Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Ultrapassar limites, arruinar a saúde

O nadador brasileiro Cesar Cielo, de 21 anos, campeão olímpico nos 50 m livres e terceiro colocado nos 100 m livres nas Olimpíadas de Pequim 2008, fez declaração aparentemente madura ao jornal Estado de Minas: ‘O esporte pode melhorar tudo na vida de uma pessoa. A gente pode ter um país muito melhor através do esporte. Não tem nada de especial. É necessário dedicação e disciplina. E é o esporte que te dá isso, além de ser saudável’ (Estado de Minas, domingo, dia 17 de agosto, pág.31).

Seria oportuno, a partir das afirmações do atleta, discutir que a competição olímpica esconde os problemas sociais do mundo e influencia as pessoas a acreditarem em um ‘país melhor’. Além disso, reforça o mito da globalização, termo usado pelos países desenvolvidos para criar a falsa idéia de união e igualdade entre as nações.

A discussão deste artigo, porém, abarca a última parte da fala de Cielo: ‘além de ser saudável’. O esporte, como algo benéfico à saúde, é um conceito assimilado pela maioria das pessoas. Claro, é importante manter atividades físicas para cuidar do corpo. Mas quando a intenção de alguém é competir, principalmente um atleta com capacidade para disputar uma Olimpíada, a saúde é deixada para trás.

Muito esforço físico

Basta rememorar as histórias olímpicas e a rotina dos esportistas. Competidores que abusam de substâncias ilícitas em busca da vitória; atletas que se contundem freqüentemente devido aos treinamentos excessivos e a seqüência avassaladora de competições – uns não agüentam e abandonam torneios, outros passam por cima da dor para alcançar o sonho. Basta lembrar, também, a famosa alimentação, de 12 mil calorias por dia, do astro Michael Phelps, nadador dono de 14 ouros, em duas edições dos Jogos Olímpicos (Atenas 2004 e Pequim 2008). De fato, 12 mil calorias é algo incomum para uma pessoa.

Se o leitor continua incrédulo sobre o malefício do esporte de competição ao corpo humano, recorro, então, aos profissionais da medicina esportiva. Conversei com o médico da categoria de base do Clube Atlético Mineiro, Fabrício Bertolini, e ele, que trabalha com a saúde de jovens, confirmou minhas ressalvas. ‘Quando é de elite, o esporte, que requer resultados convincentes dos atletas e exige superação física e psicológica, ultrapassa a barreira da saúde e é prejudicial. A musculatura nem sempre resiste às necessidades do ambiente esportivo e as lesões tornam-se inevitáveis, mesmo com trabalho de prevenção’, admite.

Bertolini, interessado em falar sobre o assunto, ressaltou que os jogadores profissionais do Atlético treinam duas vezes por dia e jogam, no mínimo, duas vezes por semana. Já os mais jovens, têm uma carga um pouco menor, mas semelhante à rotina dos adultos. Sim, é muito esforço físico.

Cultura desastrosa

A busca incessante pela vitória na carreira esportiva obriga os atletas a se prepararem cada vez mais cedo. Conseqüentemente, os danos corporais aparecem de forma precoce. Para se ter idéia, o médico constatou, apenas no primeiro semestre deste ano, 85 contusões nas categorias de base do Atlético, com jogadores entre 12 e 18 anos.

Washington, jogador atleticano de 16 anos, me contou o vasto currículo de contusões: ‘Já tive várias lesões para minha idade. Este ano torci o tornozelo e machuquei a coxa. Mas acho isso algo normal no futebol, o sonho de ser jogador sempre revigora e nos ajuda a continuar.’

O sonho de ser jogador, judoca, nadador, ginasta… Não importa. Para ser campeão, é preciso ultrapassar limites. Bonito, mas não saudável.

Como se não bastasse, a mídia esportiva dá suporte à desastrosa cultura de que o atleta precisa sempre vencer. Tal pensamento colabora ainda mais para prejudicar a saúde do esportista, uma vez que ataca a parte psicológica e exige mais superação dos competidores.

Permanecer no limite

O judoca Luciano Corrêa, de 26 anos, do Minas Tênis Clube, foi medalhista de bronze no Mundial do Egito em 2005, ouro no Campeonato Mundial do Rio de Janeiro em 2007 e bronze no Pan Americano do Rio, também em 2007. Mesmo com tal aproveitamento, ao perder a primeira Olimpíada, em Pequim 2008, lia-se nos jornais: ‘Luciano Corrêa decepciona’.

Para piorar, no dia 15 de agosto, o site UOL publicou este título: ‘Com três bronzes, judô brasileiro fica abaixo das expectativas.’ Isso, mesmo depois de a judoca Ketleyn Quadros, de 20 anos, conseguir para o Brasil a primeira medalha no feminino individual em toda história olímpica. Ou Leandro Guilheiro, 25, e Tiago Camilo, 26, conquistarem medalha olímpica pela segunda vez. É incoerente a idéia do site.

Além do atleta de competição ter de prejudicar a saúde para atingir o auge, ele está sujeito a perder a glória devido a um único resultado negativo. E depois do ‘erro’, a rotina de treinamentos pesados retorna. Agora, faltam quatro anos para o esportista provar seu valor – que, na verdade, já foi provado em diversas oportunidades. O sonho volta à tona e o objetivo é permanecer no limite. Limite, termo muito bem definido pelo lendário Hunter Thompson, no livro Hell’s Angels: ‘É o lugar das definições.’

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Estudante de Jornalismo do oitavo período, Universidade Fumec, Belo Horizonte, MG