Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Título infeliz para uma crônica simpática

‘Só São Paulo faria uma livraria assim’ foi o título bairrista que Ignácio de Loyola Brandão escolheu para elogiar, com simpatia, as novas instalações da Livraria Cultura no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista (O Estado de S.Paulo, 1/6/2007).

O título é inconveniente, sobretudo aos ouvidos de quem não é paulista/paulistano. Foi uma amiga carioca quem me alertou para a dissonância. Gostara do texto, mas não conseguira engolir o título, inexplicável bofetada na cara dos outros cidadãos brasileiros.

A ‘locomotiva do Brasil’ seria também a ‘livraria do Brasil’? O autor não se preocupa em justificar o título. Mistura elogios e lembranças, digressões e informações, mas parece que não se dá conta do incômodo que poderia gerar – e de fato gerou – em leitores que não têm a felicidade suprema de terem nascido em São Paulo, embora a Livraria Cultura mantenha boas lojas também em Porto Alegre, Recife e Brasília.

Sem dúvida, a Livraria Cultura do Conjunto Nacional ficou estupenda, maravilhosa. Os próprios funcionários estão mais contentes, estão satisfeitos por trabalharem em lugar amplo, aconchegante, funcional, bonito. O orgulho de ser livreiro. E orgulhosos ficamos todos nós, sejamos paulistas ou mineiros, paulistanos ou capixabas… pois a Livraria Cultura é brasileira, pois não?

Advérbio põe a perder

Escreve o autor: ‘Não me venham falar da Ateneo, de Buenos Aires. Acabamos de passar à frente. Um passeio pela Cultura da Paulista tem de entrar nos roteiros turísticos.’ Então, se a comparação é entre nós e os argentinos, por que não alterar o título para ‘Só o Brasil faria uma livraria assim’… título ufanista mas, ao menos, nacionalista…?

Uma livraria se faz com leitores e livros, com estantes e bom-gosto, com simpatia e competência, e tudo isso há na Livraria Cultura. Um perigo para o bolso ficar ali, descobrindo obras que parecem agora mais visíveis, mais atraentes neste sagrado templo da leitura.

Uma livraria assim. Mas… assim, como? Assim: bonita, elegante, séria, jovial. Qualidades brasileiras ou, quem sabe… qualidades humanas, pura e simplesmente. O espaço para a literatura infantil é encantador para crianças e adultos.

O advérbio ‘só’ do título infeliz quase põe a perder a crônica inteligente, publicada no Estadão. Foi uma afirmação infundada, desagradável, porque, além do mais, graças à internet, qualquer brasileiro, em qualquer parte do país, pode ‘entrar’ na Livraria Cultura. A Livraria Cultura pertence ao Brasil, a todos nós.

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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br