Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

TV digital brasileira já
está pronta para estréia


Leia abaixo os textos de segunda-feira selecionados para a seção Entre Aspas.


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O Estado de S. Paulo


Segunda-feira, 25 de junho de 2007


TV DIGITAL
Renato Cruz


Software brasileiro para TV digital está pronto, dizem pesquisadores


‘O sistema nipo-brasileiro de TV digital pode estrear em 2 de dezembro sem seu único componente genuinamente brasileiro. De tudo que foi desenvolvido aqui, somente o Ginga, nome dado pelos pesquisadores locais ao software de interatividade, entrou na especificação final. Mas as chances são pequenas de ele estar presente nos equipamentos que serão vendidos no lançamento. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, já descartou a interatividade nessa primeira fase. A interatividade permite serviços parecidos com a internet na televisão, como consulta de informações e compras.


Boa parte da indústria não está empolgada com o Ginga, chegando a dizer que ele não existe. Os pesquisadores querem provar que não é verdade, e marcaram para 3 de julho, no Rio, um evento em que haverá a demonstração do software completo, rodando em um conversor. O consumidor deve ficar atento, pois corre o risco de levar para casa um equipamento incompleto, sendo obrigado a trocá-lo em poucos meses, quando forem lançados os conversores com interatividade.


‘O Ginga está pronto’, afirmou o professor Luiz Fernando Soares, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. ‘Nossa resposta será dada no dia 3.’ O Ginga é um middleware, software que tem o papel de garantir que as aplicações interativas irão funcionar nos televisores e conversores de todos os fabricantes. No evento da semana que vem, parte do código do Ginga será aberto, o que significa que as pessoas poderão estudá-lo, usá-lo e modificá-lo sem o pagamento de licenças, como acontece com o sistema operacional Linux.


Quem quiser assistir à TV digital nos televisores atuais, analógicos, precisará de um conversor, também chamado de set-top box. Os fabricantes já têm conversores de TV digital funcionando, mas sem o Ginga. ‘Se eles tivessem investido antes, já teriam o middleware rodando’, afirmou Soares.


FINANCIAMENTO


Os pesquisadores não terminaram o Ginga antes por falta de financiamento. Os consórcios da TV digital criaram uma prova de conceito em 2005, quando o governo contratou o trabalho. Depois disso, os trabalhos foram bastante reduzidos. ‘Trabalhamos em 2006 sem dinheiro nenhum’, disse o professor. No início deste ano, a PUC-Rio e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que também trabalha no middleware, conseguiram a aprovação da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia, para um projeto de R$ 1 milhão. A primeira de duas parcelas foi liberada.


‘Nossa parte está feita e publicada’, afirmou o professor Guido Lemos, da UFPB. ‘Na indústria, quem fizer primeiro vai ganhar dinheiro.’ Demonstrar o Ginga em um conversor não quer dizer que ele está pronto para o mercado. O software precisa ser adaptado aos produtos de cada fabricante, o que pode ser feito por diversas empresas de software. Além disso, precisa ser testado e homologado, para garantir que não existe nenhum erro. Os telespectadores não estão acostumados a coisas como travamentos, mensagens de erro e telas azuis, como os usuários de computadores.


‘Ainda falta ficar pronta a suíte de testes para verificar se o software está aderente à norma’, disse o professor Luís Meloni, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). ‘Ela deve ser especificada em três meses. Depois, é preciso implementar.’ Para ele, a presença do Ginga nos aparelhos em dezembro depende de investimento, que poderia vir do governo ou da iniciativa privada.


PRAZO


A Dynavideo é uma das empresas de software que trabalha no Ginga. A arquitetura do middleware foi tema da tese de doutorado do seu diretor-executivo, Luiz Eduardo Leite, na UFPB. A Hirix, outra empresa de software, usou este mês uma versão do Ginga feita pela Dynavideo na demonstração de um serviço de banco via televisão no Ciab, evento de tecnologia da Febraban.


‘Nossa previsão é de seis meses para ter o sistema completo’, afirmou Leite. Ele tem acordos de confidencialidade com fabricantes de eletroeletrônicos. ‘Tecnicamente, seria possível lançar em dezembro.’


Cada fabricante precisa criar uma versão do Ginga para seus produtos. ‘O prazo é inversamente proporcional ao investimento’, afirmou Marcos Manente, diretor de tecnologia da Wimobilis, que trabalha no Ginga.


FRASES


Luiz Fernando Soares


Professor da PUC-Rio


‘O Ginga está pronto. Nossa resposta será dada no dia 3’


‘Se eles (os empresários) tivessem investido antes, já teriam o middleware rodando’


Guido Lemos


Professor da Universidade Federal da Paraíba


‘Nossa parte está feita e publicada. Na indústria, quem fizer primeiro vai ganhar dinheiro’


Luiz Eduardo Leite


Diretor-executivo da Dynavideo


‘Nossa previsão é de seis meses para ter o sistema completo. Tecnicamente, seria possível lançar em dezembro’’


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Ginga beneficia indústria nacional


‘O Ginga pode ser uma vantagem para os fabricantes brasileiros, pois os concorrentes internacionais não têm como trazê-lo de outros países. ‘Se fosse outro middleware, as empresas estrangeiras iriam se beneficiar’, disse Moris Arditti, vice-presidente da Gradiente. Ele achava que, há uma semana, não existia chance de se lançar produtos com Ginga em dezembro. ‘A decisão da PUC do Rio de anunciar o Ginga Brasil, em software livre, criou a possibilidade de se ter um sistema confiável. Existe uma possibilidade, mas não sei se a probabilidade é alta.’ A Gradiente planeja lançar em dezembro conversores capazes de rodar o Ginga, mesmo se o software não ficar pronto. Depois, o consumidor precisaria comprá-lo separado.


Existe mais uma diferença no sistema nipo-brasileiro, além do Ginga, para o original japonês. A tecnologia de compressão de vídeo é o H.264, mais avançada que o MPEG-2 usado no Japão. O H.264, no entanto, é um padrão internacional. Não foi desenvolvido no Brasil. Os fabricantes de eletroeletrônicos já demonstram protótipos de aparelhos digitais, recebendo um sinal experimental em alta definição da Globo.


