Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Um golpe contra o corporativismo na mídia

Num país onde impera a impunidade, os cinco minutos do Jornal Nacional de segunda-feira (18/12) com a denúncia contra o seu repórter que trabalhava para a máfia dos caça-níqueis no Rio constituem um marco histórico, divisor de águas. A imprensa deu o exemplo e mostrou que não se pode mais compactuar com a bandalheira nem com o crime. Bandido amigo é bandido, não merece complacência.


A mídia tem tratado com brandura os ilícitos cometidos pela mídia. Veja-se o caso de IstoÉ, pivô do Dossiê Vedoin, que recentemente homenageou o presidente da República e ninguém se espantou. A TV Globo ofereceu ao repórter José Messias Xavier o direito de defesa, aceitou o seu licenciamento, mas as gravações telefônicas do Ministério Público Federal eram irrefutáveis. [Ver abaixo as matérias do JN e links para os vídeos.]


Fim de carreira


Não colou a desculpa de que o repórter tentava infiltrar-se junto à máfia para denunciá-la. Num caso destes, o superior imediato deve ser avisado previamente, coisa que não aconteceu.


A demissão do repórter Messias Xavier e a extensa cobertura que mereceu da rede para a qual trabalhava representam um golpe de morte no compadrio e no corporativismo. Impossível desconhecer suas implicações. Doravante, deputados ficarão obrigados a punir colegas que cometeram infrações, militantes não poderão inocentar seus companheiros, nem autoridades podem esquecer que uma sociedade decente exige decência de todos. Sem exceção.


É doloroso assistir ao fim da carreira de um jovem profissional. Pior para todos, inclusive para o próprio, seria permitir que prosseguisse impune.


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MP divulga acusações contra 43 pessoas


[Copyright Jornal Nacional, 18/12/2006; vídeo aqui]


O Ministério Público Federal divulgou, hoje, o conteúdo das acusações contra 43 pessoas. Entre elas, policiais, advogados e um jornalista da TV Globo. São denúncias de venda de informações que serviriam para proteger quadrilhas que exploram máquinas caça-níqueis no Rio de Janeiro.


A guerra pelo controle das máquinas de caça-níqueis, no Rio, já dura mais de dez anos e provocou pelo menos 50 mortes.


O bicheiro Fernando Inácio trava uma batalha sangrenta com outro contraventor, Rogério Andrade. Os dois estão presos. Segundo os procuradores da república, eles eram protegidos por policiais.


O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra 43 pessoas. Foram feitos 19 pedidos de prisão, que começaram a ser cumpridos na sexta-feira. Ainda estão foragidos oito suspeitos.


Entre os policiais presos, estão alguns dos principais auxiliares do ex-chefe de Polícia Civil do Rio e deputado estadual eleito, Álvaro Lins. A Polícia Federal pediu a prisão preventiva dele, mas o pedido não foi aceito pelo Ministério Público.


Segundo os procuradores, Álvaro Lins vai continuar sendo investigado. O Ministério Público Eleitoral vai entrar amanhã com pedido de cassação do diploma de deputado.


Álvaro Lins negou as acusações e disse que vai esperar ser comunicado da ação do Ministério Público Eleitoral para se manifestar.


A investigação do Ministério Público e da Polícia Federal durou oito meses, teve filmagens e escutas telefônicas autorizadas pela Justiça, que mostram como funcionava o esquema de pagamento de propinas.


Em uma das conversas, um policial militar chamado Cadu negocia o pagamento com um dos integrantes da quadrilha, conhecido como Binho.




Cadu: Já me ligou e mandou você ver o negócio do 14 [14º Batalhão], do Helinho e da homicídio pra hoje. Ele vai lançar lá e falou que você sabe o que é pra mim levar lá. Que vem por fora, acho que é 5 mil pra homicídio, 5 mil pro Helinho e o dinheiro do 14.


Binho: Valeu, ta maneiro. Vou ver aqui com o contador.


