Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Público feminino no jornalismo econômico

‘Economia e mulher são duas palavras que aparentemente não combinam.’ Embora seja ultrapassada, essa é a ideia adotada por alguns que insistem em afirmar que o público feminino não permanece com uma nota de 100 reais por muito tempo no bolso, principalmente se estiver passando em frente a uma loja de sapatos. A crença na falta de entrosamento entre a mulher e a economia vai muito além do ‘não poupar dinheiro’. Há quem acredite que a atuação profissional na área econômica pertence somente aos homens. Mas, deixando de lado as crenças populares, a realidade é a de que no jornalismo econômico ainda há abertura para o público feminino e o número de mulheres no setor oscila. Porém, enquanto essa área abre espaço, o mercado de trabalho dos economistas dificulta o crescimento de suas profissionais e mostra vestígios da sociedade machista do século passado.

A dificuldade para alcançar posição privilegiada na área econômica é global. A divulgação dos vencedores do Prêmio Nobel em outubro do ano passado exemplifica essa questão. Pela primeira vez uma mulher recebeu a recompensa, desde o estabelecimento do Prêmio de Economia em 1969. A americana Elinor Ostrom, PhD em Ciência Política pela Universidade da Califórnia, foi reconhecida por suas pesquisas sobre grupos de pessoas que se organizam por conta própria para explorar recursos naturais sem danificar o ambiente.

‘Exceção à regra’

Por ser a primeira mulher a receber tal homenagem, a mídia brasileira deu ênfase à conquista de Elinor [ver Exame, O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo]. No Portal Exame, por exemplo, o trabalho da norte-americana foi apresentado como desafiador à tradicional teoria da ‘tragédia dos comuns’, que aponta o empresariado como principal responsável pela destruição do meio ambiente [o apontamento mostra que o empresariado toma decisões geradoras de impacto nos bens públicos sem pensar nas consequências além dos custos e lucros]. O jornal O Estado de S. Paulo também valorizou a conquista. Apesar do prêmio de 1,4 milhão de dólares ter sido dividido entre Elinor e o renomado PhD em Economia Oliver Williamson, professor da Universidade da Califórnia, a reportagem focou apenas a premiação da professora: ‘Nobel de economia sai para a 1ª mulher’.

A ênfase dada pela mídia à conquista feminina sugere a ideia de que mulher em posição de destaque nessa área é ‘exceção à regra’. O número de mulheres no Conselho Federal de Economia (Cofecon), por exemplo, aponta para essa hipótese, justificando a abordagem utilizada na divulgação do Prêmio Nobel.

Vida profissional e a militância feminista

Em 2009, 18 conselheiros efetivos [de acordo com Manoel Castanho, jornalista da Cofecon, em condições normais o Conselho atua com 29 conselheiros efetivos e 29 suplentes. Porém, devido a uma complicação judicial, a instituição operava com 18 conselheiros efetivos e 16 suplentes no segundo semestre de 2009] trabalhavam no Cofecon fiscalizando o exercício profissional dos economistas brasileiros. Desses conselheiros, a economista Dirlene Marques era a única representante das 98 milhões de mulheres do país [ver aqui]. Cada estado também possui um Conselho Regional de Economia (Corecon) nos quais a proporção feminina era semelhante: entre as 27 instituições, apenas as do Ceará, Maranhão e Goiás eram administradas por mulheres em 2009 [ver aqui a lista administrativa dos 27 Corecons do Brasil em].

Para Dirlene, essa realidade na área econômica se deve à lógica tradicional da sociedade brasileira, que atribui aos homens a responsabilidade de sustentar a família e dá às mulheres o compromisso com as tarefas domésticas. Para, então, poder crescer nesse campo, Dirlene rejeitou a lógica tradicional. ‘[Durante] minha vida inteira estive mais envolvida no espaço público do que no espaço privado. Tive como objeto de estudos a situação da mulher e a economia brasileira. Por isso, minha vida profissional e a militância feminista se misturavam. Assim, acabei entrando nos espaços mais dominados pelos homens’, conta.