A Samsung colocou aparelhos de alta definição na loja do Shopping Morumbi, em São Paulo, ainda sem o Ginga e recebendo o sinal da Globo. Na terça-feira, a qualidade da imagem parecia algumas vezes inferior à do DVD, o que não era para acontecer. Benjamin Sicsú, vice-presidente da Samsung, explicou que alguns vídeos foram produzidos com outra tecnologia de compressão, e perdem qualidade na conversão. A Samsung planeja lançar conversores sem o Ginga em dezembro. Eles não serão capazes de receber o software depois.


A Semp Toshiba também demonstra seu produto, no evento de decoração Casa Cor, em São Paulo. ‘Tecnicamente, não é possível lançar o Ginga em dezembro’, disse Roberto Barbieri, diretor de engenharia da Semp Toshiba. ‘Quem disser que vai fazer está mentindo.’ Ele prevê o conversor interativo para a segunda metade de 2008.’


Nilson Brandão Junior


Seis emissoras buscam financiamento do BNDES


‘Seis emissoras e retransmissoras de televisão estão negociando com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiamento para a implantação do sistema digital. Até a semana passada, duas operações já haviam sido aprovadas dentro dessa linha de financiamento, uma para o SBT e outra para instituições envolvidas no desenvolvimento do primeiro chip para equipamentos de transmissão de sinais de TV digital no País.


O BNDES criou uma linha para financiar projetos ligados ao novo padrão chamado Programa de Apoio à Implementação do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre, o Protvd. O programa terá orçamento de R$ 1 bilhão, com vigência até dezembro de 2013.


De forma geral, o objetivo do programa é financiar pesquisa e desenvolvimento, modernização de infra-estrutura, produção de insumos (software, equipamentos e componentes) e conteúdos digitais. A estimativa inicial é que sejam liberados ao redor de R$ 100 milhões pelo BNDES apenas este ano.


EQUIPAMENTOS IMPORTADOS


Segundo o chefe do Departamento de Telecomunicações do BNDES, Alan Fischler, os valores de financiamento para este ano não deverão ser tão elevados, porque a televisão digital começará no fim do ano por São Paulo e os equipamentos de transmissão em grandes capitais são basicamente importados. O BNDES não financia importações.


‘Tem havido um grande interesse do setor. As empresas têm vindo ao banco para conhecer a linha’, diz Fischler. O banco já aprovou financiamento de R$ 9,2 milhões para o SBT (Sistema Brasileiro de Televisão). Os recursos serão usados, basicamente, para modernização de transmissores analógicos, para garantir a qualidade do sinal na transição da TV analógica para a digital.


Com o financiamento, o SBT pretende comprar 194 transmissores para as oito emissoras e uma empresa afiliada e substituir três torres de transmissão – em Ribeirão Preto, Barretos e Sorocaba, no Estado de São Paulo.


Além deste projeto, foram liberados R$ 14,6 milhões para a União Brasileira de Educação e Assistência (UBEA/PUC-RS) e o Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), para desenvolver o chip.’


PUBLICIDADE
Marili Ribeiro


Cannes prepara o futuro da publicidade


‘‘Eles ficaram brancos quando eu falei: estão contratados’, conta, ainda se divertindo com a situação, Sérgio Valente, presidente da DM9DDB. Ele se refere à ansiedade dos dois estudantes brasileiros que exibiram suas credenciais para ele no bar do hotel Martinez, um dos principais pontos de encontro dos publicitários durante o Festival de Publicidade de Cannes. ‘Os dois são espertos’, diz. ‘Achei que valia o investimento e vamos ver no que dá.’


Os recém-contratados são os estudantes de publicidade André Amaral, 23 anos, da Escola Superior de Propaganda e Marketing, de São Paulo, e David Bessler, 22 anos, da Universidade Federal Fluminense, do Rio. Durante uma semana, eles freqüentaram a Roger Hatchuel Academy de Cannes, uma espécie de curso intensivo de publicidade que acontece desde 2003 paralelamente ao festival. A turma deste ano foi formada por 31 estudantes de 20 países, instruídos por tutores, que são profissionais já consagrados no meio publicitário. O curso todo é acompanhado por Clive Challis, chefe do curso de publicidade da Central Saint Martins, de Londres.


Segundo Challis, a participação dos estudantes em eventos como esse é importante para o futuro do setor. ‘O negócio da publicidade está se transformando muito rapidamente e esses garotos são de uma geração que nasceu conectada’, diz. ‘Eles pensam o mundo de forma digital.’ Bessler corrobora o argumento: segundo ele, o grupo de estudantes achou a maioria das palestras que discutiam aplicações virtuais e ações na virais sem novidades. Para essa geração, o mundo já passa necessariamente por uma tela – de computador ou de celular.


Já há algum tempo os publicitários se preocupam com a forma como vão trabalhar após o advento dos meios digitais. O festival já conta com uma premiação exclusiva para a internet e com outra para campanhas integradas, que exploram as várias possibilidades de uso de mídias diferentes. Mesmo assim, o meio publicitário ainda parece não saber exatamente que rumo seguir quando se trata das mídias digitais.


Para Pedro Cabral, presidente da Agência Click, o resultado dessa aparente falta de rumo é que as premiações dessas novas categorias ficam confusas. ‘Os publicitários ainda não entenderam direito o que é o fenômeno digital’, disse. Segundo ele, o consumidor já mudou o seu comportamento. ‘Quem não mudou ainda foi indústria da publicidade.’


OPORTUNIDADE


Para os estudantes, participar de um evento como o da semana passada é uma oportunidade de ouro. ‘Quando a gente participa de algo assim, começa a pensar alto, bem mais alto’, diz Bessler. ‘Há um mundo de possibilidades.’ Os estudantes tiveram palestras com figuras como, por exemplo, Bob Greenberg, presidente da agência americana R/GA, que faturou nesta edição um Grand Prix – o prêmio máximo do festival – para a campanha da Nike+: uma ação que acontece de forma integrada, estimulando o consumidor-corredor a usar o iPod, pôr um chip no tênis e depois verificar no computador o seu desempenho.


Tiveram palestra também com David Droga, da agência Droga5, de Nova York, profissional que se destacou com ações na internet, como a que pintou o Air Force 1, o avião do presidente americano. ‘Ele conseguiu uma enorme repercussão com isso e até o FBI foi checar se tinha mesmo sido pintado’, diz Bessler, que não nega ter ficado impressionado. ‘A campanha na internet teve mais de um milhão de acessos.’ Durante a semana do festival foram, no máximo, quatro horas de sono por noite. ‘Mas não fez falta’, garantem os estudantes brasileiros.’


