Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Se não é inteligência, o que é então?

Semana passada escrevi neste Observatório o artigo ‘Sou, mas quem não é?‘. Agora vamos esclarecer o que na verdade Luciano Martins Costa aprecia na piauí.

‘O Estado de S.Paulo teve seus bons momentos, com uma editoria de Internacional que nada ficava devendo aos melhores jornais do mundo, e um verdadeiro suplemento de Cultura do qual os leitores que são jovens há mais tempo ainda sentem saudade. A Folha de S.Paulo já teve uma verdadeira seleção brasileira de repórteres e publicou fotografias memoráveis. O Jornal do Brasil, de saudosa memória, foi um marco durante quase trinta anos. O Globo, embora tenha patinado durante muito tempo num estilo popularesco e excessivamente carioca, também teve seus bons momentos, e de vez em quando ainda surpreende seus leitores com suas séries de reportagem. Seu maior pecado é confundir entretenimento com cultura.’

O que o jornalista deseja é que a mídia seja mais erudita e não inteligente. Afinal, quem não é? Mas como a erudição da mesma depende do seu comprador, do leitor, ela não é um produto que se venda per se. Como qualquer produto, ele depende da necessidade que este sinta em adquiri-lo e da vontade do freguês! Mas para isto ela precisa ter sido criada antes através da educação. A erudição, a apuração do gosto musical, o entendimento de arte, o entendimento da ciência depende, como tudo, de uma educação para isto! Olhemos uma livraria e o que é colocado à venda nas vitrines pelo que o público procura, e veremos esta realidade. A leitura não garante o entendimento, mas sem ela, nem mesmo chance de ocorrer existirá. E a mídia é o complemento e a continuação de uma formação, informação que depende de uma fase anterior, aquela que o Estado proporciona através das suas diretrizes de base da educação e da colocação em prática nas suas escolas públicas do vários níveis! Luiz Weis lembra de algumas dificuldades do leitor em ‘O direito de saber e a resistência a saber‘, postado em 9/3/2008. E isto já ocorre na escola pela desconfiança, desencanto e desprezo pelo que é dado de graça, sem élan ou dedicação! A ida da escola por obrigação sem entendimento das vantagens que a educação dará enquanto outros, como a cigarra da fábula brinca lá fora. Não é impossível fazer melhor. Outros países fazem.

A escola privada, além de poder colocar melhores professores, que se atualizam para manter o emprego, precisam de se relacionar com os alunos e são atraídos pela melhor remuneração, ainda podem complementar com diversas atividades o ensino obrigatório. Já alunos das escolas públicas padecem de todas as mazelas do serviço público, que se torna um fim em si mesmo, apenas com a vantagem de que é de acesso gratuito para a enorme parcela da população que não pode pagar por serviços e produtos de melhor qualidade e que possa influenciar o mesmo pela livre procura, estimulando a concorrência!

O resultado final é o reconhecimento do próprio governo que o seu produto, o aluno formado, é tão ruim que não pode concorrer com o aluno egresso da escola privada! Os dois partindo da mesma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional! A solução encontrada foi a criação das cotas para que passem na frente dos alunos melhores da escola privada, com melhor formação e com melhor desempenho dentro das regras de acesso do vestibular! O que era de se esperar, já é visto nos tribunais com o enorme número de descontentes entrando na justiça por ter sido desqualificado apenas do melhor desempenho. Aqui no sul, até negros da escola privada não foram aceitos no regime de cotas, porque não eram egressos da escola pública, por terem investido na melhor escola para contar com melhores chances na vida! Ser apenas negro nesta hora, por aqui, não basta. O que era de se esperar, que entre os mais desfavorecidos, os mais qualificados por diversos motivos seriam beneficiados sempre! O que a escola deveria fazer, como fez no passado, melhorar as chances das pessoas, não mais se realiza na mesma proporção hoje em dia! Há limitação da mídia em conseguir despertar nas pessoas o que não foi feito na infância e na adolescência na época oportuna!

A minha mãe, nascida e criada numa cidade pequena do interior, estudou apenas até a quarta série, pois o resto só poderia ser feito em outra cidade maior e, naquela época, as mulheres eram educadas apenas para o lar. Mas ela sempre comparava o que aprendera com o ensino que era dado nos tempos atuais, sempre mostrando que tinha tido um avanço muito maior do que hoje. Comparava com o ginásio que decaíra tanto que as pessoas nesta fase do estudo sabiam tanto quanto ela no passado! O que foi resultado das diversas reformas do ensino através dos anos que foi tirando quase todo o conteúdo, neste afã de que todos fossem aprovados, independente do terem aprendido o conteúdo ou, o necessário e suficiente!

Critica que fiz no OI em relação às cotas como arremedo de solução pela má qualidade dos serviços públicos prestados, no caso, na área educacional! A ilusão das cotas deixará de fora 99% das pessoas egressas da escola pública no mercado de trabalho não universitário, igualmente sem condições de competitividade frente às escolas que melhor ensino proporciona aos seus alunos! O que no passado era um esforça para conseguir colocar um filho em colégios públicos de excelência, hoje não existe mais! A modernidade nos atingiu de cheio, e o resultado não entendido, como Luciano Martins Costa critica no nível cultural da imprensa, parece que é a causa, quando na verdade, é a conseqüência de um longo processo sofrido pelo ensino público do país deixado ao sabor do populismo e da politicagem! Dela sofrem os leitores e, é claro, os próprios jornalistas formados neste sistema! E claro, aquilo que não é reconhecido o valor, não é adquirido ou nem mesmo exigido pelo consumidor, no caso, o leitor deste tipo de caderno nos jornais, ou nas revistas nas bancas! E convenhamos, a revista piauí é para um pequeno público educacionalmente diferenciado!

Como o gosto e o entendimento por um bom vinho, a boa mesa e a etiqueta é adquirido cedo, assim também é a época para despertar o gosto pela cultura e pela erudição! O fato destas coisas não darem um valor maior as pessoas como seres humanos, em relação a quem não possui, ajuda, no entanto, a conquistar uma compreensão maior e uma penetração mais eficiente na sociedade e no mercado de trabalho. Somo todos iguais perante ‘Deus’ e a Constituição, mas nos diferenciarmos em uma bagagem cultural sempre nos dá uma satisfação e uma distinção! ‘A sólida base de nossa visão do mundo e também o grau de sua profundidade são formados na infância. Essa visão é depois elaborada e aperfeiçoada, mas, na essência, não se altera.’ (Schopenhauer)

Como as nossas revistas de divulgação científica, apenas duas apresentam uma qualidade de excelência, as revistas dedicadas à cultura também são escassas e de venda limitada pela qualidade de que o seu leitor deveria já ter sido despertado numa educação mais elaborada!

A filosofia do ‘coitadismo’ que permeia a sociedade, de que as pessoas já nascem com os méritos sem precisar conquistá-los, levou a esta política de que era uma tortura as crianças serem obrigadas a aprender na infância e serem cobradas por isto. Passaram-se as mesmas que as pessoas apenas possuem direitos, mas carecem de esforço para conquistar as coisas. Entre as básicas, uma educação melhor e mais qualificada!

Já revistas de esoterismo, ou matérias deste tipo, que alimentam o pensamento mágico, como colunas de previsões astrológicas, vendem bem e tem um público certo. Afinal, para quem não entende o mecanismo como se dão às coisas, com se adquire a felicidade, como se compram bens e se conquista o espaço elevado numa sociedade, a crença de que seja coisas mágica e acessível com mandingas e sortilégios tende a prosperar. Uma promessa falsa, mas mágica, é comprado pelo freguês. Não exige o esforço que o método do conhecimento exige. Não exige horas de leituras que uma revista ou caderno de cultura necessita como pré-requisitos para compreendê-la. O que para pessoas que viveram em outros tempos, testemunhamos que estas coisas eram muito mais raras! Confiar em cristais ou em orações para passar nas provas era para poucos! Hoje encontramos em todos os lugares tendas de tarólogos, astrólogos, videntes e cartomantes revividos pela qualidade sofrível do ensino, e a chegada da Nova Era em que a educação passou a ser considerada uma coisa chata e dispensável!

Parece-me que é lógico que a mídia tenha se adaptado ao que é valorizado pelo leitor, pois os que não o fizerem, não sobreviverão! A questão a ser enfrentada está no ensino do país, que está na contramão da cultura e da qualificação do conhecimento. Politicamente se optou em exigir menos, e ensinar menos em nome da mediocracia! Cada vez nos contentamos com menos! E na mídia não poderia ocorrer diferente!

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Médico, Porto Alegre, RS