Os procuradores da República dizem que a investigação vai continuar e outros crimes podem aparecer. A acusação, até agora, contra o grupo formado por policiais civis, militares, advogados, contadores e um jornalista é de contrabando e formação de quadrilha, crimes que podem dar até dez anos de cadeia.


 


Jornalista poderia estar recebendo dinheiro de quadrilha


[Copyright Jornal Nacional, 18/12/2006; vídeo aqui]


Entre os denunciados no esquema de proteção às máfias de caça-níqueis está o jornalista da TV Globo José Messias Xavier. O Ministério Público Federal afirmou, hoje, que há indícios de que ele recebia dinheiro da quadrilha.


Os procuradores do Ministério Público Federal dizem que o jornalista José Messias Xavier, da TV Globo, recebia um pagamento mensal da organização chefiada por Fernando Iggnácio, que está preso.


Segundo as investigações, Messias também repassava ao grupo de Iggnácio informações apuradas na polícia e na Justiça.


As escutas telefônicas, feitas com autorização da Justiça, mostram conversas entre Messias e o advogado de Fernando Iggnácio, Sílvio Maciel de Carvalho. Os procuradores dizem que o material comprovaria a existência de uma ligação contínua, estável e promíscua.


Os agentes federais acompanharam encontros entre o jornalista e o advogado, um deles registrado em uma fotografia, que faz parte da denúncia.


As escutas mostram intimidade entre o advogado Sílvio Maciel e o jornalista.




Messias: Se tu tiver, amanhã, pelo Centro vamos bater um papo.


Sílvio: Tem alguma novidade?


Messias: Tenho sim. É sobre isso que eu quero falar com você.


Em uma outra conversa, Messias avisa ao advogado que a Polícia Militar e a Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Draco) vão participar de uma operação no dia seguinte. Será contra o bicheiro inimigo, Rogério Andrade.




Messias: Fala amigo.


Sílvio: Oi, fala.


Messias: A operação vai sair amanhã aos trancos e barrancos.


Sílvio: Como?


Messias: Vai sair a PM e a Draco, igual dois alucinados, correndo atrás de nada meu irmão. A Federal se recolheu. Não vamos nem prender nem apreender nada.


Sílvio: Contra quem?


Messias: Contra Rogério Andrade, contra esses caras.


O jornalista diz que a operação vai fracassar por causa de suposta corrupção na Justiça.


Messias: Não vai dar em nada. É tudo vendido. Tá tudo na mão dos caras.


Um outro trecho mostra, segundo o Ministério Público, que Messias recebia dinheiro regularmente da quadrilha.




Sílvio: E aí? E o dinheirinho? Ajudou aí a importância?


Messias: Ah, com certeza. Sempre ajuda.


Sílvio: Quebra um galho.


Messias: É, isso aí, ajuda pra caramba.


Na denúncia, os procuradores citam uma outra conversa entre o jornalista e o advogado. Sílvio faz referência a presentes que Messias receberia todos os meses. De acordo com o Ministério Público, esses presentes seriam pagamentos mensais de R$ 1 mil.


Em outra conversa, em 17 de setembro, Sílvio pede para Messias fazer levantamentos na Polícia Federal, que pediu apoio a um batalhão da Polícia Militar.


Segundo o documento, messias diz que pode fazer o levantamento, mas que o pedido da Polícia Federal pode ter sido em função de um encontro da interpol, que acontecia no rio naquele momento.


‘Ele era uma pessoa que passava informações relevantes inclusive sobre expedição de mandados de prisão. Isso gerava na quadrilha uma disposição para fuga e para tirar documentos de locais, que poderiam ser objeto de busca e apreensão. Então, a participação desse informante se tornou muito relevante’, afirmou o promotor José Augusto Vagos.


O jornalista José Messias Xavier negou todas as acusações. Disse que vai abrir o sigilo bancário e fiscal e quer prestar depoimento em juízo.


José Messias declarou que tentou se infiltrar na quadrilha do bicheiro Fernando Inácio para entrevistá-lo e que pretendia escrever um livro sobre os bastidores da guerra dos caça-níqueis.


