Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Viva essa apatia!

Não quero ser estraga-prazeres, mas é inegável que a cobertura dos jogos Pan-americanos construiu um ‘mundo de faz-de-conta’ no Rio de Janeiro. Não pela torcida emocionada do público com o esforço e as conquistas da delegação brasileira, que representou de forma brilhante um país que ainda maltrata seus atletas (por falta de patrocínio), nem pela organização dos jogos, mas pelo show orquestrado com destreza pela mídia.

Envolvida pela aura dos Jogos e enfurnada nos ‘parques de diversões’ de primeiro mundo, onde estão as principais instalações do evento, a imprensa ficou inebriada em demasia com a magnitude do Pan, a ponto de esquecer as pautas menos ‘contagiantes’, mas extremamente propícias. À cobertura dos veículos impressos, caberia uma posição mais crítica a respeito de assuntos fundamentais que cercavam a realização do Pan Rio 2007, como o orçamento astronômico dos jogos, a falta de apoio de governos e empresas aos atletas, a discrepância vergonhosa entre o cuidado com esse evento esportivo e o descuido com o cotidiano da população, a falta de estrutura de transportes, as promessas não cumpridas de despoluição da Baía de Guanabara e tantas outras questões, além do problema da violência (que saiu das páginas dos jornais para evitar maiores incômodos).

Humor negro

A imprensa optou por embarcar no mundo mágico do Pan e dar uma mãozinha na produção seriada de heróis do esporte nacional, lançados ao estrelato com alarde. O problema não é o destaque dado ao Pan, mas a negligência com o contexto em que ele foi realizado. A imprensa fez uma cobertura míope, não enxergou longe, e acabou produzindo um espetáculo ufanista, que nos fez vibrar com a beleza do esporte, mas esquecer dos problemas que flagelam a sociedade.

Somos medalha de ouro na arte da recuperação de auto-estima. O Pan caiu como uma luva para desviarmos o olhar da guerra que vivemos na cidade da beleza e do caos. Por que não esconder o caos por alguns dias e curtir as belezas intrínsecas da cidade maravilhosa? Pensando bem, seria um ‘saco’ falar de problemas enquanto celebrávamos o sucesso na organização de um grande evento como o Pan. A cobertura ficaria chata e chatice talvez não vendesse tanto jornal quanto o mundo encantado dos Jogos Pan-americanos. Peço perdão pelo humor negro, mas o slogan dos jogos deveria ser um pouco diferente. Que tal ‘Viva essa apatia’?

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Estudante de Jornalismo, Niterói, RJ