Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Vossa excelência

Na redação do jornal de cidade pequena, o pessoal examinava a matéria que alguém devia escrever sobre a decadência do Senado.

‘Você já sabe o que dizer? Viu a sessão de ontem?’

‘Escreve você, eu ando meio desanimado com esse assunto.’

‘Eu, hein! Meu negócio é futebol, cara. Só faço esporte…’

‘E você, Laura, encara essa? Eu não estou a fim.’

‘Não. Fico com a gripe suína e a lei antifumo. Tenho também aquela safada que sonegou onze milhões e a devolução do lixo inglês. E a crônica policial que está pesada. Deixa para o Juca.’

‘Não tenho tempo. Vou cobrir o festival de cinema e o rodeio. Mas posso fazer um poema sobre os peitos da Laura. Quer?’

‘Por que você não sugere fechar o Senado? Tá na boca do povo, ninguém agüenta mais essa roubalheira descarada. Pouca vergonha!’

‘Não, colega! De repente os militares levam a sério… Por muito menos eles deram o golpe em 64. Melhor deixar quieto.’

‘Procurando os podres uns dos outros’

‘Tão espalhando pela internet que é para ninguém votar nos atuais senadores, deputados, políticos em geral. Para rejeitar todo mundo. Votar só em novos candidatos, limpos e competentes. Não dá pra aproveitar essa idéia?’

‘Besteira. Vão entrar os filhos, netos e cupinchas dos atuais. Você sabe que não existe renovação nesse país, nunca houve. Os ressuscitados sempre voltam, eles são a redundância da política. É perda de tempo.’

‘Então pede a renúncia coletiva de todos os parlamentares.’

‘O melhor assunto é a quebra de decoro. É o que se vê por lá, não escapa um. Escreve isso. Fala da blindagem do Sarney, do troca-troca de acusações, o Lula arrependido em cima do muro, a corrupção generalizada.’

‘Sujeira é o que não falta naquela Casa. Não se fala em outra coisa. Todo dia! Precisava uma boa faxina. Mas já perdeu a originalidade.’

‘Perde a originalidade, mas não perde a atualidade…’

‘Agora estão revirando o arquivo morto, procurando os podres uns dos outros, todos com o rabo de palha pegando fogo. Perderam a pose!’

‘Daqui não saio, daqui ninguém me tira’

‘Falta de ética! Essa merda de ética, como eles dizem.’

‘Aposto vão arquivar os processos do Sarney.’

‘Deviam arquivar ele, ora! No arquivo morto.’

‘Esse é o resumo da nossa política. Escreve isso.’

‘O Senado tirou as calças e mostrou a bunda para o povo.’

‘A bunda está suja. O povão está ofendido.’

‘Eles estão `se lixando´ para a opinião pública.’

‘Qual é o título do artigo? Já escolheu?’

‘Estou precisando de um título bom, bem chocante.’

‘Põe `Bate-boca´, pois é só o que eles fazem.’

‘`Pega-pra-capar´ fica mais coerente.’

‘`Roupa suja´ é melhor, estão lavando em público.’

‘`Daqui não saio, daqui ninguém me tira…´ Com música, em homenagem ao Sarney. Pergunta ao professor Rafael, ele está chegando.’

‘Mandaram engolir, digerir, enfiar’

‘Fala mestre, me dá um título.’

‘Um título? Depende, qual é o conteúdo?’

‘Não tem conteúdo, é sobre o comportamento do Senado.’

‘Então tem que ser um palavrão. Era só isso que eles falavam ontem, uma xingação federal!’

‘Trocavam insultos aos gritos, até pararem com a sessão.’

‘Pois é… Título que cai bem é só um bom palavrão mesmo!’

‘Teve cangaceiro, dedo sujo, filho dela, não faltou nada.’

‘Usaram todos, mandaram engolir, digerir, enfiar…’

‘O pior palavrão’

‘Tem certeza que eram senadores?’

‘É como são chamados, né?’

‘Já sei! Já sei qual é o pior palavrão. Pronunciavam sem o menor escrúpulo. Era o primeiro que xingavam, aos gritos e apontando o dedo na cara do outro. Vai ser o nosso título, tá escolhido.’

‘E qual é? Diz aí.’

‘É… Vossa excelência. Eles se xingam de Vossa excelência!’

‘Ha, ha, ha…’

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Contador e administrador aposentado, Valinhos, SP