Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Receita de uma notícia requentada

A revista CartaCapital desta semana (nº 355, de 17/8/2005) afirma – e prova – que publicou em outubro de 2002 as informações agora apresentadas pela Época como ‘confissão’ do ex-deputado Valdemar Costa Neto, que renunciou ao mandato no rastro das denúncias do mensalão.

Há anos o jornalista Mino Carta, editor da CartaCapital, reclama do ‘estrondoso silêncio’ que sempre cerca os furos jornalísticos de sua revista. No texto ‘Os donos dos fatos‘, reproduzido neste Observatório (edição nº 99, de 9/6/1999), ele já radiografava os detalhes da prática recorrente da imprensa de ignorar solenemente informações inéditas da revista, que na época ainda era quinzenal. Escreveu Mino:

‘Um estranho vezo, hábito arraigado, pendor irresistível, perpassa as redações, habitadas em larga maioria por profissionais envolvidos até os olhos nas brigas da concorrência e devotados mais às causas e aos negócios dos patrões do que aos interesses dos leitores. Da opinião pública. Da sociedade em geral. Da nação.’

E adiante:

‘Análise sem esforço e paixão do jornalismo nativo, desde o fim do regime militar até os dias de hoje, exibe uma inovação extraordinária: cada jornal, revista, emissora de televisão ou rádio assume os seus próprios acontecimentos e personagens e os torna patrimônio exclusivo, subentendendo que também o leitor, ouvinte ou telespectador está amarrado a este pacote privativo.’

No texto desta semana da CartaCapital, um detalhe chama a atenção: a assessora de imprensa do ex-deputado comprou na sexta-feira (5/8) dois exemplares da tal edição – nº 213, de 30/10/2002. O texto dá link para cópia do recibo de compra. A revista pergunta se o deputado não terá querido reavivar a memória para a entrevista à Época. Ao leitor cabe perguntar: e a Época? Sabia da matéria?

A seguir, o texto da CartaCapital desta semana.

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A típica fraude exemplar

Época apresenta como ‘confissão’ informações da CartaCapital de 2002

[Copyright CartaCapital nº 355, de 17/8/2005]

Quase três anos atrás, muito antes de a revista Época publicar a ‘revelação’ do ex-deputado federal Valdemar Costa Neto como notícia exclusiva, CartaCapital mostrava os mesmos bastidores do acordo entre o PT e o PL. Na edição 213, de 30 de outubro de 2002, reportagem de capa de Bob Fernandes contava as andanças da campanha do então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva.

O texto relata que na noite de 19 de junho de 2002, véspera do prazo final para o registro das candidaturas no TSE, reuniram-se no apartamento do deputado Paulo Rocha (PT-PA), em Brasília, Lula, José Dirceu, José Alencar, Gilberto Carvalho, o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e o presidente do PL, Costa Neto. Este último argumentava que, sem as fontes tradicionais de arrecadação de recursos, o partido não teria condições de bancar as campanhas dos candidatos nos estados. Era a senha para negociar com o PT uma contrapartida para o apoio a Lula.

Segundo a reportagem de CartaCapital, os números da negociação giravam em torno de R$ 10 milhões. Em momento algum – tanto em CartaCapital quanto em Época – se diz que naquela ocasião Lula sabia que a fonte de recursos para cooptar o PL seria ilegal.

Diante da dificuldade em fechar o acordo com o PL, Lula se irrita e pede a José Alencar: ‘Essa é uma conversa entre partidos, se eles pedirem pra você, não dê nada’.

Entre muitos telefonemas, a costura do acordo passou por Belo Horizonte, com Patrus Ananias, que chegou a ser cogitado como possível vice de Lula caso o apoio do PL não vingasse. Ananias reagiu com espanto, quase com reprovação: ‘Cês tão doido’.

No meio do pedido de ajuda a Ananias, a proposta voltou a ser discutida em Brasília por Dirceu e Delúbio. As chances de o acordo ser fechado pareciam ser cada vez menores quando Costa Neto chamou Dirceu ao quarto onde se dava a negociação (lá aguardava Delúbio) e, acompanhado de José Alencar, teve a confirmação de que PT e PL estariam juntos nas eleições. ‘Tudo bem, toparam’, disse Dirceu. ‘Fechou’, confirmou Delúbio.

