Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Quando traduzir é perigoso

Em matéria intitulada ‘Cenas exclusivas do Manifesto de Vivienne Westwood’, o Estadãoãoão online convida os leitores a assistir cenas do manifesto contra a propaganda feito pela estilista Vivienne Westwood, homenageada recentemente no SPFW.

Em nenhum momento o jornal comenta quais os principais pontos do manifesto, nem sequer dando uma canjinha para os seus leitores quanto ao conteúdo subjetivo do evento. Ao contrário, exibe apenas o vídeo em língua inglesa. Faltou apenas uma informação do jornal, abaixo da telinha, onde deveria estar escrito ‘quem não sabe inglês, que se dane’.

Num país onde a maioria da população não sabe nem o significado das palavras na língua pátria, veicular um vídeo ou uma notícia dessa forma é quase um insulto à população.

Seria bem melhor, talvez muito mais correto, o jornal garantir o acesso à informação, comentar a notícia ou traduzir seus pontos principais para os nossos conterrâneos que não tiveram a chance nem os recursos de aprender o idioma dito universal.

Marqueteiro pobre?

Se a moda pega, daqui a bem pouco tempo teremos em nossos jornais eletrônicos matérias que remeterão os leitores a informações em russo, persa e talvez até em grego e aramaico arcaico. Fica mais fácil, mais barato e muito mais chique, não é mesmo? Isso pode acontecer porque quem tem que se virar para entender uma notícia em outra língua é o leitor. Se não entender, que se dane!

Mas, sinceramente, eu acho que o jornal não optou por essa forma de ‘divulgação de informação’ apenas por avareza. Creio que o que está por detrás disso é muito mais sério e talvez, aos olhos dos editores, muito mais ‘vantajoso’.

Discutir a propaganda no Brasil virou tabu. Ninguém pode discutir se os profissionais e as agências de magia da comunicação estão do lado branco ou do lado negro. As técnicas de empurrar produtos e idéias goela abaixo dos brasileiros não estão em discussão. Isso, além de antiético, faz parte de um movimentozinho sem importância de empresários, produtores e mídia que visa a deixar nossa população bem distante de conhecer os verdadeiros efeitos da propaganda e como ela pode ser usada para construir impérios financeiros e políticos. Não é à toa que marqueteiros recebem muito bem pelos serviços prestados. Eu não conheço nenhum que esteja pobre, mas conheço muitos que ficaram milionários.

Que se dane!

Se alguém aqui tem alguma dúvida sobre isso, por favor tente listar três programas ou documentários a que tenha assistido sobre o assunto nos últimos 30 anos na TV aberta. Quem conseguir ganha uma viagem com tudo pago à Lua. Quem conhecer um marqueteiro pobre, ganha uma viajem a Plutão.

Então, é assim. Quando aparece uma oportunidade de discussão sobre assunto tão importante, dentro de um evento muito famoso e de muita abrangência, informa-se o cidadão, mas em outra língua, é claro.

Quem está reclamando e quiser saber mais sobre o assunto, basta acessar o link da ativista.

Mas não se espante, porque estará tudo em inglês, pois traduzir pode ser muito perigoso.

Quem acessar e não entender, que se dane!

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Lighting designer, Campinas, SP