Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sobre gravidez, mulher e homem

Leio reportagem na Folha de S.Paulo de segunda-feira (27/12) sobre um bebê, nascido na véspera do Natal, que sobreviveu a uma queda de dois metros depois de ter sido atirado dentro de um saco plástico pela mãe, que acabava de dar à luz. Na reportagem, um tom condenatório, a começar pela manchete: ‘Recém-nascido é abandonado pela mãe e sobrevive a queda de 2 metros em Belém’.

Segundo a Folha, os motivos da mãe, uma jovem de 20 anos, ‘foi o medo de ser descoberta por sua família, que é do Maranhão e não queria que ela engravidasse, e pelos patrões em Belém, que a contrataram para ser babá e de quem escondia a gravidez’. As informações para a Folha são da Polícia Civil de Belém.

A atitude da mãe não é bonita, mas a imprensa, quando aborda mães que abandonam seus filhos, publica os fatos de maneira sensacionalista e não contextualiza o sofrimento que a mulher passa. Apenas e somente o sofrimento do bebê – que é real e não deve ser subestimado. Mas mães que abandonam seus filhos não podem sofrer de distúrbios e doenças, por exemplo? Nessas matérias, essa reflexão não é feita. Prevalece o senso comum. Ao final da leitura, a certeza que fica é de que a mulher é um monstro, não tem alma e que não merece ter filhos. Essa sensação é reforçada pelos comentários dos leitores na reportagem: ‘Uma vaca jamais faria isso com seu filhote’; ‘Peste (a progenitora, porque isso não é mãe nunca)’; ‘lixo humano (a mãe, lógico)’. Naturalmente, nem todos os comentários são desse nível. Há leitores que refletem sobre o que leem.

Provocações para reflexão

E por falar em refletir sobre o que ler, façam isso também sobre o que escrevo. Faz sentido ou não? E aqui vão alguns pontos que lanço ao debate. Aviso os navegantes: são pontos generalizados e existem exceções belíssimas. Aqui são provocações para a discussão.

1. Por que reportagem desse tipo nunca cita o pai do bebê? Por que a imprensa não busca responsabilizá-lo também? Por que toda responsabilidade pela gravidez é da mulher? Mães que abandonam seus filhos recém-nascidos não engravidaram sozinhas.

2. Gravidez indesejada é consequência, e não causa. Consequência da falta de informação, da falta de planejamento familiar, da busca pelo prazer a qualquer custo (de ambos, não só dela, hein) e, principalmente, da falta de educação sexual. De ambos, não só dela, hein.

3. Questão de gênero I. A gravidez é responsabilidade exclusiva da mulher. O homem é coadjuvante (talvez por isso, muitos deem no pé quando a namorada engravida). E muitas famílias viram as costas para a mulher (filha, irmã, sobrinha…), restando-lhe sortes variadas.

4. Questão de gênero II. A sociedade não aceita a mulher que rejeita ou não quer ter filhos. É normal confundir gravidez com maternidade. Conheço excelentes mães que não engravidaram e muitas que engravidaram e que não são boas mães. Por que a mulher tem que parir? É um processo natural? É um processo construído socialmente?

5. No caso específico da reportagem em questão, como é a relação dessa garota com a família (e como os pais a tratam) para ela encontrar coragem para jogar seu bebê pelo muro e não ter coragem para enfrentá-los?

6. No caso específico da reportagem em questão, ela diz que tinha medo dos patrões que a contrataram. Medo de perder o emprego por estar grávida? Quantas mulheres grávidas são demitidas por causa da gravidez tendo seus direitos trabalhistas desrespeitados? Isso não é desumano também?

Se analisarmos a notícia fora do tom condenatório da reportagem da Folha, veremos que a mãe que jogou o filho pelo muro de dois metros não é a única ré da história.

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Jornalista e professor do curso de Jornalismo da Universidade Norte do Paraná (Unopar), Londrina, PR