Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Perdidos na viagem

Quem não se lembra das grandes enciclopédias ou não tem em casa um acervo desses pesados livros? Recordamos também dos exercícios na escola, que demandavam pesquisas nessas coletâneas e nos faziam viajar pelos verbetes espalhados por inúmeros volumes? Ah!, tempo bom, pelo menos aos com mais de duas décadas de vida. O modelo de estudo não nos tirava das bibliotecas. Hoje, simplesmente com uma única busca no Google e o acesso aos hipertextos – forma de escrita não linear na informática –, tudo se resolve. Tornou-se fácil fazer a “tarefa de casa”.

Não sou avesso à tecnologia, ao contrário, um fascinado com a evolução e abertura de novas possibilidades ao mundo real, nos mais diferentes campos. Todavia, preciso reconhecer que o desenvolvimento do processo tem “desmaterializado” produtos e, consequentemente, sensações e sentimentos. O que reconhecemos no tato, em uma boa parcela, são telas (touchscreen) de nossos dispositivos móveis, dos e-books, bem como o teclado e o mouse do computador.

Desde que o pioneiro da tecnologia da informação Theodore Nelson, em 1960, “abonou” o termo hipertexto, uma série de contradições foi disseminada, entre autores, com relação ao formato em que ele se emprega. Para alguns, o hipertexto só ocorre no ambiente digital. Para outros, pode estar nos impressos e outras mídias sem a utilização do ambiente virtual – jornais, revistas, livros, manuscritos, documentos do Word.

Vou aderir a esse último grupo. Além do contato na educação, considerando esta tipificação, acredito que um dos primeiros hipertextos a que tive contato é um antigo livro de receitas da mamãe, elaborado à mão, que traz os melhores pratos já apreciados e muitos segredos, trocados entre família e amigos. Cheio de anotações e referências, mesmo que sem uma adequada organização, nos fazia migrar de uma página à outra, já que seu índice se limitava a “doces” e “salgados”. Hoje, mesmo digitalizado – do qual tenho uma cópia –, muitas vezes, o exemplar acaba substituído, com todo respeito, por uma “googlada” para as experiências na cozinha.

Fase madura

A multimidialidade gerada no ambiente digital é incrivelmente fascinante. Vídeos e sons casam-se com as letras neste cenário não linear de leitura e nos tornam mais próximos da realidade. Porém, limitam a ousadia e a criação. Entregam tudo pronto. Ao mesmo tempo, são tantos hiperlinks nas páginas, que somos instigados a navegar. Com este efeito hipertextual no ciberespaço, nos sentimos motivados a seguir, sem rota predefinida, com vistas a tornar flexível o espaço e o tempo – hoje tão fragmentado –, em relação à construção da leitura.

Os impressos, por exemplo, em suas notas de rodapé, sumário e nas chamadas de capa de um jornal, ordenam manuseio para localização de página ou exemplar no qual se encontra a informação complementar que facilitará o entendimento do texto. Recordo-me dos estudos nos ensinos fundamental e médio, em Álvares Machado (SP). Se quiséssemos nos aprofundar nas informações, precisávamos percorrer catálogos ordenados alfabética ou numericamente ou, então, através de classes e subclasses, separar os exemplares, para encontrar o conteúdo. A condução era morosa, mas certeira.

O hipertexto digital favorece a navegação em um só clique. O formato on-line permite o acesso a amplo conteúdo, sem ao menos exigir o deslocamento da frente da tela do computador. A multimidialidade nos impulsiona a acessar outras fontes que nos servem de referência. Na educação, por exemplo, amplia a ferramenta de ensino, mas pode nos levar a um caminho sem retorno. O ponto de partida fica tão distante que desnorteia o aprendiz.

Embora estejamos na era “web 2.0”, uma fase mais madura e encorpada da internet, é necessário atenção ao consumo. Qualquer cidadão publica o que quer no ambiente digital (mídias sociais, sites, blogs) e nem tudo é informação de pesquisa. Não vamos considerar o plágio e o “internetês” propagado. Melhor deixá-los para uma próxima abordagem. Ofertar a ferramenta de ensino, mas não ensinar seu uso fará da proposta pedagógica um verdadeiro fracasso.

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Leandro Nigre é jornalista formado, pós-graduando em Mídias Digitais Interativas e editor de O Imparcial, de Presidente Prudente (SP), afiliado à Associação Paulista de Jornais