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Campanha para internet é vencedora em Filmes


‘O prêmio dos prêmios no Festival de Cannes – o Grand Prix na categoria Filmes – mostra como os conceitos de julgamento começam a mudar no mundo publicitário. O júri acabou por premiar um trabalho da agência Ogilvy do Canadá realizado inicialmente para a internet. A campanha mostrava a transformação de uma mulher ao usar Dove, recebendo, claro, uma certa ajuda da computação gráfica. Sucesso na mídia digital, ganhou espaço na televisão da Holanda e da Arábia Saudita. Esse trabalho, aliás, também conquistou um Grand Prix na categoria Internet, evidenciando, assim, o cruzamento de canais de comunicação na publicidade hoje em dia.


De certa forma, a publicidade brasileira se saiu bem em Cannes na premiação para Internet. Foram três Leões de Prata e seis de Bronze. Porém, na categoria Campanhas Integradas, que premia as peças que utilizam de forma simultânea vários tipos de mídia – e que, para muitos publicitários, representa o futuro dessa indústria -, o Brasil não conseguiu colocar sequer uma campanha entre as finalistas. O que prova que ainda há um longo caminho a percorrer.


O Brasil terminou o Festival de Cannes com 30 Leões – seis de Ouro, quatro de Prata e 20 de Bronze. O número superou os 28 conseguidos em 2006, mas ficou longe de desempenhos conseguidos em anos anteriores. Em 2004, por exemplo, foram 43.’


INTERNET
Alexandre Matias


‘Sim, existe uma cultura livre global’


‘Henrik Moltke, Ralf Christensen e Andreas Johnsen, documentaristas


O movimento de software livre, a invenção do sampler, a criação do Napster, o Grey Album do DJ Dangermouse, o Creative Commons de Lawrence Lessig. Diferentes acontecimentos colocam em xeque o direito autoral tradicional, com alternativas sendo cogitadas na marra. Mas o que é pirataria em tempos de cultura digital? É possível controlar cópias? Esses são apenas alguns temas abordados no documentário Good Copy Bad Copy, que acaba de ser lançado na internet por três cineastas dinamarqueses, Henrik Moltke, Andreas Johnsen e Ralf Christensen, que deram, em conjunto, a entrevista a seguir.


Vocês tinham alguma conexão com o movimento de cultura livre antes de fazer o filme?


Henrik Moltke: Eu faço parte tanto do Creative Commons da Dinamarca como participei do projeto Free Beer (uma cerveja cuja fórmula é publicada na web para quem quiser fazer em casa). Este era o passo seguinte.


Andreas Johnsen: Eu não tinha nenhuma relação, mas como sou documentarista, os direitos autorais quase sempre atrapalhavam meu trabalho.


Vocês foram para a Nigéria, Suécia, Rússia, Brasil e vários outros países. Há uma consciência global sobre este tema?


Andreas: Não acho que as pessoas saibam o que está acontecendo de verdade. Elas sequer sabem o que é legal ou ilegal e quais as conseqüências ao comprar uma cópia legal ou ilegal. A maioria não sabe o que é DRM (Digital Rights Management, tecnologia que restringe o uso e a cópia de arquivos digitais) e como isso é restritivo. Mas as pessoas irão descobrir, creio que haverá um grande levante contra este controle e o movimento pelo compartilhamento e pela abertura dos direitos irá crescer cada vez mais.


Ralf Christensen: O direito autoral é algo desconhecido ou irrelevante para o cidadão comum em muitos países, por não ser regulado ou por não ser ensinado. Isso cria aberturas interessantes para os negócios e a cultura, algumas criminosas e outras criativas. Existe sim uma consciência global no movimento de cultura livre, que isto é um problema – ou uma oportunidade – global. E certamente as corporações multinacionais também têm consciência disto e tentam reforçar o direito autoral pelo planeta, como, por exemplo, a indústria fonográfica que agora tenta empurrar isso na Índia e na China.


Há pontos-chave na evolução da cultura livre que merecem ser destacados?


Henrik: As primeiras redes de computador que eram livres e o processo colaborativo de construção da Arpanet, a rede que deu origem à rede que hoje chamamos de internet. Há também o movimento do software livre, liderado por Richard Stallman. O lançamento da série de licenças flexíveis Creative Commons e o livro Cultura Livre, de Lawrence Lessig.


Ralf: E a controvérsia ao redor do Grey Album (disco em que o DJ Dangermouse juntou vocais do rapper Jay-Z com instrumentais dos Beatles), que resultou no dia de protesto online conhecido como Grey Tuesday. A história do uso de samples no hip hop também tem a ver com o crescimento da cultura livre.


Vocês visitaram o Brasil. O que o País tem a contribuir com este movimento?


Andreas: Vocês têm movimentos únicos que têm uma aproximação diferente sobre propriedade intelectual, como o tecnobrega de Belém e o baile funk do Rio, que funcionam há anos como um sistema em que ninguém ganha pela música, mas a música também não pertence a ninguém.


Ralf: O Brasil tem também uma história forte de reconhecer o canibalismo cultural como um método de trabalho. Isso já era usado pelos tropicalistas nos anos 60, que abraçaram a idéia de ‘comer’ cultura e criar algo novo a partir disso, mas isso vem do Manifesto Antropofágico, do Oswald de Andrade, de 1928. É uma longa história de ter consciência que a cultura brasileira é uma cultura de remix. E é brilhante!


Ficha técnica


GOOD COPY


BAD COPY


WEB |


DETALHES | O documentário traça diferentes manifestações de cultura pelo mundo e as confronta com o atual modelo de direitos autorais. Entrevistando nomes tão diferentes como os DJs Girl Talk e Dangermouse, os advogados Lawrence Lessig e Ronaldo Lemos, Dan Glickman (CEO da MPAA, a associação de produtores de Hollywood), acadêmicos, executivos e outros especialistas e entusiastas do tema, o filme acompanha a pirataria de discos na Rússia, a crescente indústria cinematográfica da Nigéria (hoje o país que mais produz filmes por ano no mundo – mais que os EUA e que a Índia), a forma como produtores musicais se apropriam de obras alheias para criar músicas novas, a história do site sueco Pirate Bay (que desafiou a legislação americana) e os mercados de nicho no Brasil, com o funk carioca e o tecnobrega em Belém. Juntando diferentes pontos e iniciativas realizadas ao redor do globo, o filme mostra como a cultura livre pouco a pouco está deixando de ser uma exceção. O documentário ainda não foi lançado em DVD, mas pode ser baixado de graça em seu site oficial, que tem um link para o torrent do filme.’


