Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Propina, extorsão, suborno e lavagem de dinheiro

No bom e velho popular, ética tem a ver com vergonha na cara, com decência, com postura anticorrupção. A lógica do resultado, da meta e do sucesso acaba se impondo de tal forma que os procedimentos e a maneira de atingir um objetivo acabam sendo sucateados e colocados como uma questão menor. Quando isso acontece, o indivíduo e a coletividade tendem a se corromper, entrando na armadilha do fantástico enriquecimento ou da enorme vantagem, mediante um esforço mínimo. Essa “tecla de atalho” desafina todo o piano, pois o encurtamento ilegal do empenho revela defeito de caráter grave.

Existe um lema pernicioso do “marketing predatório” e que acabou contaminando todo o conjunto social: “Fazemos qualquer negócio”. Essa lógica significa que qualquer negócio é válido. De alguma maneira, essa filosofia reforça a ênfase no resultado, isto é, a pulsão da vitória a qualquer custo. Porém, como adverte Mario Sergio Cortella em Ética e vergonha na cara! (2014): “Nem todo sucesso é decente, nem toda vitória é honrosa ou, no campo da empresa, nem todo lucro é higiênico. Desse ponto de vista, há coisas que sujam o tipo de sucesso que se obteve.”

O futebol também entrou na roleta russa da ética dos resultados, a considerar a fama do seu famoso bordão: “O importante é a bola na rede”. A maneira como o gol foi feito ganha, infelizmente, tratamento secundário. Com isso, tem-se a ilusão de que tudo pode acontecer dentro das “quatro linhas”. O escândalo de corrupção denominado pela imprensa como Fifagate traz à tona a importante advertência ética de que os fins não justificam os meios. Informa o Correio Braziliense, edição de 28/5/2015, em matéria de capa, que “uma operação liderada pelo FBI abalou ontem o mundo do futebol. Foram presos, na Suíça, o ex-presidente da CBF José Maria Marin e outros seis integrantes do alto escalão da poderosa Federação Internacional de Futebol. […] No total, 14 pessoas, entre dirigentes da organização futebolística e empresários, são acusadas de crimes como fraude, extorsão, lavagem de dinheiro e propinas envolvendo competições como a Copa América, que começa em junho no Chile, Copas do Mundo, acordos de marketing e de transmissão de jogos pela televisão”.

O Correio Braziliense destaca, ainda, que “investigação do FBI, iniciada há três anos, constatou fraude generalizada na Federação Internacional de Futebol (Fifa) nas últimas duas décadas. No período, foram transacionados US$ 150 milhões em pagamento de propina, extorsão, suborno e lavagem de dinheiro”. O ex-presidente da CBF, José Maria Marin, é acusado de receber mais de R$ 60 milhões de suborno, noticia o periódico. Muito oportuna, a opinião expressa pelo jornal brasiliense, no editorial “Corrupção em campo”: “A ética e a honestidade, pilares das competições, devem, igualmente, pautar a conduta das organizações que congregam modalidades esportivas. Em campo não valem falcatruas.”

O empobrecimento artístico do futebol

O jornalismo teve atuação decisiva nas investigações feitas pela polícia americana que se apropriou, dentre outros elementos, das informações apuradas pelo repórter Andrew Jennings. O jornalista britânico, em depoimento dado ao Roda Viva, da TV Cultura, salientou que a corrupção toma conta da Fifa desde a entrada de João Havelange no comando da entidade. O dirigente foi presidente da Fifa durante 24 anos (1974-1998). Mesmo considerando esta “bola dentro” do jornalismo investigativo, o mesmo não se pode dizer da imprensa de entretenimento. Ela, ao dar “bola fora”, se colocou imprudentemente como responsável direta pelos tenebrosos “acordos de marketing e de transmissão de jogos”. Regras contratuais nebulosas costumam tomar conta da sociedade do espetáculo, promovida pelo futebol mercadologicamente adulterado.

Convém lembrar que o futebol, no Brasil, se configura como o principal esporte em matéria de apelo público e, por isso, colabora decisivamente para a indústria esportiva nacional. Segundo o Instituto Brasileiro de Marketing Esportivo, as ações mercadológicas voltadas para o esporte movimentam em média R$ 31 bilhões por ano, o que equivale a 3,3% do Produto Interno Bruto. Considerada a quarta indústria nacional, o setor esportivo registra um crescimento médio de 12,3%, empregando diretamente mais de 300 mil pessoas, segundo o estudo de mercado realizado pela Rede Bahia de Televisão. Os números da indústria esportiva no mundo movimentam em torno de um trilhão de dólares ao ano. Estes dados ajudam a explicar a participação maciça de jogadores como celebridades publicitárias, uma vez que eles simbolizam o exemplo de pessoas bem-sucedidas, como reza o narcisismo social galopante. O nome do atleta de futebol não só o identifica, mas serve, principalmente, como marca pessoal a serviço do marketing esportivo predatório. Neste cenário exibicionista, o gramado e o estúdio têm o mesmo peso de validação se o assunto for promover o “craque da vez” e os seus “quinze minutos de fama”.

O Fifagate demonstra com todas as letras que o futebol se transformou em um birô de negociatas em que cartolas fazem fortunas pessoais. Aponta também para o óbvio ululante acerca do empobrecimento artístico do esporte bretão. A respeito, o escritor Michel Yakini, em Crônicas de um peladeiro (2014), apresenta uma reflexão criativa importante:

“Começa o segundo tempo de mais uma rodada do Campeonato Paulista, o Paulistão Chulévrolet, com o oferecimento de Casas Bacia – Prestação quem paga é você! E a Ponte Pequena toca a bola na intermediária do Guaraná. Penteado, o craque Tintas Semvergonha da última rodada avança, ajeita pra Canhotinha, bateu… De-fen-deu Moicano, que defesa espetacular, Repórter Sem-Sal: Grande defesa, Narrador-Dinossauro, salvando a equipe do Guaraná, essa defesa merece uma Fahma – a gelada do futebol”.

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Marcos Fabrício Lopes da Silva é professor da Faculdade JK, jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários