Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sexo, sexualidade e fidelidade

‘As relações envolvem sentimentos. Percebemos que, quanto mais segura a pessoa se sente, mais risco ela corre. Tanto que 70% das mulheres infectadas nos últimos anos tinham parceiros fixos.’

A declaração acima é da enfermeira Regina Cortez, gerente do Programa Municipal de DST, Aids e Tuberculose de Londrina, sobre o aumento da infecção pelo vírus HIV em mulheres jovens, em reportagem da Folha de Londrina (6/3) nas páginas 8 e 9 do primeiro caderno. Clique aqui para ler o material. (O acesso é gratuito, mas o internauta precisa ser cadastrado)

A constatação de que mulheres jovens estão sendo infectadas pelos parceiros exclusivos e fixos revela uma situação preocupante e, muitas vezes, explosiva por juntar num mesmo palco o sexo, a sexualidade e a fidelidade. O público jovem tem acesso à informação abundante, mas isso não interfere diretamente na mudança do seu comportamento – ele continua fazendo sexo e exercendo sua sexualidade, independente da orientação, sem o uso de preservativos. Generalizando, a educação sexual está longe de ser a ideal, seja nas famílias, seja na escola ou na igreja. Todos fingem. Filhos fingem que não transam. Pais fingem que os filhos não transam. Padres e pastores fingem que os fiéis não transam. E assim, o trânsito fica livre para o vírus da Aids e de outras doenças sexualmente transmissíveis, e também para a gravidez indesejada.

Negligência e omissão

Se o sexo é natural, o mesmo não se pode dizer da forma como é tratado. Muitos se recusam a conversar com os filhos a respeito do tema. Menos ainda se discute sobre sexualidade que, conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), ‘não é sinônimo de coito e não se limita à presença ou não do orgasmo’. Para a organização, a sexualidade ‘é energia que motiva encontrar o amor, contato e intimidade, e se expressa na forma de sentir, nos movimentos das pessoas e como estas tocam e são tocadas. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e integrações, portanto a saúde física e mental’.’

Neste sentido, pode-se afirmar, então, que a sexualidade pode definir, por exemplo, a orientação sexual dos indivíduos e aqui o tema ganha contornos ainda mais dramáticos, visto que o que foge à heterossexualidade é encarado socialmente, por muitos segmentos, como anormal. No entanto, a heterossexualidade desprevenida, assim como qualquer outra orientação sexual, também é vítima de DSTs, mas muitos preferem ignorar a situação e acham que o problema é dos outros. A máscara precisa ser retirada e o assunto deve ser enfrentado sem demagogia ou hipocrisia. O indicador de 70% de mulheres infectadas pelo HIV por parceiros fixos mostra que a sociedade negligencia, ou joga para debaixo do tapete, alguns fatores que interferem diretamente no percentual citado. Como o parceiro fixo pode ter contraído o vírus da Aids e transmitido a essas mulheres, esposas ou namoradas?

O complexo comportamento humano

Algumas respostas cabíveis: ele pode ter feito sexo sem preservativo com outras mulheres e outros homens; pode ter se infectado compartilhando seringas, agulhas ou, menos provável, ter recebido sangue contaminado. Em qualquer uma das situações, fica em xeque um valor propagado, principalmente, pela religião: a fidelidade. E se ele sabia que era soropositivo, independentemente da forma como contraiu o vírus, quebrou esse valor quando não comunicou à parceira o seu diagnóstico.

De qualquer forma, a fidelidade não deve ser a mola propulsora das políticas públicas em saúde para combater o avanço do vírus HIV. A família e a igreja, quando adotarem posições dogmáticas sem aceitar a realidade imposta pela própria realidade, podem se dar ao luxo de fechar os olhos e pregar a fidelidade como forma de prevenção às DSTs. A prática mostra que esse valor não é tão universal como pregam. Se assim o fosse, os índices de DSTs e Aids não aumentariam.

A educação sexual deve incluir o tema sexo e sexualidade de forma responsável e plural. E essa é uma tarefa para todos: família, escola, igreja, poder público, enfim, a tal sociedade organizada. Não é admissível que as DSTs continuem se alastrando a partir da ignorância humana; ignorância que prefere não enxergar o complexo comportamento humano e continua ditando regras e padrões que não são seguidos.

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Jornalista, mestrando em Comunicação Visual pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e professor do curso de Jornalismo da Universidade Norte do Paraná (Unopar), Londrina, PR