Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Tragédia dostoievskiana

O caso do assassinato do casal Richthofen, com idas e vindas, monopolizou o interesse da mídia nos últimos quatro anos. Em especial a cobertura da TV. Não que faltassem concorrentes na pauta. Enquanto transcorria o julgamento de Suzane Von Richthofen e dos irmãos Cravinhos, ocorria também o julgamento dos assassinos do casal de estudantes Liana Friendenbach e Felipe Caffé, morto em 2003. O que fez a tragédia dos Richthofen merecer a ribalta mais ostensiva da mídia?


Desde o início, Suzane, como uma popstar em desgraça, foi implacavelmente caçada pelas lentes de fotógrafos e câmeras de TV. A ação se repetiu durante o julgamento. Mas a moça é arredia. Dela temos visto relances esparsos. Rica e bonita, a moça tem nome e sobrenome estrangeiros, com a eufonia adequada ao enredo de uma imprensa colonizada. Segundo o pai, Manfred Von Richthofen, a família descenderia do lendário Barão Von Richthofen, o ‘Barão Vermelho’. São motivos suficientes para explicar o deslumbramento da mídia?


A tragédia do duplo assassinato teve um desenlace na madrugada de 22/07, com a condenação de Suzane e dos cúmplices. Apesar do caso rumoroso, as matérias dos nossos três maiores diários sobre o resultado do julgamento foram sumárias. Eis as manchetes:


Estado de S.Paulo: ‘Suzane e Daniel são condenados a 39 anos de prisão; Christian pega um ano a menos’.


Folha de S.Paulo: ‘Jurados condenam Suzane pelo assassinato dos pais’.


O Globo: ‘Suzane e Daniel condenados a 39 anos’. E na edição online o especial ‘O caso Richthofen, o caso que chocou o país’, com um mapeamento da tragédia paulistana em imagens, opiniões de especialistas e perfil dos envolvidos. E mais um link para a chamada: ‘Saiba como foi o assassinato de Manfred e Marísia Von Richthofen’.


Ingredientes de romance


Explorando o ritual completo no estilo dê a matéria/faça o infográfico/abra a enquete, o diário carioca perguntava aos leitores: ‘Você acredita que Suzane quis a morte dos pais por amor ao namorado?’


A iniciativa de O Globo, que se alongou um pouco mais em relação aos concorrentes paulistas, tem o mérito de buscar a interação com o leitor, sondando o que vai no âmago da opinião pública, na base do ‘você decide’. Porém, soa inócua para explicar um drama com os ingredientes clássicos de uma tragédia grega envolvendo parricídio e matricídio.


Essa é uma história de assassinato, de violência brutal, mas também de juventudes desperdiçadas. Se libertados um dia, os acusados serão sexagenários com a vida tisnada por uma barbárie. Independentemente do julgamento que se faça sobre o motivo do crime, é doloroso ver os pais dos Cravinhos, anciãos grisalhos, rumando cabisbaixos para visitar os filhos detidos.


Há muito a ser explicado nesse caso todo. Qual a verdadeira história desses irmãos? O que leva uma moça de 19 anos, idade de Suzane Louise von Richthofen na época do crime, a odiar tanto os pais, a ponto de querer matá-los? O que explica o comportamento frio de Suzane, que até mesmo riu durante uma das sessões do julgamento?


Ao invés de um enredo agathacristiano, no qual se parte de um crime e se chega a uma solução lógica sobre seu autor, e dá-se o imbróglio como concluído, o drama da família Richthofen está mais para um mergulho dostoievskiano na história de vida dos personagens, adolescentes à época do crime e agora adultos com uma longa pena a cumprir. Tem os ingredientes de um romance do gênio russo, como Os irmãos Karamazov, no qual Ivan Karamazov mata o pai. No livro, o ato parricida tem um álibi, uma moral perversa. Ivan acreditava: ‘Se Deus não existe, tudo é possível’.


Minguar e sumir


O que teria pensado Suzane? Que tipo de moral a norteava? O que se passa nos meandros da sua psique? Será possível revelá-los? Em sua defesa, ela alega que sofrera abuso por parte do pai. Seu irmão Andréas Von Richthofen nega. Que ambiente familiar cria uma personalidade como a de Suzane? Como era o relacionamento dos seus pais? E destes com a própria Suzane e com o irmão Andréas? O que leva um jovem como Christian Cravinhos a aceitar uma proposta tão macabra sem grandes estremecimentos existenciais? Qual é o histórico dele e do irmão?


Nos cinco dias de julgamento, a imprensa voltou suas baterias para os ritos legais, com ênfase na queda de braço da defesa e da acusação e nas reações emocionais dos acusados e até da platéia. Neste sentido, uma ampla cobertura foi realizada pelo site Última Instância, especializado em assuntos jurídicos, com a divulgação da fala dos advogados de acusação e defesa, da sentença que condenou Suzane e os irmãos Cravinhos e dos depoimentos, inclusive de Christian Cravinhos, que conta em detalhes como tudo aconteceu.


Mas o leitor quer narrativa, emoção. O assunto vai minguar e sumir, atropelado por outros dramas vindouros. Quem vai contar de fato a história dos Richthofen e seu destino infausto?

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Jornalista, editor do Balaio de Notícias