim, o fato de alguém ter espaço regular em um jornal para veicular sua visão de mundo é privilégio, em um país em que os meios de comunicação se concentram em poucas mãos e onde a imprensa se mostra cada dia mais distanciada dos interesses coletivos e mais voltada para os interesses de uma pequena parcela da sociedade, a dita ‘minoria branca’.

Portanto, se Danuza pode, por que não eu? Reconheço que não vivi as peripécias da colunista, contadas em livro, e talvez por isso mesmo não tenha garantido lugar ao lado dos poderosos, nem uma coluninha semanal em jornal de grande circulação. Grande distância nos separa, em todos os sentidos: ideológico, intelectual, político. E como quem publica um texto se expõe, natural é que as crônicas da dita senhora sejam comentadas e criticadas.

Análise do discurso

Têm sido interessantes os contorcionismos verbais dos jornalistas brasileiros para tratar da ida de Franklin Martins para uma secretaria-ministério do governo Lula. Não por acaso uma pasta estratégica, para governos e para as empresas produtoras de jornais e revistas. Apenas pessoas como Diogo Mainardi e Reinaldo Azevedo não fazem exercícios de contorcionismo, são diretos nos seus ataques à figura de qualquer um que identifiquem como ‘de esquerda’ e não seria diferente quando se referem ao Franklin Martins.

Há outros jornalistas, no entanto, que tentam fazer esses jogos em seus textos e emissões de rádio e TV, mas o máximo que conseguem é evidenciar para o leitor, além de suas posições inequívocas contra o atual governo, suas limitações para raciocinar com alguma complexidade sobre o campo das relações políticas no Brasil. Entre estes incluo Miriam Leitão e, mais recentemente, a ex-colunista social e colunista dominical da Folha de S.Paulo, Danuza Leão.

Quem leu a autobiografia dessa senhora – Quase tudo – com um pouco de perspicácia deve ter notado que ela não é dada a grandes raciocínios teóricos e analíticos. Por isso nos brinda com a crônica de domingo (1/4), da qual, pela alusão ao dia mundial da mentira, chego a pensar que só pode ser trote, brincadeira [íntegra do texto abaixo].

Sei que não sou o insuspeitíssimo deputado Fernando Gabeira, explicitamente invocado por Danuza para responder à pergunta que ela formula no título da crônica [‘Por favor, me expliquem’ (sic)]; sou apenas, como ela também se auto-intitula, ‘uma modesta cidadã’. Diferentemente dela, eu fiquei no Brasil durante todo o período da ditadura militar – que ironicamente teve início nesta data do dia mundial da mentira – enquanto ela estava na Europa ou ganhando de presente um apartamento na Avenida Atlântica (leiam o livro!) e ‘acompanhando’ os tempos dos anos de chumbo.

Por isso Danuza sabe que foi Franklin Martins quem escreveu uma ‘bela carta’ aos militares ‘exigindo a libertação de 15 companheiros em troca da vida do embaixador americano, Charles Elbrick’. Exercitemos um pouco nossa prática de análise do discurso: é sintomático o fato de ela não ter escrito ‘exigindo a vida de 15 companheiros em troca…’ ou simplesmente ‘em troca do embaixador’. É como se apenas a vida do embaixador corresse perigo, mas não as de quem estava preso sob tortura pela repressão. Ato falho? Ingenuidade?

Supremacia empresarial

Predominam no texto de Danuza os pontos de interrogação, usualmente marca gráfica que indica um autor em reflexão, em busca de respostas. Mas no caso isso não passa de recurso retórico, pois as interrogações escondem, na verdade, afirmações. Vamos à lista das afirmações que a colunista faz, sem prestar atenção a detalhes que a desautorizam:

** ‘Mas ainda tem mais; a pessoa em questão, Franklin Martins, era dos melhores comentaristas políticos da TV, um homem corajoso, que não deixava de dizer o que pensava em relação ao governo -esse mesmo governo de que agora é empregado.’