Pedro Doria


Comunicação móvel e a nossa rotina


‘Jan Chipchase estará no Brasil em julho. Quem? Chipchase é o antropólogo-chefe da Nokia, uma das maiores fabricantes de celular do mundo. Seu trabalho é descobrir como as pessoas usam e convivem com tecnologias de comunicação. Quando tudo dá certo, suas observações e relatórios influenciam o design de celulares. Por conta disso, quando viaja em expedição para um canto do mundo, designers o acompanham. Sempre.


A questão, afinal, é que nem todo mundo usa o celular do mesmo jeito. Na China, grampos que prendem o celular ao cinto são popularíssimos – 19% dos homens os usam em Pequim, 38% em Ji Lin. (Não confundir com Shing Ling.) Vá a Milão, onde a elegância é norma, e apenas 4% dos homens usam clipes. Em Tóquio, ninguém os usa. O que usam muito em Tóquio, assim como em Seoul, são penduricalhos, enfeites.


Em algumas coisas somos todos parecidos: 60% dos homens, em todo o mundo, carregam seus celulares no bolso da calça; 61% das mulheres, em suas bolsas. O resultado é que mulheres perdem ligações – porque não acharam o aparelho ou porque não o ouviram – com muito mais freqüência do que homens.


Chipchase é inglês, mas vive há sete anos em Tóquio, capital mundial do uso de celular, terra onde blogs e fotologs são atualizados via mensagens do telefone. Usar celular é um estilo de vida para a população jovem japonesa. Um fica mandando texto, foto, vídeo para o outro a toda hora num diálogo contínuo.


Já na Europa, o usuário típico de celular usa o aparelho 80% das vezes para conversar com quatro pessoas, em geral, da família. Soa familiar? Cá deste lado do jornal, o colunista leva o celular no bolso e o usa, basicamente, para falar com mulher, pais, filha. Ser comum e ordinário é um dilema. Somos todos iguais.


A Nokia, evidentemente, não é a única empresa dedicada a estudar como interagimos com nossos sistemas ultra-modernos de comunicação. Segundo a revista britânica The Economist, algumas das descobertas recentes dos antropólogos dedicados ao assunto indicam o que talvez seja evidente. Cada tecnologia é usada de forma muito específica e uma não anula a outra.


O telefone fixo, por exemplo, serve a conversas públicas que temos na frente de todos, em casa, no trabalho. Lançamos mão do celular para combinar um encontro nos momentos seguintes, ajustar horários na última hora, coisas do tipo. É mais privado. SMS, mensagens de texto via celular, são pessoais, envolvem emoção ou alguma informação pontual. E-mail cai na casa das resoluções administrativas ou na de troca de arquivos – texto formatado e longo, planilhas, fotografias, etc. Já serviços de mensagens instantâneas pela internet, tipo MSN ou ICQ, são canais permanentemente abertos no fundo do cotidiano para conversas que se estendem ao longo do dia, todo dia.


Sistemas de comunicação móvel – do notebook ao celular ao BlackBerry ao iPhone que está por vir – não são responsáveis por levar o trabalho para a casa, segundo estas pesquisas. E este era um dos maiores temores. O contrário, ao que parece, é verdade: a vida pessoal foi para o trabalho e contato permanente com mulher, marido, parceiros, filhos, tudo é encarado pelo operário moderno como parte legítima de seus direitos. Vale do executivo endinheirado ao torneiro no chão de fábrica.


Outra interessante: trabalha-se à mesa, no escritório. No aeroporto ou no hotel, o tempo é gasto respondendo e-mails atrasados e outras atividades simples. Nada profundo. E quem mais usa tecnologia não é o filho adolescente cheio de espinhas do vizinho. São imigrantes. Stefana Boadbent, antropóloga suíça, descobriu uma família kosovar que vive em seu país e toma café da manhã todos os dias com a avó. Três gerações à mesa, a velhinha na tela de um computador via SkypeVideo.


Faz todo o sentido.


Se alguns dos prezados tiver tempo livre, souber inglês, conhecer bem o Rio e estiver à procura de aventura, Jan Chipchase busca assistentes: info@janchipchase.com’


Filipe Serrano


Programado para estagiar no Google


‘Não é no litoral nem na serra que o estudante de computação Bruno Martins Stuani vai passar as férias de julho. No domingo ele sai de sua casa em Santo André (SP) e embarca para a cidade de Seattle (EUA) onde vai participar de um estágio de três meses no Google. Junto com uma equipe de programadores da pesada, Bruno vai trabalhar na área de desenvolvimento do Google Talk, o software de mensagens instantâneas da empresa, parecido com o conhecido MSN, da Microsoft.


A experiência invejável, porém, não vai ocorrer por pura sorte. Como um oportunista – no bom sentido – como tantos que trabalham com tecnologia, Bruno ficou reconhecido por criar ferramentas extras para o Google Talk que melhoram o programa (leia mais ao lado), como, por exemplo, exibir vídeos na própria tela de bate-papo e adicionar fundos de tela diferentes para cada amigo. Esse tipo de ferramenta é chamada de plug-in, um software que roda dentro de outro programa.


‘Logo que o Google Talk foi lançado eu pensei: ‘Todo mundo conhece o Google, então por que não fazer um trabalho em cima dele e colocar esse destaque no meu currículo?’, afirma. Bruno batizou seu plug-in de GT-Plug e se inspirou em uma ferramenta parecida para o MSN, o MSN Plus.


Apesar de não ser tão usado quanto o MSN, o GT-Plug começou a crescer entre os usuários do Google Talk. Ainda mais porque Bruno, atrás de um reconhecimento internacional, criou um site em inglês para divulgar o seu plug-in.


Tempos depois saiu uma nova versão do Google Talk. Só que o programa começou a travar no PC de quem tinha o GT-Plug. O Google recebeu uma série de relatórios de erros e descobriu o garoto brasileiro por trás do plug-in. ‘Viram que tinha um tal arquivo gtplug.dll causando o problema. Entraram em contato comigo e ofereceram ajuda para consertar. Fui perguntando sobre o Google Talk e perceberam que meu grau de conhecimento era grande. Foi quando veio o convite.’


Fazer um plug-in para o Google Talk é desafiador para qualquer programador. O software não é aberto e, segundo Bruno, para modificar as funções dele é preciso entender como os mecanismos do Windows operam.


