Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Reflexões do último domingo em férias

Antigamente, raros eram os jornalistas que assinavam suas reportagens. Tal decisão costumava partir dos editores, após avaliar a relevância do tema e a competência com que era desenvolvido. Em geral, não havia oposição dos repórteres, pois eles consideravam que, para o leitor, mais importante do que o redator era o fato. Com o tempo, os repórteres passaram a ter liberdade para assinar seus textos. Foi bom, até, para os jornais: a assinatura indicava o responsável pela matéria. E, para os jornalistas responsáveis de fato, não haveria, afinal, razão para não assumir o que se fez. No caso dos melhores profissionais, a autoria do texto representava uma grife: “Se Fulano redigiu, é confiável.”

Mesmo com o chamariz da assinatura, no caso dos repórteres mais reverenciados, ainda assim a notícia era fundamental. Agora, não: o desejo de aparecer, de ter audiência, de ser reconhecido não só no ambiente de trabalho e em seu campo profissional, transformou parte dos jornalistas em aspirantes a celebridades no mundo efêmero da sociedade midiática.

Dia destes, a jornalista Ana Paula Padrão (ex-Globo, hoje Record) deu entrevista à rádio Jovem Pan. Fez uma ressalva sobre os estudantes de Comunicação de sua época, os anos 1980, entre os quais, segundo ela, havia um certo “romantismo” quanto à missão de informar, a “estar lá para escrever a História”. Hoje, diz, o que se quer é “trabalhar em televisão”, na ânsia de alcançar fama.

Era do Ácaro

A falsa equiparação entre artistas e jornalistas tem derrubado o conceito que a profissão tem entre os próprios comunicadores (de jornal, rádio, televisão, revista, internet, assessoria). A busca pela satisfação do ego leva ao risco da distorção dos fatos em favor de um suposto benefício a quem chega ao local do ocorrido e, antes de avaliar o que houve, ser superficial – para ser o primeiro.

Está cada vez mais difícil conseguir furos de reportagem, dadas a diversidade e a instantaneidade de veículos de comunicação. Isso levou a um relativo comodismo dos repórteres que, espremidos pela escassez de espaço ou de tempo, limitam-se a apurar (?) o básico para preencher o espaço e o tempo e abandonam o aprofundamento e a continuidade dos assuntos que acompanham (?).

Outro elemento que estraga a prática do jornalismo é o crescente despreparo intelectual dos profissionais, sobretudo dos que chegam. Isso é flagrante. Temos o conhecimento universal a dois cliques de distância; antes, estava em pesadas e amareladas enciclopédias. Mas, na Era do Ácaro, não havia copiar-colar. E copiar exigia um mínimo de leitura, nem que fosse para não errar a cópia. Verdade: quem copiava errado era tachado de burro. Agora, vejo propaganda de internet na TV e ouço um garoto-propaganda dizendo assim: “Olha esse 8,5 no trabalho de escola. Valeu, Speedy!” Quer dizer: o moleque tem toda a sabedoria mundial na tela e não é suficientemente competente nem esforçado para fazer a lição por completo. E fica em êxtase com isso.

Os bons

Daí por que o norueguês assassino foi retratado, inicialmente, como um terrorista ligado a organizações tidas como muçulmanas. Nada disso: era um extremista de direita, radical, de ideias nazistas, para quem a miscigenação brasileira é uma anomalia. Desinformação alimenta preconceitos e, nesse ponto, um jornalista desinformado se equipara a um matador em série.

Os avanços tecnológicos na tarefa de informar têm sido úteis para expor as deficiências do jornalismo atual. Mas não há internet que resolva a ausência de esforço pessoal para ser bom, correto, preciso, ético, diferenciado. Enquanto “vencer na vida” for sinônimo de pôr o rosto na tela para os outros verem, nós, jornalistas, estaremos derrotados.

Não posso me esquecer de uma coisa: as faculdades, mesmo as tradicionais, contribuem com isso. O blog do curso de Jornalismo da faculdade onde estudei tem uma “Galeria de ex-alunos (…), nosso maior orgulho”. A esmagadora maioria está na TV; uma participou do BBB, algo nada jornalístico. Dessa relação, os que conheço são bons. Mas só os que trabalham na televisão?

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[Rafael Motta é jornalista, subeditor do jornal A Tribuna, Santos, SP e editor do blog Reexame]