Comentário: Danuza matou o FM de antes, sem sequer considerar suas razões para aceitar um cargo no governo. Bastou isso para que ele deixasse de ser o que foi, reconhecidamente por seus colegas, durante toda a vida. Vejamos: se o William Bonner ou a Fátima Bernardes aceitassem cargo no governo FHC ficaria Danuza tão indignada quanto nesse episódio? Onde está a incoerência de FM? Incoerente seria ele aceitar um cargo semelhante em governo tucano-pefelista, ou não?

** ‘… além de porta-voz, é ele quem vai cuidar de toda a publicidade do governo. Isso significa que se algum jornal disser alguma coisa que ele ache que não caiu bem, ele tem o poder de cortar a publicidade dos órgãos oficiais – Banco do Brasil, Caixa Econômica, e por aí vai.’

Comentário: No mundo jornalístico, até os DM e RA sabem que existe um arcabouço legal que regula a publicidade dos órgãos oficiais e que não basta apenas um ministro querer ‘cortar’ a verba para que isso ocorra. Aí está uma das verdadeiras motivações de Danuza ao publicar essa crônica: medo de o jornal a que serve perder os recursos da publicidade governamental. Explicita, assim, a defesa de dois interesses: o de seu patrão e o dela própria.

** ‘Não só o poder como o dever, penso eu [grifo meu: ela pensa!]. Não vamos também nos esquecer de que um dos 15 libertados no episódio do seqüestro do embaixador foi o ex-deputado cassado José Dirceu, que não cansa de mexer seus pauzinhos para ser anistiado, e agora já está metido até em negócios com o etanol.’

Comentário: Ela pensa e escreve com má-fé, pois mistura alhos com bugalhos ao inserir o ex-deputado José Dirceu na jogada; como se vê, nega-lhe inclusive o direito de querer ser empresário do etanol, já que não é mais homem público: só os usineiros podem, verdade? E o que FM tem a ver com isso?

** ‘Eu queria que alguém me explicasse se está certo Franklin Martins aceitar esse emprego. Com isso ele joga no lixo sua biografia, o que talvez para ele não tenha a menor importância. Mas para muita gente tem.’

Comentário: Ao adentrar filosoficamente o terreno da ética, Danuza parece querer honestamente que alguém lhe diga se é ou não certo o que FM faz; mas essa é uma resposta de que ela não necessita, pois já decretou que ele jogou no lixo sua biografia. E para quem é que isso tem importância, quem é essa ‘muita gente’? Os empresários de jornais e revistas, os jornalistas pagos para defenderem a supremacia empresarial de 5 ou 6 famílias que detêm todo o poder sobre os meios de comunicação no país? Quem é essa ‘muita gente’? Por favor, explique-me, Dona Danuza!

Motivo de orgulho

Haveria muito mais a comentar na crônica de Danuza Leão, mas considero os itens acima amostra suficiente da precariedade do raciocínio da autora e dos interesses inequívocos que a motivam. A colunista não tem coragem de explicitar as razões pelas quais pensa(?) que FM não deveria aceitar cargo no governo – isso seria exigir demais dela, pois teria que fazer uma análise do primeiro mandato de Lula e agora também das medidas iniciais do segundo mandato, o que as limitações de sua (má-)(de)formação de agregada não permitem.

Como não consegue sustentar o debate político, parte para a desqualificação de FM. Aliás, uma antologia de suas crônicas mostraria o quão corriqueiro é esse procedimento autoral de Danuza, que o utilizou também em outra crônica, quando da reeleição de Lula. Por isso, sua crônica é falsa desde o título, porque, na verdade, Danuza não quer explicação alguma. E nunca vai entender por que Franklin Martins abriu mão de um salário entre 80 e 100 mil reais para ganhar apenas 8.000 reais como ministro, claro!