Na prática, o plug-in age da mesma maneira que um antivírus, analisando tudo que roda no Windows. ‘Meu plug-in usa isso. Coloco um comando do tipo ‘sempre que enviar uma mensagem para alguém, verifique se tem texto de emoticon e troque pela imagem’, explica.


Segundo Bruno, para aprender a fazer programas assim é preciso ter curiosidade sobre como os softwares funcionam. ‘No Brasil, é comum os programadores trabalharem para uma empresa e não procurarem saber como outros programas operam internamente. Só vão aprender sobre aquilo que a empresa pede’, diz.


Bruno chegou a criar uma ‘biblioteca’ com esses comandos que alteram funções do Windows para ajudar outros programadores a desenvolver softwares parecidos. Mas ele não diz se é em torno dos comandos que vai trabalhar no Google. ‘Até sei o que vou fazer, mas assinei uns termos e não posso falar exatamente, nem dizer quanto é meu salário.’ Um funcionário exemplar.’


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Plug-in exibe vídeos na tela de bate-papo


‘A ferramenta de destaque do GT-Plug é poder ver vídeos direto na tela de bate-papo. Por exemplo, alguém manda um link de um filme do YouTube e a pessoa assiste sem precisar entrar em nenhum site. A opção já existia na versão online do Google Talk e o que Bruno fez foi incluí-la no programa. O GT-Plug também ajuda para quem usa Google Talk no trabalho. Ele tem uma tecla ‘antipatrão’. Você digita um comando do tipo Ctrl+Alt+X (padrão) e a tela do Google Talk some. O ícone do lado do relógio também é trocado por outro menos sugestivo. Com outra opção de semitransparência, dá para deixar a tela do Google Talk quase ‘invisível ‘ aos olhos distantes. Também dá para mudar o status (por exemplo, online, ausente, ocupado) só apertando no ícone ao lado do relógio com o botão direito. Com a colaboração dos usuários, Bruno colocou o GT-Plug em onze línguas.’


TELEVISÃO
Shaonny Takaiama


Cotas estão fechadas


‘Jogos Pan-Americanos são negócio que rende tanto para o comercial das emissoras quanto em geração de empregos.


A Band vendeu quatro cotas de patrocínio para Correios, Caixa Econômica Federal, Ford e Colgate no valor de R$ 25 milhões cada. E vendeu também uma cota de participação para a Brasil Telecom no valor de R$ 20 milhões.


Na cota de participação, o anunciante entra apenas com inserções do comercial de 30 segundos em todo o break correspondente à programação do Pan 2007. A diferença é que ele não tem vinhetas de assinatura de patrocínio e tem maior freqüência de inserções de 30 segundos.


A emissora dos Saad terá ainda tops de 5 segundos da Embratel e Yamaha (produtos especiais). Já a Record vendeu suas cotas de patrocínio nacionais para as Casas Bahia e a Ford e uma cota local para a NET São Paulo. O valor total de cada cota é de R$ 21 milhões.


Na Globo, a distribuição das cotas de patrocínio ficou entre Petrobrás, Olympikus, Cerveja Sol, Oi, Sadia e Caixa Econômica Federal. Os valores das cotas não foram divulgados pela emissora.


Entre-linhas


Escondido nas tarde do Tudo É Possível há um tal de Mágico Mascarado, que não é ninguém menos que o famoso dedo-duro da mágica, Mister M. A emissora comprou a série que já foi ao ar na Globo, mas não pode usar o nome Mister M, criação assim registrada pelo plim-plim.


Classificação indicativa na TV é o round do dia no Roda Viva, às 22h40, via TV Cultura. Três debatedores contestam a portaria 264: o geógrafo Demétrio Magnolli, o advogado da Abra (Associação Brasileira de Radiodifusores), Walter Ceneviva, e Antonio Claudio Ferreira Neto, da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV). A defesa da questão caberá a Guilherme Canela, da Andi (Agência de Notícia dos Direitos da Infância), José Eduardo Romão, do Departamento de Classificação Indicativa do Ministério da Justiça, e o ex-ministro da Justiça José Gregori.


A Globo pede correção de dados divulgados aqui. Segundo a emissora, na quarta, dia 20, seu ibope foi de 7 pontos (com Mais Você, Sítio e TV Xuxa), enquanto o Hoje em Dia, da Record, marcou 6. Segundo a Globo, só o Mais Você registrou 8 e a Record, no horário, obteve 6.


Confrontado com o fato de a All TV ter produzido a primeira novela interativa há dois anos, o portal IG abandonou o enunciado ‘A primeira novela interativa na web’ e adotou outra chamada: ‘A novela interativa que usa o universo paralelo da internet.’ O IG alega que seu folhetim, De que Lado Você Está, é o primeiro feito também em outra esfera, no caso, o Second Life.’


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Folha de S. Paulo


Segunda-feira, 25 de junho de 2007


GOVERNO LULA
Fernando de Barros e Silva


Estupra, mas não mata


‘Não resta nenhuma dúvida sobre a infelicidade da frase de Marta Suplicy. A própria ministra logo percebeu a bobagem e tentou corrigir-se, pedindo desculpas. Não funcionou. A ‘dica de viagem’ está incorporada à sua biografia política e certamente ainda irá lhe render vários constrangimentos. De imediato, serviu para conectá-la ao apagão aéreo, problema sobre o qual a titular do Turismo tem tanta responsabilidade quanto a sua colega do Meio Ambiente, Marina Silva, -isto é, nenhuma.


‘Relaxa e goza!’ Marta foi vítima da sua autoconfiança, acabou traída pela espontaneidade. Ofendeu quem já estava sendo desrespeitado em seus direitos e/ou humilhado nos aeroportos. Deveria ficar por aí.


Impressionam, no entanto, a insistência e a violência dos ataques à ministra, as facilidades e os exageros comparativos, os estupros do bom senso cometidos nos últimos dias. Não é preciso ir muito longe para constatar a fúria machista recalcada na fala dos marmanjos.


Marta não é Maluf. Muita gente quis comparar a frase da primeira ao célebre ‘estupra, mas não mata’. Não faz nenhum sentido. Maluf se referia a um caso concreto de estupro seguido de morte quando formulou sua sentença singela. Alegar que ‘relaxa e goza’ tem como premissa a frase ‘se o estupro é inevitável’ equivale a usar uma verdade fora de contexto para produzir uma mentira como resultado. É ma-fé.


Goste-se ou não, boa parte da vida pública de Marta está ligada a posições avançadas sobre comportamento e sexualidade, ao esclarecimento e à emancipação da mulher e à defesa de minorias.


