Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Uma população sem capacidade de indignação

A necessidade de uma efetiva participação da população nos temas atuais, que dizem respeito tanto ao modo de vida como ao posicionamento frente aos acontecimentos que permeiam o cotidiano social e político, carece, no mínimo, de uma revisão aprofundada para que seja estimulada. A passividade crônica, notória na inanição dos acomodados, configurou-se como uma intransponível parede de contenção. A gravidade atualmente pode ser observada no movimento não apenas de aceitação, mas também num injustificável sentimento de gratidão, como se já recebêssemos muito mais do que merecíamos ou do que nos poderia ser feito.

A corrupção, que efetivamente é algo arquitetado implicitamente, recebe a condenação da opinião pública e dos meios de comunicação quando é denunciada ou descoberta, porém a indignação não ultrapassa o limite dos comentários vazios, destinados ao vão do esquecimento e que só fazem reforçar a nossa trágica imagem de desmemoriados. Chama a atenção o esforço que existe para que a população se sinta esperançosa, contida nas ilusões dos efêmeros momentos de alegria e sensação de que tudo irá mudar espontaneamente, bastando apenas a correta aplicação da sua fé diante das dificuldades. Esforço este que identifico na construção midiática de super astros e de “ídolos” que venceram as intempéries da vida e num golpe do destino alcançaram o merecido lugar ao sol. Dessa forma transfere-se toda a responsabilidade dos governantes para o pobre infeliz que nasceu sem talento ou que não foi agraciado pela benevolência dos deuses.

Carência de capacidade de questionamento

Enquanto sonhamos acordados, as decisões são tomadas e os nossos caminhos são traçados por usurpadores de direitos. Os que se automuniciam modificando a constituição às suas necessidades, concedendo a si mesmos aumentos salariais incompatíveis com o nível de miséria e indigência a que eles mesmos nos submeteram, criando uma diferença abissal entre os detentores da renda no país, são os mesmos que necessitam do aval populacional para ocupar os cargos públicos e gerir nossos destinos. Passamos uma procuração aos nossos algozes e nos calamos frente a toda falta de iniciativa quando os direitos básicos garantidos pela constituição nos são negados. A descompatibilidade do salário parlamentar é uma corrupção aberta, concedida e embasada justamente por quem é o maior prejudicado. Perdemos a capacidade da indignação, ou melhor, permitimos que ela nos fosse gradativamente arrancada.

A comunicação no Brasil, seja a jornalística ou a publicitária, atualmente é reconhecida como uma das melhores no mundo. É notório o seu prestígio e importância dentro de um sistema em que eles são necessários e que contribuem com a parcela que lhes cabem, mas acreditar que esses meios são utilizados em prol de quem realmente precisa só reforça a nossa carência de capacidade de questionamento.

“Nos tornamos indiferentes?”

Enquanto os meios jornalísticos em sua maioria estão ligados umbilicalmente a grupos políticos partidários, defendendo interesses pessoais em troca de favorecimentos; os meios publicitários – como se necessitassem a todo o momento reafirmar a sua natureza capitalista – não demonstram nenhum pudor em propagar as ideias dos seus contratantes, independente da finalidade ou das consequências aos seus receptores.

Ainda assim, é nos meios de comunicação que reside à possibilidade de uma revolução. A mobilização social depende dela, como também necessita de um longo prazo pra que se estabeleça. Ações altruístas dos formadores de opinião são indispensáveis para conscientização e erradicação da alienação, mas para isso a mídia precisaria ser revista, potencializando a sua capacidade informativa em detrimento da sua vocação manipulatória.

“Observo hoje uma falta de indignação coletiva./ Os valores morais que alicerçavam a sociedade mudaram/ ou fomos nós que mudamos ao nos tornamos indiferentes?” (Plínio Lopes Jr.)

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[Cláudio Alexandre Pereira de Sousa é funcionário público, Salvador, BA]