Por essas e outras, se FM a ouvisse dizer: ‘Em outros tempos – até umas duas semanas atrás – eu ficaria orgulhosa de ser apresentada a esse homem que teve coragem para tanta coisa. (…) Hoje, mais não’, ele talvez respondesse: ‘Quanto a mim, nem em outros tempos nem hoje’.

É isso. Motivo de orgulho é, de fato, jamais ter sido apresentado a Danuza Leão.

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Por favor, me expliquem

Danuza Leão # copyright Folha de S.Paulo, 1/4/ 2007

Eu entendo de algumas coisas, mas de outras confesso minha total ignorância. Do assunto Franklin Martins, por exemplo. Só para começar, o que faz uma pessoa que ganha – e sem nem fazer muito esforço – entre R$ 50 mil e R$ 100 mil por mês, se demitir para aceitar um cargo onde vai passar a ganhar R$ 8.000. Estranho, não?

É bem verdade que nesse novo cargo ele vai ser, no lugar de jornalista, ministro, e colado ao poder. Será então vaidade? Ambição?

Mas ainda tem mais; a pessoa em questão, Franklin Martins, era dos melhores comentaristas políticos da TV, um homem corajoso, que não deixava de dizer o que pensava em relação ao governo -esse mesmo governo de que agora é empregado.

Quem acompanhou os duros tempos da ditadura sabe que quem escreveu a famosa carta aos militares, exigindo a libertação de 15 companheiros em troca da vida do embaixador americano, Charles Elbrick, foi Franklin Martins. Bela carta, aliás. Não passa pela cabeça de ninguém que uma pessoa com aqueles ideais aceite ser porta-voz do governo do presidente Lula, a quem ele nunca poupou. Bela jogada do presidente, aliás. Mas tem mais: além de porta-voz, é ele quem vai cuidar de toda a publicidade do governo. Isso significa que se algum jornal disser alguma coisa que ele ache que não caiu bem, ele tem o poder de cortar a publicidade dos órgãos oficiais -Banco do Brasil, Caixa Econômica, e por aí vai. Não só o poder como o dever, penso eu. Não vamos também nos esquecer de que um dos 15 libertados no episódio do seqüestro do embaixador foi o ex-deputado cassado José Dirceu, que não cansa de mexer seus pauzinhos para ser anistiado, e agora já está metido até em negócios com o etanol.

Eu queria que alguém me explicasse se está certo Franklin Martins aceitar esse emprego. Com isso ele joga no lixo sua biografia, o que talvez para ele não tenha a menor importância. Mas para muita gente tem.

Eu, uma modesta cidadã, não vou acreditar mais em uma só palavra do que ele disser, e vou ficar de olho nessa história da publicidade oficial, que vai estar nas mãos dele.

Até agora não ouvi nem li ninguém falar sobre o assunto, dizer se ele fez bem ou mal em assumir o tal cargo, se ele não deveria ter recusado. Em outros tempos – até umas duas semanas atrás – eu ficaria orgulhosa de ser apresentada a esse homem que teve coragem para tanta coisa.

Hoje, mais não. Será que é o passar dos anos que faz com que as pessoas mudem? Ou eu estou completamente errada e ele tinha todo o direito de aceitar ser porta-voz do governo Lula?

Preciso que alguém me esclareça, alguém em quem eu acredite, alguém que seja correto, honesto, que não tenha mudado com o tempo. Que tenha conhecido Franklin Martins profundamente, e que possa me explicar o que se passou com ele, se é normal que as pessoas mudem, até para que eu entenda que a vida é assim mesmo, e me conforme com isso, ou se continuo com minhas opiniões, mesmo sozinha, mesmo que talvez errada.

E a única pessoa que gostaria que me falasse sobre isso, e na qual eu acreditaria, chama-se Fernando Gabeira. Eles foram companheiros, Gabeira deve entender.

Diga alguma coisa a respeito, Gabeira; diga tudo que você acha, Gabeira, porque estou precisando de sua opinião.

Aliás, só da sua.

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Professora doutora em Literatura Brasileira, Belo Horizonte, MG