O auge do obscurantismo, o supra-sumo da boçalidade pertence a Alexandre Garcia, que no ‘Bom Dia, Brasil’ comparou o ‘relaxa e goza’ da ministra à inscrição ‘o trabalho vos libertará’, dos pórticos dos campos de concentração do nazismo. O deboche é o mesmo, disse.


Ainda somos um país de sorte. Seria bem pior se o jornalista Garcia fosse ministro da Propaganda.’


ENTREVISTA/ROBERT FISK
Sérgio Dávila


‘Não queremos uma relação séria com o Oriente Médio’


‘DE WASHINGTON – O Oriente Médio quer liberdade, mas é a liberdade de se ver livre dos ocidentais, pois o povo começa a perceber que estes não querem ter uma relação séria com a região, só proteger seus interesses. A opinião radical é de um ocidental, o correspondente de guerra britânico Robert Fisk, do diário ‘The Independent’, que vive ali há quatro décadas.


Fisk, 60, vem ao Brasil no mês que vem participar da Festa Literária Internacional de Parati (Flip), onde lança os livros ‘Pobre Nação’, sobre o Líbano, onde vive, e a biografia ‘A Grande Guerra pela Civilização’. É a sua segunda vez no país -esteve em maio de 2006, em evento comemorativo dos 85 anos da Folha.


Aviso ao leitor: esse repórter conheceu Fisk durante a Guerra do Iraque, no Palestine Hotel, em Bagdá, em março de 2003. Desde então, já conversou algumas vezes com ele e é o autor do texto da orelha de suas memórias.


‘Fico feliz por George W. Bush estar saindo logo mais. Tenho medo de que ele invada o Irã em 2008. Acordo todas as manhãs e penso: aonde esse homem nos levará hoje?’, disse ele, por telefone, à Folha, na tarde de sexta-feira. Leia a entrevista a seguir.


FOLHA – A política oficial do governo Bush para o Oriente Médio é espalhar a democracia na região. Os palestinos escolheram democraticamente o Hamas, o que levou ao atual conflito. O sr. acredita que haja um modelo único de democracia?


ROBERT FISK – [Irônico] Mas eles votaram nas pessoas erradas, esses palestinos! Veja, o Hamas não foi eleito porque eles queriam um grupo extremista no poder, mas porque queriam acabar com a corrupção do Fatah. Não é o modelo de democracia o problema, e sim o que há por trás dele. O mesmo ocorreu aqui no Líbano, que era considerado por Bush como o exemplo de que a democracia funciona na região.


O Hizbollah atravessou a fronteira de Israel e capturou soldados no ano passado. Em vez de tratarmos isso como um incidente, sério mas não no nível de uma nova Guerra Mundial, os israelenses começaram a bombardear pesadamente esse país, fazendo dos membros do Hizbollah heróis e permitindo que eles finalmente destruíssem um governo democraticamente eleito. E agora nós estamos vivendo as conseqüências de um país sem lei.


Ou seja, nós nos importamos tanto com a democracia do Líbano, até que o país começou a ser destruído por Israel, aí não ligamos mais. Agora, voltamos a nos importar. Uma libanesa xiita amiga minha me disse: ‘Eu nunca mais confiarei num estrangeiro’. Eu respondi: ‘Se vocês libaneses confiassem em vocês mesmos, em seus vizinhos, o tanto que confiaram em Teerã, Washington, Damasco, Tel-Aviv, vocês estariam mais seguros’.


FOLHA – O sr. vive aí há algumas décadas já. Qual o problema com o Oriente Médio? Há um problema só e um Oriente Médio só, como parece imaginar a maioria dos ocidentais?


FISK – As pessoas vão dizer que ‘é algo tão complicado que você não vai conseguir entender’.


Não é verdade. O Oriente Médio é claro, a história é clara, eles estão tentando sair de 100 anos de colonialismo, imperialismo, seja lá como você quer chamar. Ao mesmo tempo, não é tão simples quanto os governos ocidentais tentam fazer parecer. É um caso de justiça básica. Nós queremos levar a democracia a eles, mas chegamos com nossos veículos blindados, nossos ataques aéreos, como sempre fizemos, desde 1917, quando primeiro tentamos ‘libertar’ Bagdá.


As pessoas gostariam de viver em democracias, mas querem um tipo diferente de liberdade, ser livres de nós, e não temos a intenção de dar isso a eles. Não queremos ter uma relação séria com o Oriente Médio, não queremos dar o controle a eles. Colocamos nossos ditadores no poder, nós os pagamos, nós os armamos, mas nós os controlamos.


FOLHA – Mas o sr. exime o radicalismo islâmico?


FISK – O islamismo tem problemas, é uma religião literal ou de interpretação literal, se você preferir. Não se pode questionar o Alcorão, enquanto podemos debater o sentido da Bíblia quanto quisermos. Uma das razões para essa visão radical, creio, é que por centenas de anos o Oriente Médio esteve sob pressão do Ocidente. E você não debate Deus quando o inimigo está na porta. O Renascimento não aconteceu do mesmo jeito aqui. Mas, quando o mundo muçulmano tentou se modernizar, sob o Império Otomano, o que nós fizemos?


Nós os destruímos. Várias vezes nós jogamos esses jogos conosco mesmo e com o povo do Oriente Médio. Eu sei que liberdade de imprensa, educação do povo não estão nos padrões que deveriam estar nessa parte do mundo -talvez você possa dizer isso de alguns lugares da América Latina, também. Mas o fato é que as pessoas querem construir suas próprias sociedades. Mas nós queremos estar juntos, guiá-los, ensinar o que fazer, garantir que nosso petróleo esteja protegido. Nós não nos importamos com eles e eu acho que as pessoas aqui percebem isso.


FOLHA – É a ‘Guerra pela Civilização’, da qual trata seu livro?


FISK – Tirei o título de uma medalha que ganhei do meu pai, que lutou na Primeira Guerra Mundial, cujo lema era esse. É uma linguagem de estúdios de TV. ‘Terror’, ‘civilização’, ‘eles’, ‘nós’, ‘bem’, ‘mal’. Não sei de que maneira somos afetados pela linguagem quando lidamos com as complexidades de um mundo extremamente perigoso e violento, mas somos.


Durante a Segunda Guerra, [o premiê britânico Winston] Churchill e [o presidente americano Franklin Delano] Roosevelt falaram muito mais eloqüentemente do que os Bushes e os Blairs. E era uma guerra de verdade, 60 milhões de pessoas mortas entre 1939 e 1945. Sessenta milhões! Então acho que eles tinham um senso de realidade mais aguçado do que o que temos hoje.