Os mesmos diálogos foram relatados por Costa Neto à revista Época. Não há coincidências nesta história. Márcia Dias, assessora de imprensa do Diretório Regional do Partido Liberal de São Paulo, esteve na sexta-feira 5 na sede da Editora Confiança, que publica CartaCapital. O motivo da visita foi a aquisição de dois exemplares da edição 213 da revista (Clique aqui para visualizar o recibo que comprova a compra). Com problemas de memória, teria Costa Neto recorrido a CartaCapital para melhor contar a história a Época? É o que parece.

Maria Christina Mendes Caldeira, ex-mulher de Costa Neto, analisa a coincidência entre o conteúdo da reportagem de CartaCapital de 2002 e de Época desta semana: ‘Ele adora requentar notícia’. Maria Christina está em pé-de-guerra com o ex-marido e aproveita para falar da relação do presidente do PL, que recentemente renunciou ao mandato de deputado federal diante da ameaça de cassação. ‘Se o Lula pudesse, faria como eu e também se divorciaria do Valdemar’, diz. Procurado na sexta-feira 12, o ex-deputado não respondeu aos recados deixados por CartaCapital.

A íntegra da matéria da CartaCapital 213, de 30 de outubro de 2002.

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Quando a coincidência não existe

CartaCapital, 30 de outubro de 2002

** Apartamento do deputado Paulo Rocha (PT-PA).

Lá estão Lula, José Dirceu, José Alencar, Gilberto Carvalho e o presidente do PL, deputado Valdemar Costa Neto. Na conversa, uma presença significativa: Delúbio Soares, tesoureiro nacional do PT. Motivo: para fazer a aliança com o PT, o PL quer uma ajuda.

** Os números giram em torno dos R$ 10 milhões

O acordo emperra. Lula se irrita, pede a José Alencar:- Essa é uma conversa entre partidos, se eles pedirem pra você, não dê nada.

** O acordo, parecia, não seria fechado.

José Dirceu chegou a deixar o quarto onde se dava a reunião para comentar:

– Acabou, não tem jeito.

** Lula: Olha, Patrus, estamos em Brasília e a coisa com o PL hoje ou vai ou racha. Você se prepare porque, se não der certo, seu nome vai ser anunciado como vice hoje mesmo.

** José Dirceu e Delúbio voltaram com a notícia que, sabe-se hoje, mudaria os rumos da sucessão presidencial:

– Tudo bem, toparam – informou Dirceu.

– Fechou – desabafou Delúbio.

Época, 15 de agosto de 2005

** Valdemar – Tudo começou nas negociações para fechar o apoio a Lula em 2002, com José Alencar, do PL, como vice.

** Valdemar – Foi uma discussão muito grande. No dia 18 de junho de 2002, tive uma reunião com o Dirceu. Ele disse que não tinha jeito de fazer o aporte de dinheiro.

** A reunião foi no apartamento do deputado Paulo Rocha (PT). Estavam lá o Lula, o José Alencar, o Dirceu e o Delúbio. O Lula chegou para mim e disse: ‘Quer dizer então que você é o nosso problema?’. ‘Não posso matar o nosso pessoal’, respondi.

** Valdemar – Depois o Lula até falou para o Zé Alencar: ‘Vamos sair porque esta conversa é entre partidos, não entre candidatos’. Daí o Delúbio chegou perto de mim e disse: ‘Vamos conversar’.

** Valdemar – O Lula mandou ligar para o (hoje ministro) Patrus Ananias e avisou que, se a conversa não desse certo, ele seria o candidato a vice na chapa. Uma hora, o Dirceu chegou a dizer ‘acabou’. O Zé Alencar veio junto. Falei: ‘Vamos acertar por R$ 10 milhões’. Voltamos para a sala e avisamos: ‘Está fechado’.