Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Um STF feito de arame farpado e algodão

Há bem pouco tempo, por ocasião do início da crise do grampo no STF, Gilmar
Mendes veio a público e em tom severo, de comando, chamou o presidente da
República ‘às falas’. Não faz muito tempo que Mendes disse no JN que o
MST é um movimento criminoso. Nestas duas oportunidades, o presidente do STF
emitiu opiniões públicas sem qualquer provocação processual formal.


Ontem [5/11], no JN, Gilmar Mendes disse que a decisão que cassou o
senador Expedito Junior (PSDB-RO) é clara e deve ser cumprida. O tom de voz
utilizado pelo presidente do STF não foi o mesmo utilizado nos dois episódios
acima referidos.


Decisão judicial só se questiona no processo. Quem não obtém no processo de
maneira lícita a suspensão de um comando judicial tem que se curvar ao império
da decisão proferida. O acórdão do STF não criou uma faculdade para o Senado,
mas uma obrigação. O descumprimento da decisão judicial que cassou o mandato de
Expedito Junior é crime (art. 330, do CP). Qualquer senador implicado na
desobediência deste comando judicial incorre em falta de decoro parlamentar e
pode perder seu mandato. O senador cassado pelo STF, que continua e exercer suas
funções, pode ser processado e condenado pelo crime tipificado no art. 359, do
CP.


Risco de uma armadilha


Este caso é bem mais grave que os dois inicialmente mencionados. Naquelas
duas oportunidades não havia decisão judicial; neste há. Os jornalistas, sempre
atentos às particularidades dos fatos que noticiam, deveriam estranhar o tom de
voz comedido e estudado que foi usado por Gilmar Mendes no JN. Mas, não.
Ninguém percebeu que o STF usa arame farpado para cercar uns e algodão para
combater outros.


Duas perguntas dolorosas. O presidente do STF só fala grosso quando quer
acusar o MST ou enquadrar o presidente da República? Gilmar Mendes tem medo que
o Senado faça uso do art. 52, II, da CF/88, para processá-lo e julgá-lo?


Este é um caso em que a liberdade de expressão se tornou uma armadilha. Se não ficasse tanto tempo se intrometendo em questões políticas e fizesse o que é necessário para fazer cumprir as decisões válidas do STF, Gilmar Mendes não teria dado ao Senado a oportunidade de colocar em risco a dignidade do Tribunal que preside.

******

Advogado, Osasco, SP