Churchill disse uma vez que a verdade é tão preciosa que deve ser protegida por uma armadura de mentiras. Mas acho que havia então uma integridade na política, mesmo na guerra, que não existe agora, e que o uso de palavras como ‘civilização’ e ‘terror islâmico’ são moedas questionáveis. Assim como as palavras dos ditadores árabes, ‘mãe de todas as batalhas’ e outras. O que eu posso dizer?


Nós gostamos dessa linguagem, nós lutamos por essa linguagem.


FOLHA – O sr. afirma que se recusa a seguir a narrativa da história. Por que essa rebeldia?


FISK – Foi a maneira que escolhi para ser jornalista. Nós muitas vezes nos tornamos meros repetidores, como em ‘O primeiro-ministro disse…’, ‘O Departamento de Estado acredita que…’. Basta assistir a uma coletiva em Washington com o presidente. ‘Sr. presidente! Sr. presidente!’ ‘Sim, John’. ‘Sim, Bob’. Uma relação amigável, quase narcisística, entre jornalistas e o poder. Não deveríamos deixar nossos jornalistas ou nossos presidentes ou nossos primeiros-ministros nos dizerem o que é história e o que não é.


Veja o que estamos aceitando agora, que o Irã é perigoso porque tem armas nucleares. O verdadeiro perigo está no Paquistão, que já tem armas nucleares de verdade. Mas está ‘do nosso lado’, certo? E essas pessoas nos alimentam com as reportagens. Hoje, ‘Crise no Golfo’. Amanhã, ‘Guerra ao Terror’. Veja quão rapidamente adotamos as palavras, recolhemos essas palavras-lixo, repetimos e as tornamos verdadeiras. Fazemos o mesmo com todos esses líderes, pessoas que em muitos casos não têm nenhum conhecimento sobre o que falam.


FOLHA – Uma das críticas mais freqüentes e bem fundamentadas feitas ao sr. é a de que seu trabalho é muito pró-Oriente em geral e que o sr. é muito rápido em culpar o Ocidente por todos os males. Como responde a isso?


FISK – Veja o que escrevi sobre os Saddams e Arafats da vida. Sou bastante crítico a eles. Assim como à maioria dos regimes árabes. Como jornalista, você tem de estar do lado da justiça, do equilíbrio, da decência, tem de se posicionar. O Oriente Médio não é um jogo, onde você dá tempo equivalente para cada time. Não é um julgamento público, é uma imensa tragédia humana. Se estivéssemos cobrindo o tráfico de escravos no Brasil no século 17, nós daríamos o mesmo espaço ao escravo e ao traficante?


Em agosto de 2001, quando um jovem palestino se explodiu matando crianças israelenses, eu dei o mesmo espaço para os jihadistas islâmicos? Claro que não. A idéia de que nós temos de conduzir a cobertura de política estrangeira como se fosse um jogo matemático é absurda.


Temos de ter uma identidade moral como jornalistas. Quando vejo pessoas inocentes sendo bombardeadas, escrevo com simpatia pelos primeiros. Como deveria, por ser um ser humano. Tenho de ter o direito. Isso não quer dizer que você seja pró-arabe, ou pró-Israel ou pró-qualquer outra coisa.


FOLHA – Um dos casos citados como argumento para as críticas é aquela situação durante a Guerra do Afeganistão, em 2001, quando o sr. quase foi linchado por um grupo de afegãos e escreveu que entendia o que tinham feito e, no lugar deles, teria feito o mesmo. Ainda pensa assim?


FISK – A situação é simples: meu carro quebrou no meio de um grupo de refugiados cujas famílias acabavam de ter sido massacradas por um ataque de bombas de B-52s norte-americanos. E eu escrevi, de maneira franca, que se estivesse lá também daria uma surra no Robert Fisk. Isso tem sido repetido sem a referência ao bombardeio dos B-52s, como faz o ‘Wall Street Journal’. Em outras palavras, eu passo a querer que os muçulmanos linchem os ocidentais.’


INTERNET
Editorial


Supremo na internet


‘O SUPREMO Tribunal Federal (STF) finalmente deu o primeiro passo para a informatização dos processos judiciais ao lançar, na semana passada, o e-STF, que por ora funciona em caráter experimental.


A medida deverá proporcionar maior agilidade ao Judiciário. Hoje um processo em papel, depois de protocolado, pode levar meses para chegar às mãos de um ministro da corte. Com a informatização, a distribuição será imediata. Multiplique-se essa instantaneidade pelos vários atos processuais (juntada de petições, despachos, intimações) e se começam a vislumbrar os ganhos potenciais do novo sistema.


Por ora o e-STF é bastante restrito. Serve apenas para recursos extraordinários (contestação de decisão de outros tribunais que supostamente ferem a Constituição) que se dêem entre o Supremo e o Tribunal Superior do Trabalho (TST), os Tribunais de Justiça dos Estados de Sergipe e Espírito Santo e o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Estão de fora 92 cortes.


É preciso, portanto, torcer para que a experiência dê certo e se dissemine o quanto antes para outras classes de ações e para o conjunto do Judiciário.


É estranha a veemência com que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ataca a iniciativa. É positivo que a Ordem atue como contrapeso e faça reparos, visando a tornar o sistema menos suscetível a fraudes, à regulamentação proposta pelo STF. Mas parece exagerada a tentativa de bloquear a inovação por meio de sucessivas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins).


A internet é uma ferramenta que veio para ficar. Já é possível realizar através dela transações bancárias, comerciais, declarar o Imposto de Renda e até votar. Tudo isso com relativa segurança. Não há nenhuma razão para que não se possa também utilizá-la para agilizar a Justiça.’


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


Os dois ‘vilões’


‘Os representantes de Brasil e Índia, Celso Amorim e Kamal Nath, seguiam chamados sexta e sábado de ‘vilões’, no dizer do ‘Financial Times’, em editorial e reportagens apontando até ‘má fé’ -e fazendo eco à representante dos EUA, Susan Schwab, ‘surpresa’ com a suposta ‘rigidez’ de ambos na rodada Doha. Já o concorrente ‘Wall Street Journal’ manteve firme e significativa distância dos dois lados. E a conversa já passa a ser outra, com a americana dizendo à Reuters que o colapso não é ‘fatal’ e até ‘prova’ ao Congresso dos EUA que ela não cedeu, afinal, a um ‘mau acordo’ -e com Tony Blair apelando a Lula para não desistir.


