Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Um desserviço à educação brasileira

Ao longo dos seus 13 anos, o Observatório da Imprensa, sob direção do jornalista Alberto Dines, nas suas diversas versões (TV, rádio e internet), tem dado importância absolutamente secundária ao questionamento crítico da cobertura jornalística das questões educacionais brasileiras. Seja às editorias de educação em si, como ao impacto das questões educacionais nas demais editorias.

Uma incorreta e inadequada concepção de que a cobertura educacional diz respeito, sobretudo, a questões técnicas e específicas, objeto de uma precoce e questionável especialização jornalística, tem impedido sua regular e permanente problematização crítica, sob a perspectiva do interesse público global, através das diversas seções do OI (Imprensa em Questão; Jornal de Debates; Interesse Público; Monitor da Imprensa; Circo da Notícia; Armazém Literário; Feitos & Desfeitas; Caderno da Cidadania; TV em Questão; Diretório Acadêmico; Mosaico; Entre Aspas; Voz dos Ouvidores).

Ainda na década de 1990, o professor José Luiz Proença (ECA/ USP), sob supervisão do então sub-reitor Jacques Marcovitch, realizou amplo estudo intitulado ‘A participação da USP na produção jornalística’. Rastreando as diversas editorias dos dois maiores jornais paulistas (Estado e Folha), demonstrou as potencialidades inexploradas para pautas ‘universitárias’ inovadoras. Quer pela falta de pró-atividade das assessorias de imprensa universitária, quer pela superficialidade das coberturas tradicionais. A partir da própria experiência da ECA/USP (AUN-Agência Universitária de Notícias; Jornal do Campus), propôs ampla reorientação para atuação da Codac/USP (Jornal/Revista/Rádio/TV/Agência de Notícias/Banco de Dados).

De modo especial, quando se considera o jornal Folha Dirigida e seu grande impacto na área de educação brasileira, essa omissão do Observatório da Imprensa torna-se particularmente inaceitável.

‘Porta-voz de rabo preso’

Apresentando-se como o mais completo jornal especializado em educação, trabalho e cidadania, veiculado em periodicidade bissemanal, com tiragem de 150.000 exemplares por semana, através de cerca de 15 edições regionais (RJ; SP; MG; BA/SE; DF; PE; CE; AL; PB; ES; MA; PI; SC/PR/RS; outros estados), o grupo Folha Dirigida (Impresso/Online/Cadernos/Suplementos/Projetos Especiais) exerce ampla influência (direta/indireta; implícita/explícita) em questões de grande interesse público: políticas educacionais; vestibular; formação profissional; concursos públicos; mercado de trabalho; processos seletivos; cidadania.

As raízes históricas do grupo Folha Dirigida remontam ao percurso do seu criador/proprietário/publisher, Adolfo Martins, quando ainda na década de 1960, egresso de Araxá (MG), autodidata, apesar de rápida passagem na antiga Faculdade Nacional de Ciências Econômicas, após pequeno período na editoria de educação do Diário de Notícias, transferiu-se para o Jornal dos Sports, onde permaneceria por cerca de 25 anos (1968/ 1993) com o propósito de organizar um Suplemento Educacional (JS Escolar), iniciado através de uma badalada edição cultural dominical (‘O Sol’), amplamente distribuída nas praias cariocas.

Desde então, dada a necessidade de viabilizar publicitariamente a operação do JS Escolar, Martins abdicou de praticar qualquer tipo de jornalismo investigativo, voltado para atender as demandas informativas (explícitas/implícitas), concentrando-se em atuar como verdadeiro relações públicas/assessor de imprensa/lobbista de seus anunciantes (efetivos/potenciais), entre eles cursos pré-vestibulares, escolas/universidades particulares e, sobretudo, do Cesgranrio, sob liderança do professor Carlos Alberto Serpa de Oliveira, interessado na monopolização de concursos nacionais (vestibular unificado/governo militar; Enem; Enef; Provão), bem como da própria Degrau Cultural (comercialização de cursos e apostilas), na qual possui participação acionária familiar. Ou seja, ao invés de uma estratégia editorial dita ‘de rabo preso com o leitor’, pratica outra, ‘de porta-voz rabo preso com as fontes de informação/anunciantes publicitários’.

Sem fazer a lição de casa

Sua estratégia para viabilização da Folha Dirigida (1995/2009), organizada primeiramente em paralelo com o JS Escolar, baseou-se em conhecido cardápio editorial: manchetes sensacionalistas sobre concursos públicos e ofertas de emprego, muitas delas factóides noticiosos, voltadas para turbinar a leitura no noticiário pedagógico-educacional (cobertura factual; entrevistas doutrinárias; testes/simulados/provas) e subseqüente comercialização publicitária (anúncios; eventos; projetos especiais). Obteve assim, com mais destaque no RJ, grande exposição nas bancas de jornais (capatazias), por promover trânsito/circulação de consumidores, e venda das demais publicações e produtos aí expostas, permitindo-lhe assim capitalização para adquirir o antigo prédio do Diário de Notícias (Rua do Riachuelo), onde havia iniciado sua carreira carioca, operando gráfica/distribuidora própria, atraindo ampla clientela terceirizada (impressão/distribuição).

A Folha Dirigida tem sustentado em seus editoriais que ao defender o concurso público como panacéia para todos os males, numa viesada interpretação da Constituição Federal e Transparência Brasil, realiza amplo serviço de interesse público. Desconsidera, sem qualquer questionamento do Observatório da Imprensa, o caráter factual e superficial de suas pautas jornalísticas em relação aos próprios concursos de que noticia. Ao invés de tematizar, de maneira investigativa e contraditória, os mais diferentes estudos e avaliações críticas sobre a organização em tela (missão; estrutura organizacional; avaliação de desempenho global/setorial; política de recursos humanos – planos de carreira; padrão de atuação; processos seletivos; treinamento & desenvolvimento), sua cobertura limita-se a editais, testes e uma entrevista fria com algum dirigente institucional, realizada por repórter completamente desinformado, impedido de realizar questionamento contraditório, por não haver feito sequer a lição de casa (levantamento/estudo prévio sobre fontes/posicionamentos alternativos sobre a natureza/desempenho da organização em tela).

Press releases, notas, convites

Longe de aceitar a tese jornalística imediatista de que o candidato leitor só quer saber o que poderá cair na prova, a questão do concurso público envolve toda a problemática constitucional da máquina pública (governança/governabilidade/eficiência/eficácia/efetitivdade/controle externo/combate ao corporativismo), cuja compreensão contraditória é fundamental para o exercício da cidadania consciente, quer o candidato leitor venha a ser aprovado ou não no referido concurso.

Igualmente, sua cobertura educacional enfatiza noticiário empírico e factual, incapaz de explicitar grandes questões doutrinário-estruturais subjacentes às questões conjunturais e corriqueiras, impedindo assim ao leitor sua compreensão multifacetada, enquanto condição básica para o exercício da cidadania consciente. Adota-se, neste contexto, uma concepção esdrúxula de contraditório jornalístico: publica-se uma série de entrevistas temáticas (4ª capa do caderno de educação), com educadores de diferentes tendências, mas realizada sob a forma do magister dixit, dado o despreparo do entrevistador para discutir de maneira substantiva/investigativa/contundente as questões em tela. Neste contexto, o contraditório é limitado às cartas de leitores discordantes, ao invés de ser introduzido como dimensão central do próprio processo de produção jornalística (pautas/apuração). Dentro da perspectiva idealismo dialético, sem o aqui/agora, o discurso pedagógico-educacional esteriliza-se no dever ser, baseado em conhecida assertiva de Leonel Brizola: em tese, o papel aceita tudo!

Desde 1990, quando ingressamos na então Faculdade de Economia e Administração (FEA/UFRJ), temos tido oportunidade de acompanhar com proximidade a cobertura de Folha Dirigida sobre a antiga Universidade do Brasil. Seria um erro imaginar que essa análise pudesse estar sendo influenciada por haver tido interesses contrariados em suas coberturas jornalísticas. Ao contrário, durante todo esse período, temos recebido, tanto do publisher Adolfo Martins como de sua equipe, ampla receptividade para os mais diferentes/extensos tipos de publicações: press releases, notas, eventos, convites, entrevistas personalizadas…

Um case history

No entanto, com exceção da campanha eleitoral para reitor da UFRJ-2003, quando concorrendo como anti-candidato (chapas Aloísio Teixeira/Sylvia Vargas; Sérgio Francalanzza/Godofredo de Oliveira Neto; Luís Eduardo Potsch/Otto Rotunno), participamos de extenso, reflexivo, aprofundado e acalorado debate contraditório nas instalações da Folha Dirigida que, apesar de ocorrido em semana de feriadão (2/5/2003 – sexta-feira), teria grande impacto subseqüente na comunidade acadêmica, todas as demais coberturas realizadas por Folha Dirigida tiveram o caráter de jornalismo chapa branca: insípido, inodoro, incolor e anódino!

Há quem defenda que por razões de economicidade empresarial, só seja viável para publicações do tipo Folha Dirigida este padrão de atuação jornalística: repórter generalista, ausência de investigações prévias, sem conhecimento de causa para questionamentos substantivos (crítico/contraditório), foco de escrivão (registro de declarações e/ou transcrição de gravações) e produção de textos em série. Evidentemente, nesse contexto, nem pensar em qualquer tipo de staff especializado em documentação jornalística (JB-Depto. de Pesquisa; Dedoc; Arquivo Estado; Data Folha), capaz de produzir pautas investigativas fecundas, desafiantes e inovadoras.

Assim, não se percebe que conseguindo apreender/captar dimensões estruturais subjacentes aos fatos cotidianos, para o que o esforço prévio de investigação contraditória é condição fundamental, consegue-se uma amplificação significativa do material publicado, permitindo aumento de circulação/publicidade passível de gerar um círculo virtuoso entre os investimentos em apuração jornalística, capacitação profissional e desempenho econômico-financeiro empresarial.

De modo especial, a recente cobertura da equipe da Folha Dirigida (repórteres: Roberta Ribeiro Mitsui/Mário Boechat; editora de Educação: Belmira Brondani; publisher: Adolfo Martins) sobre a eleição para diretoria da Faculdade de Economia e Administração (UFRJ), iniciada através do envio de e-mail release da Agência Universitária de Notícias (Universitário Marcelo Martins Guimarães) parece-nos um rico case history sobre produção jornalística educacional brasileira.

Sem conhecimento da problemática

A despeito do mais amplo/benevolente/bem-intencionado espaço concedido à nossa candidatura e plataforma eleitoral universitária, pautando até entrevista de página inteira na 4ª capa do Caderno de Educação, a análise crítica desta situação parece-nos permitir estimular produtivo debate contraditório sobre as raízes e implicações destas práticas de jornalismo ‘chapa branca’ na área educacional brasileira, no âmbito do OI, objetivo principal do presente artigo.

De início, cabe destacar que o simples processo eleitoral para escolha de diretor de unidade universitária federal, bem como plataformas eleitorais e polêmicas divergentes entre candidatos, em tudo similares a outros tantos ocorridos cotidianamente no país, não constituiria matéria de intrínseco interesse jornalístico, em veículo de cobertura nacional (Caderno de Educação/Folha Dirigida – Edições 1741, 1743 e 1746 – abril/ maio de 2009). Ao contrário, poderia, sim, assumir inusitado interesse noticioso, caso conseguisse captar, subjacentes a fatos aparentemente corriqueiros (episódicos, isolados e momentâneos), dimensões universais, com ênfase pedagógica-educacional.

Lamentavelmente, toda essa equipe da Folha Dirigida/Caderno de Educação, sempre tão solícita em publicar notas e press realeses, sequer se interessou em tomar conhecimento/investigar criticamente as amplas fontes de informação/dossiês/memoriais/autos processuais disponíveis, a partir do que se teria tornado capacitada para avaliar o interesse em realizar fecundos debates/entrevistas contraditórias e questionamentos com conhecimento substantivo de causa. Desde os contatos iniciais, através de gravações telefônicas, seu pessoal de reportagem, ao invés de utilizar expressões como ‘apurando’ ou ‘investigando’, apresentava-se dizendo estar ‘escrevendo’ matéria jornalística para ser publicada em espaço pré-determinado, independente de qualquer avaliação/valoração/angulação, utilizando para tal modelo de questionário padronizado, redigido sem conhecimento intrínseco da problemática envolvida (aqui & agora), enviado previamente por-email.

Desinformação estrutural

Mesmo em semana de feriados prolongados (20 a 25/5/2009), teria sido possível realizar produtivo/aprofundado debate interpessoal/gravação de vídeo, na sede da Folha Dirigida, como ocorreu na referida eleição de reitor UFRJ-2003 (2/5/2008 – sexta-feira – duração: quatro horas – 10 às 14 hs). Ao contrário, a Folha Dirigida optou por realizar entrevistas com os envolvidos, sem possibilidade de contraditório por falta de prévia investigação substantiva (magister dixit), configurando o chamado jornalismo chapa branca (notas/ release) amplamente debatido no Observatório da Imprensa, dirigido por Alberto Dines, que deveria priorizar o monitoramento crítico regular da cobertura educacional realizado pela imprensa brasileira, com destaque para este jornal dada sua grande circulação nacional.

O principal paradigma que tem orientado a atuação do publisher Adolfo Martins, em termos de formulação de cenários futuros da Folha Dirigida, tem sido a experiência histórica de Allen H. Neuharth (Freedom Forum: free press, free speech, free spirit of all people), com destaque para a trajetória de sucesso do USA Today. Além de assistir seminários internacionais sobre o tema em companhia de sua filha e virtual sucessora (Andréa Martins), deixou perplexos alunos de administração da UFRJ ao sugerir, num Seminário de Ética Empresarial, como sua leitura básica e preferida, a biografia de Al Neurath: Confissões de um FdaP (Confessions of a S.O.B- Son of a bitch).

O publisher Adolfo Martins, apesar de buscar legitimidade, não como empresário/proprietário, mas como repórter/jornalista, enfatizando para isso ter sua mesa de trabalho principal localizada na redação, como sói acontecer nas diferentes empresas jornalísticas familiares, pratica uma política de recursos humanos paternalista/paroquial, enfatizando emulação de ego de pratas da casa, comprometidos psico-emocionalmente com interesses patronais, mantidos em níveis de desinformação estrutural/baixos salários, para que não possam competir com seu status de magister dixit (papai sabe tudo).

Interesse público geral

No entanto, os números da Folha Dirigida são impressionantes (circulação: 1,5 milhões de exemplares; estimativa de leitores: 5,1 milhões de leitores; site online: 1,2 milhões de usuários cadastrados/ 102 mil visitantes diários; 659 mil page-views diários – Fonte: IMD – 2004), demonstrando que potencialmente a criatura tende a superar amplamente o próprio criador, abrindo espaço para a mais ampla profissionalização, havendo interesse até de abertura de capital através de grandes agentes financeiros (IPO/Bovespa – Initial Public Offering).

Se Folha Dirigida adotasse um adequado programa de pautas jornalísticas/debates contraditórios sobre as organizações públicas/privadas e seus processos seletivos, sob a ótica da articulação com o sistema educacional (ensino médio, profissionalizante, universitário e pós-graduação), dado o interesse pragmático/imediatista de seu público alvo principal (desempregados reais/virtuais), se poderia atingir um impacto sem precedentes na modernização/democratização efetiva do aparelho de Estado brasileiro. Enquanto catalisador social, proporcionalmente superior a todo o investimento educacional nacional.

O Laboratório de Educação Estratégica Empresarial (Faculdade de Administração e Ciências Contábeis/ Universidade Federal do Rio de Janeiro), sob nossa coordenação científica, tem tido oportunidade de monitorar, entre outros projetos de pesquisa, o percurso histórico do jornal Folha Dirigida desde o início da década de 1990, por identificar aí grandes potencialidades inexploradas na área de articulação universidade/mercado de trabalho no Brasil.

Por isso, acreditamos que toda a comunidade do Observatório da Imprensa, sob a direção de Alberto Dines, poderia passar a realizar um monitoramento/avaliação crítica contínua da cobertura educacional (atual/potencial) dos jornais brasileiros, com destaque à Folha Dirigida, entendo seu conteúdo editorial, não com limitado a aspectos técnicos/específicos, mas sim, como de interesse público geral, passível de tematização nas diversas seções do OI.

De modo especial, visando a impulsionar esta tendência, nada melhor do que realizar uma seqüência de OI na TV dedicado a avaliar o status quo da cobertura jornalística de questões educacionais sob os mais diversos ângulos (concursos públicos/mercado de trabalho/sistema educacional/produção científica)!

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Laboratório de Educação Estratégica Empresarial, coordenador científico-pedagógico, professor adjunto e doutor, ADM/FACC/UFRJ