Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Programa subvaloriza capacidade profissional feminina

Não sou a pessoa mais fanática por futebol que existe no mundo. Gosto do esporte, até acompanho a evolução do meu time nos campeonatos, mas se ele ganha ou perde (para que mentir?), nada no meu humor é afetado. Ao contrário de mim, muitas mulheres levam o assunto a sério. Conhecem todos os jogadores de seus respectivos times, acompanham as contratações feitas, os pontos conseguidos a cada rodada, o desempenho do juiz e, inclusive, as condições do gramado. Sim, muitas mulheres gostam, e muito, de futebol. Por isso, a minha indignação ao ver uma matéria como a exibida no programa no programa Globo Esporte, da Rede Globo (25/8).

O assunto de uma das reportagens, que deveria ter sido o jogo entre Corinthians e Ceará, foi deixado em segundo plano. A bonita homenagem ao técnico do Corinthians, Tite, feito por sua filha em comemoração ao dia dos pais, foi apenas mencionada no início da reportagem. No entanto, a beleza da bandeirinha catarinense, Nadini Bastos, foi celebrada de forma nada sutil durante toda a matéria.

Não consigo entender o propósito da entonação adotada pelo repórter e a minha indignação atrapalha, inclusive, a elaboração deste texto. Como expressar o tom desrespeitoso e machista usado a cada momento em que mencionava a bandeirinha? Durante toda a reportagem, após breves comentários sobre algum lance no jogo, a imagem de Nadini voltava a aparecer na tela acompanhada de comentários do tipo “aaaaaaaaaai, Nadini” ou “ agora em câmera lenta, anota esse gol, Nadiiiiini!” Ao comentar um lance falho da zaga do Corinthians, o repórter Léo Bianchi volta a evocar a beleza de Nadini: “Só não dá pra falar que a situação ficou feia porque, desculpe corintiano, vai ficar feia como? Olha como corre graciosamente em câmera lenta.”

O lugar da bandeirinha

Como se toda a edição não fosse suficientemente apelativa, a câmera foca no bumbum da bandeirinha e desce, percorrendo em close, toda a parte de traz de suas pernas. Consegui passar parte da minha indignação? Pois não acabou. O repórter, ainda não satisfeito, no intervalo entre primeiro e segundo tempo, aborda Nadini com um “Você vem sempre aqui?” Ao ser ignorado, insiste, perguntando:”Você acha que, em algum momento, você pode desconcentrar os jogadores com a beleza assim ou não?” Sendo mais uma vez ignorado, ele diz: “Você é séria assim mesmo?” ao que a moça finalmente responde: “Sim, muito”, desvencilhando-se do abusador.

“Ciúmes”, dirão alguns tão machistas quanto o repórter Léo Bianchi. Do que me defendo dizendo que concordo a respeito do grandioso charme agregado ao jogo por Nadini. A moça é, de fato, muito bonita. No entanto, ela estava lá fazendo o seu trabalho, com muita seriedade. Acho difícil acreditar que tenha gostado de ver suas pernas ganharem um foco maior na reportagem que o espetacular gol marcado por Alex, do Corinthians.

Gosto da proposta de tornar os telejornais menos formais, principalmente os esportivos. No entanto, é preciso cuidado para não confundir informalidade com falta de respeito. São poucas as mulheres que conseguem infiltrar-se com sucesso em um meio como o futebolístico, no qual a predominância masculina é evidente. A presença delas, no entanto, vem aumentando, e é bom que editores de programas responsáveis pela cobertura desse tipo de evento se acostumem com a ideia de ver homens e mulheres como iguais.

A reportagem parece querer mostrar que o lugar da bandeirinha catarinense, Nadini, seria em um concurso de beleza, não no meio de jogadores de futebol. É como se o fato de ser bela pudesse atrapalhar sua capacidade de colocar ordem em um bando de homens. É extremamente inquietante o fato de termos, ainda hoje, de lutar para mostrar que nem toda mulher que diz gostar de futebol faz isso pelos mesmos propósitos da torcedora mais famosa do Paraguai, Larissa Riquelme.

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[Lígia Cristaldi é estudante de Ciências Sociais e Jornalismo, São Paulo, SP]