Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Uma tristezinha no peito

Dia desses, almoçando com os amigos no Butkim das Estrelas (um ótimo bar dentro do Retiro dos Artistas), uma frase me saiu da boca assim, sem querer. Um suspiro em voz alta:

– Eu ando tão triste ultimamente.

Pois é: falei. E olha que o espanto que causou foi tão grande que até eu me assustei. Todos queriam saber o porquê e aí a coisa se complicou mais ainda. Eu não sabia o motivo. Era apenas a expressão de um estado de alma. Verdadeiro. Melancolia, tristezinha (diria Vinicinhos de Moraes), mas uma tristeza duradoura, profunda, sabe lá.

Causou tanto espanto uma declaração interior que fiquei preocupado e comecei a travar um diálogo ‘de mim para comigo mesmo na figura de eu próprio’. Diálogo de espantar Platão. Se, aparentemente, as coisas estão nos eixos, por que da tristeza? A família vai bem, obrigado. O trabalho muito bom. Entusiasmo com a vida, mas e essa tristezinha… O que será?

Comecei a reflexão já pensando se não seria a mesmice do dia-a-dia. As coisas meio sem graça. Começando pelo jornal que se lê. Já viu como estão os jornais? O José Wilker, lá pelos anos 1970, dizia que jornal só muda a data. Hoje, nem isso parece que muda. Os personagens se repetem, as notícias se repetem. Chega a noite e a sensação de que foi ligado o replay da televisão e lá vem tudo de novo (velho), agora com imagens. Isso pode dar uma certa tristezinha. É como se o mundo não seguisse adiante. Até o papa, coitado, tá lá. Vai e volta, vai e volta.

Histórias mal contadas

Agora o que é pior é a falta de desfecho: já pensou a confusão que daria se as telenovelas resolvessem copiar o noticiário? Começa uma novela. Elenco de ouro, cenários maravilhosos, personagens interessantes e um mês depois a novela sai do ar, sem explicação, sem desfecho, sem final feliz ou infeliz. Simplesmente sai do ar e entra outra, com outros personagens e outras histórias. É o fim.

E, se pararmos para reparar, é isso o que acontece o tempo todo nos noticiários. A mídia faz denúncias com direito a Polícia Federal, algemas, colarinhos brancos, bilhões de dólares, pastas, arquivos, contas secretas e bombaaaaaaa. Durante um período que varia entre 15 e 30 dias, o assunto permanece invadindo a vida da gente e, de repente, sem aviso algum, vem outra série de reportagens. Ninguém sabe como terminou o ‘causo’, quem morreu, quem foi preso ou que fim levou.

O pior é que não dá nem para pedir o dinheiro do ingresso de volta. Minha mente, e com certeza a sua também, está cheia de histórias mal contadas, sem pé nem cabeça, sem fim, não importa se feliz ou não.

Bola pra frente

As notícias são tratadas como produtos. Jogadas no mercado para ver se agradam. Se derem pontos no ibope são mantidas, se não agradam, são tiradas do ar. E nós aqui, ficamos a ver navios.

Isso tudo só porque eu queria saber o motivo da tristeza. Nem sei se tem relação, mas confesso que até me alegrei um pouquinho ao escrever sobre isso. É verdade. Lembra que o tal do cotidiano (‘todo dia ela faz tudo sempre igual, me sacode às seis horas da manhã’) era sempre o responsável pela angústia do ser humano? Era necessário não deixar a rotina apodrecer as relações? Repetição era reacionarismo? Progresso era inovar sempre? Nada de papai-mamãe?

Pois bem, eu concordava na época e concordo agora. A diferença é que na mesmice da nossa vida podemos dar um jeito. Chama a companheira para conversar, inventa uma viagem, espanta a monotonia. Faz-se um caminho diferente, compra outro CD, reage. A vida é nossa, vamos viver. Mas a mesmice da sociedade, essa é fogo. Não temos controle. Toma um Severino goela abaixo e que se dane. Eu não quero, juro que não quero, saber da Cicarelli, do fulano, da beltrana. Não, não quero saber e sou invadido todos os dias por eles. Que tédio! Que chatice!

Eu quero escolher meus assuntos, meus temas, meus poemas. Xô chatice, sai pra lá, Lacraia. Pode ser desculpa, sei lá. Prometo que vou me aprofundar melhor e mais serenamente no assunto, mas por enquanto bastou. Acho que tudo o que coloquei aí anda me deixando um pouco triste: vou reagir. E enquanto não terminar a ditadura do sucesso, do ‘tudo bem’, do universo midiático (ô palavrinha feia), eu prometo que vou segurar minha onda e nunca mais dizer na hora do almoço, em pleno Butkim, que ando meio triste. Juro que não. Afinal, não pega nada bem andar triste em plena folia. Tristeza não dá ibope, nem mídia, só uma tristezinha no peito, mas vamos em frente que atrás vem gente.

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Ator