Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Reaceso o “barato” da descriminalização

Nas próximas semanas, as polêmicas Marchas da Maconha deverão tomar as ruas das maiores cidades brasileiras – alguns estados já tiveram as suas enquanto escrevo este texto. A mídia tem acompanhado as manifestações. Os que delas participam defendem, no mínimo, um debate sobre o descriminalização da droga. No limite, defendem a descriminalização em si. A tese ganhou adeptos bastante influentes. O deputado federal Paulo Teixeira (SP), líder do PT na Câmara, não só defende a descriminalização do uso como propõe a criação de cooperativas de usuários. O nome do ex-presidente americano Bill Clinton e do ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso são frequentemente citados como apoiadores da descriminalização da maconha. Carlos Minc, ex-ministro do Meio Ambiente no governo Lula e agora deputado estadual pelo Rio de Janeiro, chegou a ser filmado durante um show defendendo a legalização da droga e afirmando que os “argentinos estariam a nossa frente”.

O que une personalidades tão díspares como Paulo Teixeira, Bill Clinton, FHC e Minc? A tese de que a atual estratégia de enfrentamento do tráfico não está dando resultado e seria melhor adotar outra postura. Para embasar seus argumentos, dizem, basta que se constate a atual situação do tráfico no Brasil: aumenta a olhos vistos e a criminalização do usuário não ajuda no enfrentamento. É um pensamento torto, pois parte de uma premissa errada e chega, evidentemente, a uma resolução errada. Há uma série de coisas no Brasil que o poder público não consegue combater. O número de homicídios, que só cresce, configura uma verdadeira guerra civil nas cidades brasileiras. É evidência de incompetência pública. Será que devemos legalizar o ato de matar?

A ideia do traficante

É uma bobagem descriminalizar o uso da maconha acreditando que a medida concorreria para desarticular o tráfico. Em primeiro lugar, todos concordam que, uma vez legalizado o uso, teria de haver legislação que restringisse o acesso dos adolescentes à droga – como hoje acontece com o álcool e com o cigarro. A maconha, em doses controladas, passaria a ser vendida em bares, farmácias e supermercados. Não é difícil perceber que, assim como acontece hoje com o tabaco e as bebidas alcoólicas, qualquer jovem obteria maconha com certa facilidade. Bastaria, para isso, que aquele tio maior de idade comprasse a droga e repassasse ao sobrinho, ou que aquele dono de bar não cumpridor da lei vendesse ao jovem.

“Ah, mas instituir a lei é uma coisa. Se dono não cumprir, é outro papo.” Mentira, bobagem. Tal qual acontece hoje com as drogas lícitas, a fiscalização seria frouxa. Defender a descriminalização da droga sem arrolar as consequências práticas é apostar numa ideia utópica que, ao fim e ao cabo, não se estabeleceria na atual sociedade brasileira.

As consequências são essas: o tráfico não fica enfraquecido com a descriminalização. Pelo contrário: fica mais difícil combatê-lo porque a medida torna o tráfico mais difuso. O traficante deixa de ser uma figura facilmente definida na legislação para ser um tio desavisado, um dono de bar longe de fiscalização e assim por diante. Isto é falácia. O atual traficante vive na ilegalidade. Quando um parente ou dono de um estabelecimento vende maconha para um menor também está na ilegalidade. Os dois são traficantes. O que os defensores da legalização da droga querem, talvez sem perceber, é tornar mais amena a ideia do traficante – é tingi-lo com tons mais amigáveis. O tráfico em si, caracterizado pela venda da droga a quem a lei não permite, continuaria a acontecer.

Direito sobre o próprio corpo

Há uma outra consequência, esta sim, grave: haverá o risco dos traficantes, querendo reaver o lucro perdido, agirem mais intensamente no aliciamento de adolescentes. Assim, um aluno com 18 anos recém-completos poderia levar a droga para dentro da escola – sempre com a quantidade que configura “usuário”, claro. Dadas as condições das escolas brasileiras, nas quais muitos professores veem-se acossados pelos alunos, o aluno com a droga não seria sequer molestado.

Há, ainda, os que dizem: “Mas se eu quiser usar a droga dentro da minha casa, com meu dinheiro e aguentando as consequências em meu corpo, é um problema meu, não?~Bem, mais ou menos. Se o dinheiro que você paga num baseado alimenta uma rede criminosa internacional que coloca armas na mão de crianças, então o problema é do Estado. Os que querem reivindicar o direito sobre o próprio corpo e assim justificar o uso da maconha terão de abrir mão do direito à saúde pública. Ou bem emprega-se verba pública no combate às drogas e suprime-se o direito individual ou bem liberta-se o usuário e o impede de bater às portas do Estado quando estiver viciado.

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Jornalista, Curitiba, PR