Declaração utópica?

Apesar da existência dessa imagem tradicional, a presidente do Corecon maranhense, Dilma Sousa, acredita que a própria mulher, muitas vezes, aceita a situação imposta. ‘A acomodação dela em relação à História a tornou mais `submissa´ e fez com que se tornasse pouco reivindicadora e batalhadora’, afirma.

A jornalista Cristina Rios, repórter de Economia do jornal Gazeta do Povo, tem uma visão mais otimista. Para ela, a mulher sempre buscou espaço no mercado de trabalho e, apesar de ter demorado a ingressar em todas as áreas profissionais, não apenas no setor econômico, ‘há carreiras que possuem muito mais mulheres que homens’.

Mas, a despeito de todas as conquistas feministas, a mulher também passa por situações desconfortáveis nos setores predominantemente masculinos. ‘O tempo todo sofremos discriminação através de piadas machistas. Quando cobramos alguma resposta, somos taxadas de apressadas. Se brigamos pelos espaços, somos histéricas. Se disputamos, somos agressivas ou autoritárias. Portanto, o que é visto no homem como um mérito, na mulher é motivo de sua desvalorização’, desabafa Dirlene.

Levando tudo isso em consideração, será que é utópica a declaração de Elinor Ostrom, publicada na Folha Online, de que ela não será a última mulher a receber o Prêmio Nobel de Economia [ver aqui]?

‘Questão de afinidade’

Enquanto ‘fica no ar’ essa pergunta para os economistas, o jornalismo econômico mostra uma situação um pouco diferente. No jornal Valor Econômico, por exemplo, 58% dos 120 jornalistas que trabalham lá são mulheres [de acordo com o setor de Recursos Humanos do Valor Econômico, o jornal possui 120 jornalistas. Desses, 70 são mulheres]. Parece um conto de fadas se comparado ao mercado de trabalho econômico, mas essa proporção não é absoluta. Em veículos impressos não-especializados, como o paranaense Gazeta do Povo, a editoria de Economia conta com 11 profissionais. Desses, a editora-executiva e duas repórteres representam a classe feminina.

Os números são oscilantes, mas a repórter Adriana Aguiar, da editoria ‘Legislação e Tributos’, do Valor, acredita que o setor econômico abre tanto espaço para a mulher, quanto para o homem. O diferencial para o ingresso na área, de acordo com ela, é o empenho do profissional para ser bom no que faz, pois Economia é difícil e precisa de pessoas interessadas. Cristina Rios, da Gazeta, também vê o interesse como fator determinante para o ingresso no setor econômico. ‘Já existiu a ideia de que o homem gosta mais de números, mas hoje os dois [homens e mulheres] trabalham com isso. É uma questão de afinidade de cada pessoa’, completa.

‘Já avançamos muito’

Essa antiga crença de que homens são mais aptos à área de exatas está realmente ‘fora de moda’. De acordo com o neurocirurgião Francisco Guerra, homens e mulheres têm a mesma capacidade neurológica e podem obter os mesmos resultados em qualquer setor, inclusive no econômico. ‘O homem não tem mais cognição que a mulher. Essa ideia foi criada por preconceito’, afirma.

Para ele, essa é uma questão de aptidão. ‘Se a mulher escolhe ciências exatas é porque ela tem vocação e vai produzir o mesmo que qualquer homem ou, talvez, até mais. Basta ter oportunidade para isso’, enfatiza.

É verdade que elas gastam ‘um pouquinho’ de dinheiro para se manterem atraentes, mas, além disso, o que as mulheres querem mesmo é gastar a competência que possuem para auxiliar no desenvolvimento econômico do país. ‘[Nós mulheres] estamos batalhando por espaço e já avançamos muito’, assegura a presidente do Corecon maranhense, Dilma Sousa.

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Estudante de Jornalismo, Araucária, PR