Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Refém do atendimento virtual

A moda agora é a atendente virtual. Você liga para uma empresa ou banco e lá vem ela; uma voz maquinalmente solícita que indica números e números à nossa escolha. Ficamos ali esperando um enquadramento naquelas alternativas, o que nem sempre é possível. Ela, que rouba o emprego de tantas outras, não se furta a um toque de humanidade e costuma nos dizer que não está entendendo. Pede-nos, então, frases curtas, objetivas. Vamos à luta, tentamos de novo e, muitas vezes, exausta de não entender, ela acaba encerrando o papo. Mas, se tivermos um pouco de sorte, nossa indagação será encaminhada à atendente de carne e osso e voz ao vivo… Ufa!

Grande é nossa surpresa, contudo, quando vemos que a atendente real tomou aulas com a atendente virtual e parece ter um rol de respostas prontas. Pronto! Ficamos a ver navios…

Dizem que as conversas são gravadas. É possível que assim as empresas pretendam coibir clientes mais raivosos de extravasarem sua fúria apelando para o chulo do vernáculo. Já que há gravações, seria muito bom que os consultores das empresas analisassem essas conversas e pesquisassem o grau de satisfação dos usuários com o atendimento recebido. É mais do que óbvio que uma conversa telefônica requer certo nível de objetividade, exigindo de quem depende do serviço até mesmo uma preparação para esse evento, fazendo uma espécie de rascunho mental ou escrito. Cabe aqui praticar, até mesmo na escola… Por outro lado, entretanto, o que se espera da atendente real é uma conversa real, com pausas, reticências, indagações, cooperação e mesmo a humildade de dizer que não sabe ou que se cometeu um equívoco.

A língua do bom diálogo, viva, coloquial

Sinal dos tempos, esses atendimentos telefônicos precisam, sim, ser reavaliados pelos empreendedores com o objetivo de torná-los mais humanos e eficientes. Há pessoas, até mesmo cultas, que, em situações amenas, abominam conversar com secretárias eletrônicas, indiscutivelmente um apetrecho de inegável utilidade. Como se sentem, então, falando com máquinas em momentos de dúvidas e insegurança?

O ideal mesmo, ainda que na contramão da busca dos lucros, seria a redução drástica desses atendimentos mecânicos em prol de atendentes reais que falem a língua do bom diálogo, viva, coloquial, sem requintes de formalidade.

******

Professor de Língua Portuguesa no Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais