Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Uma imprensa supostamente imparcial

A dita ‘imparcialidade’ da imprensa vem sendo mais uma vez colocada à prova nas últimas semanas com o chamado ‘caso Renascer’ e os preparativos para a visita do papa. Não se trata aqui de entrar no mérito das acusações contra os fundadores da igreja evangélica mas, sim, de verificar a forma como a imprensa usa de dois pesos e duas medidas para aceitar uma ou outra definição de acordo com sua própria identificação religiosa.

Vejamos, por exemplo, a forma pela qual as matérias se referem aos acusados da denominação evangélica. Na maioria das vezes em que é citado, Estevam Hernandes é identificado como ‘bispo’, mesmo que a denominação o considere ‘apóstolo’. Nas vezes em que é tratado como ‘apóstolo’, a expressão vem sempre acompanhado de explicações como ‘chamado pelos membros de apóstolo’ ou ‘auto-intitulado apóstolo’.

Ponto de vista parcial

Mais uma vez, não se trata aqui de entrar no mérito mas, sim, de avaliar o comportamento supostamente imparcial da imprensa. Alguma vez, quando se refere à visita do papa ao Brasil a imprensa usou deste tipo de explicação? Algum jornalista usa a expressão ‘chamado pelos católicos de papa’ ou ‘auto-intitulado papa’?

Por que a imprensa aceita que este seja simplesmente papa e aquele não seja simplesmente apóstolo?

É claramente uma manifestação de total crédito inquestionável a uma definição e total descrédito à outra. E isto, podemos considerar como adoção de um ponto de vista predominantemente católico, ou totalmente parcial.

Livro de Efésios

Uma rápida busca pela base bíblica para a adoção das definições papa e apóstolo revela que a opção apostólica tem muito mais fundamento.

Enquanto a palavra papa simplesmente inexiste nas escrituras sagradas, a definição apóstolo é repleta de citações, inclusive uma bem direta, no livro de Efésios, a qual diz que o próprio Jesus Cristo deu o dom de apóstolo para alguns, com o objetivo de estruturar o funcionamento da igreja. Vejamos o texto literalmente:

Efésios:

4:7 – Mas a cada um de nós foi dada a graça conforme a medida do dom de Cristo.

4:8 – Por isso foi dito: Subindo ao alto, levou cativo o cativeiro, e deu dons aos homens.

4:11– E ele deu uns como apóstolos, e outros como profetas, e outros como evangelistas, e outros como pastores e mestres;

4:12 – tendo em vista o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo;

4:13 – até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, ao estado de homem feito, à medida da estatura da plenitude de Cristo;

Opção religiosa

Em outra passagem, até Pedro, tido pela tradição católica como o primeiro papa, se auto-identifica como apóstolo.

1:1 – Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo, aos que conosco alcançaram fé igualmente preciosa na justiça do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo.

Um dos argumentos que pode ser usado contra a adoção da terminologia apóstolo é uma possível interpretação de que somente aqueles homens que foram contemporâneos a Jesus podem ser tratados por este título.

Seria uma chance de justificativa para a imprensa, mas que não justificaria a adoção da expressão papa passando por cima da ordem expressa no evangelho de Mateus, por intermédio do qual, em seu capítulo 23, no versículo 9, Jesus determina: ‘E a ninguém sobre a terra chameis vosso pai (ou papa, em italiano); porque um só é o vosso Pai, aquele que está nos céus.’

Diante de tudo isto, fica claro que não existe argumento possível para usar livremente papa e eliminar simplesmente apóstolo, exceto por opção religiosa explicitamente de acordo com as normas do Vaticano, professada pela imensa maioria dos veículos de comunicação no Brasil.

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Jornalista, São Caetano do Sul, SP