José Messias afirmou que mentia para o advogado de Fernando Inácio e que fingia ser amigo dele para se aproximar da quadrilha. O jornalista disse ainda que nunca recebeu dinheiro do bicheiro e que o presentinho mencionado nas conversas gravadas eram documentos.


A TV Globo não tem dúvida de que somente a Justiça, depois de uma investigação consistente, poderá concluir se o jornalista José Messias Xavier é culpado ou inocente dos crimes de que é acusado.


Mas diante do conteúdo das gravações telefônicas, está claro, para a TV Globo, que o comportamento do jornalista foi incompatível com as normas éticas da emissora. Por este motivo, a TV Globo decidiu, hoje, cancelar a licença que tinha sido concedida ao funcionário e desligá-lo da empresa.


 


Operação da PF prende policiais


[Copyright Jornal Nacional, 16/12/2006; vídeo aqui]


A guerra entre quadrilhas rivais que exploram o jogo, no Rio, já provocou mais de 50 mortes nos últimos dez anos. Policiais são acusados de participar da máfia e de dar proteção aos seus integrantes.


Esta foi a terceira grande operação da Polícia Federal em dois dias no Rio. Ontem, junto com a Polícia Militar, os agentes federais prenderam 75 PMs de cinco batalhões. Todos são acusados de vender drogas, munição, fardas e armas para traficantes.


A investigação começou há oito meses, a partir da suspeita de que imigrantes angolanos estariam treinando bandidos do Rio em técnicas de guerrilha. Mas durante as escutas telefônicas, autorizadas pela Justiça, foi descoberta a ligação entre policiais e bandidos.


Na outra operação, o Ministério Público Federal tinha pedido a prisão preventiva de 43 pessoas. Policiais militares e civis, contadores, advogados e um jornalista. Todos acusados de formação de quadrilha armada e contrabando de máquinas caça-níqueis, de acordo com escutas telefônicas autorizadas pela Justiça.


A guerra entre quadrilhas rivais que exploram o jogo nestas máquinas, no Rio, já provocou mais de 50 mortes nos últimos dez anos. Vários policiais são acusados de participar da máfia e de dar proteção aos seus integrantes.


Dos 43 pedidos de prisão, 24 foram negados. Um deles é o do jornalista José Messias Xavier, da TV Globo.


Segundo nota do Ministério Público Federal, o jornalista recebia mensalmente da organização criminosa para repassar informações sobre movimentações das Polícias Civil e Federal que pudessem atrapalhar os interesses da quadrilha.


A nota diz ainda que a participação do jornalista foi descoberta durante as investigações, a partir do monitoramento telefônico de integrantes do grupo de fernando Ignácio – um dos criminosos já presos – em especial o advogado Silvio Maciel de Carvalho, seu principal elo de contato, com quem mantinha freqüentes ligações telefônicas.


A polícia cumpriu mandado de busca e apreensão na casa do jornalista José Messias Xavier que nega as acusações. Ele diz que seus contatos telefônicos tiveram – e têm – como objetivo apurar informações jornalísticas sobre a máfia dos caça-níqueis ou sobre qualquer outro caso que justifique uma reportagem. O jornalista disse ainda que põe à disposição da Justiça seu sigilo bancário e telefônico.


Dos 19 mandados de prisão expedidos pela Justiça, cinco foram cumpridos ontem e hoje. Entre os presos, um ex-comandante de batalhão da PM, coronel Celso Nogueira, e o inspetor de polícia Fábio Menezes de Leão. Eles negam as acusações. Cinco dos acusados já estavam presos e nove estão foragidos.


A TV Globo confia em todos os seus funcionários e só se manifestará sobre o caso após o desenrolar das investigações. O jornalista José Messias Xavier vinha, de fato, trabalhando em reportagens sobre a ação da máfia dos caça-níqueis. Depois das denúncias, José Messias pediu licença de suas funções para que possa se dedicar á sua defesa e provar sua inocência, decisão com a qual a TV Globo concordou.