Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Vacilo na cobertura de crime hediondo

Na edição do Fantástico do dia 16 de julho de 2006, o programa apresentou a matéria ‘Os bastidores de um seqüestro’, do menino Lucas, de 6 anos, que há 60 dias estava em poder de seqüestradores num cativeiro na Zona Leste de São Paulo. Até então nenhuma novidade, pois o Jornal Nacional havia transmitido a mesma informação (do mesmo jeito) no dia 11 de julho.

A chamada ‘Os bastidores de um seqüestro’ atraiu minha atenção. Achei que novos fatos viriam à tona. Pura ilusão. Nada além do que já havia sido transmitido no Jornal Nacional foi apresentado. Simplesmente nada. Mas por que não revelar a trama do advogado (vizinho da vítima) que com mais 12 pessoas tramou o seqüestro?, questionei. Será que o envolvimento de mais um profissional do direito com o crime organizado não mereceria uma cobertura decente? Tiveram cinco dias para fazer novas apurações e esclarecer os detalhes do caso. Mas não, preferiram as lágrimas da família e o sensacionalismo policial.

Acharam melhor retransmitir o resultado da atuação da Polícia Civil de São Paulo, que mais parecia a comemoração de bandidos afoitos disparando tiros para alto. Um sensacionalismo simbólico das edições hollywoodianas, quando para uma típica cena cinematográfica de resgate só faltou música de fundo para trazer mais emoção ao ato dos policiais. Mas e o jornalismo, onde foi parar nisso tudo? Será que definitivamente virou um show de imagens? Ou será que aquilo era uma forma de dar uma resposta aos bandidos que estão espalhando uma onda de terror na cidade?

Substância às vezes

A verdade é que o tiro pode sair pela culatra e, em vez de uma insinuação ofensiva de poder da polícia, isso pode se transformar em provocação ao poder dos traficantes. E é sempre a população quem sofre, já que mais mortes poderão vir a acontecer e mais ônibus podem ser queimados. Voltando ao caso Lucas, não me conformo com a reles reportagem exibida pelo Fantástico. Uma simples repetição. Hoje, dia 17, descobri que a mesma repórter que participou da matéria do Fantástico seria uma das testemunhas dos irmãos Cravinhos no caso do assassinato do casal Richthofen. Eis que ela estaria lá, no tribunal, sendo uma das testemunhas e tendo acesso VIP ao julgamento. Poucos teriam tamanha chance de levantar as melhores informações sobre o júri da Suzane Richthofen e dos irmãos Cristian e Daniel. O que talvez venha a ser o típico exemplo de um bom jornalismo. Mas por que, meu Deus, por que a repórter não investigou o advogado que tramou o seqüestro do garoto Lucas? Por que não revelar o local onde o garoto ficou por dois meses?, insisto no questionamento.

Certamente o assassinato do casal Richthofen foi um crime brutal e hediondo; faz jus a uma cobertura exemplar da mídia. Fato que acontece de forma exaustiva pelas emissoras de TV. Mas um seqüestro também é crime hediondo e merece cobertura à altura. A certeza que fica é que alguns casos têm cobertura jornalística com substância e outras não passam de apresentações medíocres. Na guerra da mídia pela audiência, o público fica refém do jornalismo mediano das emissoras.

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Formando em Jornalismo, assessor de imprensa da Associação dos Supermercados de Brasília