Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Todos dançam a mesma dança

O presidente do Senado, escritor, membro da Academia Brasileira de Letras e latifundiário, José Sarney (PMDB-AP), é uma figura importante neste Brasil varonil. Enquanto alguns políticos contemporâneos, assim como alguns cidadãos, desdenham o passado e o futuro – preferem ficar entrevados em um presente insosso, preocupando-se tão-somente com o hoje e a eterna jovialidade –, ele, ao contrário, além de se manter fiel às suas origens, é agente passivo e, amiúde, ativo, da sucessão de fatos que compõem a história do país.

Na verdade, a fidelidade nem sempre foi o seu forte. Em 1965, o ‘Zé do Sarney’, como fora alcunhado no Maranhão, seu habitat natural, trocou o nome de batismo, José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, por José Sarney de Araújo Costa. A permuta fora efetuada para fins eleitorais. Provavelmente, acreditava-se que José Sarney seria um nome de maior impacto político. Alguém duvida? Basta ler os jornais, sites, blogs, twitters – o mais recente grunhido democrático – e afins ou ver a TV para constatar a veracidade desta afirmação.

A relação do presidente do Senado com a mídia tupiniquim é outra página importante da biografia deste quase octogenário. Mesmo sendo um homem íntegro e preocupado com o povo maranhense, às vezes comete pequenos deslizes aqui e acolá, que não agradam sua vedete. O controle das concessões públicas de comunicação é um bom exemplo desta relação de amor e ódio. É sabido que o jornal O Estado do Maranhão e a TV Mirante – afiliada da Rede Globo –, dois grandes veículos de comunicação, pertencem à família Sarney. Vale ressaltar que a lei 4.117/62 proíbe o uso de emissoras de televisão para fins políticos, já que as mesmas são concessões públicas.

Mitos midiáticos

No presente momento, é notório que o casório esteja em crise. Segundo alguns analistas, o imbróglio iniciou-se após a pulada de cerca derradeira; para outros, tudo não passou de vaidade feminina: a amada não recebeu a gratificação esperada. Mas, diferentemente das outras desavenças, ao que tudo indica, desta vez, não tem volta. A mídia está, conforme a gíria corrente, ‘bolada’. O Globo vem manifestando há algumas semanas seu descontentamento com a série de reportagens sob o título ‘O Congresso mostra suas entranhas’. Já o jornal Folha de S.Paulo optou por uma designação mais simples: ‘Congresso em crise’.

Evidentemente, tanto a ‘crise do Senado’ como a tentativa de se criar uma CPI para investigar possíveis desvios de conduta da Petrobras são sintomas de um adultério. A grande imprensa brasileira, desde a eleição presidencial de 2002, mantém relações fogosas com a oposição. É claro que ela nunca amou verdadeiramente o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porém o que era inicialmente uma singela dor de cotovelo transformou-se em psicose.

Talvez o maior ressentimento para com o governo atual esteja relacionado com a criação de mitos midiáticos. Ora, quem poderia esquecer o mito da jovialidade, encarnado pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello; ou, ainda, o mito da intelectualidade, encarnado pelo sociólogo e também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso? Ambos, assim como o personagem Ronaldo, o Fenômeno (outrora Ronaldinho), e o falecido rei do pop Michael Jackson, foram forjados por um artesão que, apesar da indubitável habilidade, mostrou-se incapaz de mitificar o operário ou, se preferir, ‘o sapo barbudo’.

Imortal pela função de oligarca

Embora a personalidade de José Sarney não seja mítica – afinal, ele é apenas um patriarca –, sua derrocada o será. Se o leitor permitir, gostaria de fazer uma analogia um tanto forçada entre ele e o rei do pop. Ambos ganharam visibilidade e receberam as honrarias destinadas ao rei-filósofo. Ambos envolveram-se em escândalos, picuinhas e inúmeros ‘mal-entendidos’. Ambos, tal qual a mídia brasileira, dançam a mesma dança: moonwalker, cujos passos para trás impossibilitam o fluxo da História.

Mas as semelhanças param por aí. Michael Jackson morreu, ainda que os fãs-fundamentalistas afirmem o contrário; José Sarney, estando ou não no Congresso, é imortal, menos pela função de literato do que a de oligarca.

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Estudante de Jornalismo das Faculdades Integradas Helio Alonso, repórter do suplemento cultural O Prelo, da Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, Niterói, RJ