Brasil e Índia, de sua parte, continuaram no ataque, com a notícia do ‘FT’ de que ambos ‘se opuseram a um novo tratado sobre direito de propriedade de TV’ bancado pelos europeus. No título, outro ‘colapso’.


‘Não é só questão de números. É de atitude. Os EUA não percebem que o mundo mudou’.


Do ministro indiano KAMAL NATH ao ‘Financial Times’, sobre o ‘colapso’ nas negociações comerciais globais.


OUTRA GLOBALIZAÇÃO


O ‘Wall Street Journal’ não dá atenção ao ‘apontar de dedos’ da rodada Doha, mas segue com emergentes nas manchetes. Na sexta, seu foco foi o sindicalismo chinês que, com o apoio do líder sindical americano Andy Stern ‘no bastidor’, forçou o gigante Wal-Mart, célebre por combater a organização dos funcionários, a ceder na China -assim como em países como ‘Brasil, México, Reino Unido e o Japão’. Foi uma ponte entre a central AFL-CIO e Pequim.


Por outro lado, o ‘Valor’, também na sexta, destacou na primeira página e em diversos textos que o sindicalismo daqui está se esvaziando pela proximidade com Brasília.


RACISMO E CORES


Mais um domingo sobre o racismo brasileiro na capa do ‘Miami Herald’. Em extensa reportagem enviada do Rio, a manchete ‘Racismo adquire muitas cores’ faz descrições cruas de como, por aqui, ‘passar’ por branco é ‘uma instituição nacional’. O texto aborda o líder negro Abdias do Nascimento como ‘ícone político’. E mais adiante ouve Míriam Leitão, da TV Globo.


‘PARA BRANQUEAR’


Em outro texto, o ‘Miami Herald’ diz que o ‘debate da ação afirmativa testa noções de raça do Brasil’ e questiona, novamente com crueza, os ‘estereótipos de indolência, atraso intelectual e tendência criminosa que permeiam o país’. Não deixa de fora, ao falar do debate hoje, a relação com a ‘engenharia social para branquear a população no século 20, para limpar a raça’.


WEB 2.0 VENDE A ALMA


O coletivo de sites de Web 2.0 Federated Media, que reúne o blog Boing Boing, só menor do que os chineses, o Digg, principal agregador social de notícias, e referências como o TechCrunch, fechou negócio com a Microsoft e passou a reproduzir, aqui e ali nos blogs, o novo bordão publicitário de Bill Gates, ‘people-ready’, preparado para as pessoas -esforço da Microsoft para se ligar à Web 2.0.


Desde que saiu no blog ValleyWag na sexta, a notícia é a obsessão da blogosfera, envolvendo seus principais atores. Para muitos, a ação desmoraliza a Web 2.0 ou interativa.


AQUI TAMBÉM


Não é só nos EUA que a Web 2.0 arrisca. O Interney, referência em blogs, postou uma promoção de ‘Quarteto Fantástico’. É um filme da Fox de Rupert Murdoch, que criou até site para ‘premiar’ os blogueiros brasileiros.


FRIAMENTE


Sobre Murdoch e sua oferta pelo ‘WSJ’, o próprio jornal deu na sexta e o ‘FT’ ecoou ontem que o magnata ‘reagiu friamente’ à proposta dos controladores para ‘proteção da independência editorial’ no caso de fecharem negócio.’


TELEVISÃO
Folha de S. Paulo


Público de série de TV cresce e envelhece


‘Estudo realizado pela Globosat (programadora de canais pagos da Globo) revela que é mito a idéia de que seriado é produto para jovens e adolescentes. O levantamento mostra que o público de séries não só vem crescendo ano a ano, como está se tornando mais ‘velho’.


Em 2003, de cada 100 telespectadores de séries no horário nobre da TV paga, 53 tinham mais de 35 anos. De janeiro a maio de 2007, essa proporção já tinha passado para 64 a cada 100 consumidores de séries. Diferentemente do que muita gente imaginava, as pessoas com mais de 50 anos formam o maior público de séries. Hoje, elas são 33% do total.


Em contrapartida, a participação dos mais jovens no perfil da audiência de seriados caiu. Em 2003, 17% dos telespectadores tinham entre 25 e 34 anos. Hoje, só 13% estão nessa faixa. Em 2003, 18% estavam na faixa dos 18 aos 24 anos. Em 2007, essa participação caiu para 13%. Já o público de de 4 a 17 anos, que eram 12%, atualmente são só 9%. A participação dos mais jovens é maior quando considerada a média de audiência de todo o dia (e não apenas do horário nobre), mas, mesmo assim, pessoas maiores de 35 anos dominam.


O estudo aponta ainda que a audiência de seriados cresceu mais de 50% entre 2003 e 2007. Só entre 2005 e 2006, o salto foi de 21%. A audiência aumentou mais do que a oferta de seriados, diz a Globosat.


MUSA DA HORA Paola Oliveira, recém alçada ao rol das estrelas de novelas da Globo (foi protagonista de ‘O Profeta’, fará participação no ‘Casseta & Planeta, Urgente!’, como uma professora ‘nova, bonitona e sensual’ do quadro ‘High Schoolacho Musical’.


REALISMO CRÍTICO 1 O prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, grava amanhã participação em ‘Vidas Opostas’, da Record. Ele dará sua opinião (contrária) sobre a descriminalização das drogas, respondendo a perguntas de personagens numa simulação de entrevista.


REALISMO CRÍTICO 2 A Record está tendo dificuldade para convencer políticos favoráveis à descriminalização. Convidado há um mês, o governador do RJ, Sérgio Cabral Filho, ainda não respondeu.


PASSARALHO Eleito novo presidente da TV Cultura com o apoio dos funcionários, Paulo Markun não nega que poderá vir a enxugar a emissora, que considera ‘obesa’. ‘Eventualmente, vai ter corte’, avisa o jornalista.


FORMATO 1 A Globo informou ao mercado publicitário informando que, desde 1º de junho, não aceita mais comerciais com duração superior a 60 segundos em todos os seus telejornais. Nos demais programas, essas peças terão que ser aprovadas previamente pela emissora.


FORMATO 2 No caso dos telejornais, em que os intervalos são curtos (costumam durar 90 segundos), o objetivo é tentar evitar que um comercial se destaque mais do que os outros.’


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