Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Pequenas redações podem se tornar grandes ao cobrir fatos importantes

Tradicional sede de eventos e campos de golfe, o resort de Pinehurst, na Carolina do Norte,abrigouem junho seu terceiro “US Open” e o quarto “US Women’s Open Championships”. Ojornal da comunidade se deparou com a presença de 400 mil espectadores e com a chegada de centenas de jornalistas. Com apenas duas edições semanais, o jornal não teria condições de levar a seus leitores todas as notícias sobre os torneiros de golfe que dominariam a vida local durante duas semanas. E, por isso, seus editores prepararam, como em outras ocasiões, um esquema especial de cobertura.

Foi em 1999 que eles criaram, pela primeira vez, um produto diferenciado, “The Pilot Open Daily“ (Diário do Aberto). Neste ano, comdois grandes eventos paralelos, masculino e feminino, os editores criaram um produto especial que circulou durante 18 dias, variando de 56 a 64 páginas. “Nós decidimos criar um produto diário, fiel a nossas raízes e a serviço da nossa comunidade”, disse o publisher e coproprietário David Woronoff, em entrevista.

“Sabíamos –em especial nesse ano, com a demanda representada pela histórica ocorrência dos dois ‘Abertos’ – que éramos parte de algo especial”, disse o editor John Nagy. “Propusemo-nos a cumprir o nosso lema não-oficial de ‘cidade pequena, mas nunca um pequeno time’, explorando todos os aspectos de um evento de duas semanas. Queríamos aproveitar ao máximo as receitas de publicidade disponíveis, e havia muitas. Queríamos ser umafonte, mesmo não qualificada, de notícias e informações. Nós não queríamos que ninguém viesse para a nossa comunidade e nos fizesse passar vergonha”. Woronoff emendou: “Queríamos ser o jornal oficial do ‘US Open’, explorando o evento de uma maneira que nenhum outro meio pudesse fazê-lo, com exceção da NBC. Mas sem pagar dezenas de milhões de dólares pelo direito de cobertura.”

Eis algumas estratégias adotadas pelos editores.

1. Entender a competição

A equipe de “The Pilot” sabia que cerca de mil jornalistas estariam em Pinehurst para cobriro Aberto de Golfe dos EUA. A partir desse dado, tentou mapear o que a concorrência poderia fazer ou não fazer e, então, definir uma maneira de agir. Foram analisadas publicações concorrentes como a “Sports Illustrated”, “Golf Digest” e “Golf Week”. A equipe também sabia que estariam na cidade jornalistas de outros veículos da região e tentou se antecipar, imaginando como sua concorrência iria cobrir o evento. Sabia-se, de antemão, que nenhum desses veículos circularia de imediato entre os participantes nem estaria dando as notícias quentes para a comunidade.

“Então nós dissemos: bem, vamos fazer do nosso jeito”, disse Woronoff. E eles venderam anúncios suficientes para pagar toda a operação. “A audácia é uma ferramenta poderosa e por isso usamos isso para nos motivar”, disse o executivo. “A frase de que eu gostei foi ‘podemos ser uma cidade pequena, mas não um pequeno time’”, enfatizou Jock Lauterer, professor de jornalismo na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, e ex-fotógrafo do “Open Daily”. “The Pilot” deu atenção à competição, afirmou. “Aconteceu que ninguém se imaginou dando dando a cara a tapas para produzir um jornal diário, implacavelmente local, sobre o Aberto dos EUA.”

2. Descobrir os recursos

“The Pilot” precisou ter umolhar crítico sobre o que podia e não podia fazer”, disse Woronoff. Obviamente, nos cercamos da estrutura necessária para produzir a edição diária do “Open Daily”.O jornal não tinha pessoal especializado em cobrir torneios de golfe de grande duração e foi obrigado a recrutar mão de obra de fora, somando forças com a redação existente. O jornal opera normalmente com uma equipe editorial de 13 pessoas e a opção de se reforçar com freelancers é normal nesses casos.

Eles recrutaram, por exemplo,Jim Dodson, que já ajudara a cobrir o “US Open” para “The Pilot” em 2005 e agora é o editor de três revistas da publicação. (Dodson também escreveu a biografia de Ben Hogan e a autobiografia de Arnold Palmer, dois famosos jogadores norte-americanos de golfe, além de ser um dos autores da lista de best sellers do “The New York Times”.)

A chave foi colocarna mesa osativos disponíveis e aí determinar o que era preciso fazer, afirmou Woronoff. “Eu agi como Tom Sawyer (personagem de livros infantis de Mark Twain /1835-1910), apenas fui atrás de pessoas para me ajudar apintar o muro.” O jornal sempre encarou o “US Open” com uma estratégia de tudo ou nada”, disse o editor John Nagy. “Ou seja, todas as pessoas em toda a nossa operação, independentemente do seu ‘dia de trabalho’, tinham uma função a desempenhar.”

No total, “The Pilot” contratou 15 jornalistas extras para cobrir os campeonatos e cuidou muito bem deles. “O que importa é teu pessoal” disse Nagy. “Mantivemos todos bem alimentados e hidratados. Providenciamos cadeiras especiais para eles e mantivemos até um carrinho de sorvete por perto. Organizamos tudo de forma a garantir, sempre que possível, descanso e tempo livre, evitando estresses”.

Tudo isso teve um custo e demandou recursos. Por isso, todos os anúncios vendidos para “The Pilot” envolveram 100% das edições dedicadas aos torneios. Os anunciantes nãopuderam tirar ou inserir anúncios nesta ou naquela edição nem optar por três ou cinco dias. Eles tiveram que se comprometer com um pacote, publicando anúncios a cada edição, tanto à voltada para o campeonato masculino como para o feminino. “Não foi uma venda fácil, mas é assim que funcionou”, disse Woronoff.

3. Descobrir o foco

Três “Cs” guiaram a cobertura, segundo Woronoff – competidores, campos de golfe ecomunidade. “Nós também não tivemos medo de seguiruma abordagem não ortodoxa”, disse Nagy. “Sabíamos desde o início que não possuíamos o número de pessoas suficiente nem o profundo conhecimento de golfe necessário para sermos fonte especializada e incontestável. Por isso, tomamos uma decisão quase inusitada: nos associamos com a ‘Global Golf Post’, umapublicação de golfe apenas digital, para um arranjo de compartilhamento de conteúdo. Imediatamente tivemos acesso a alguns dos mais experientes conhecedores de golfe, profissionais no ramo, e eles tiveram acesso aos nossos colunistas talentosos e com amplo conhecimento local.

Também firmamos previamente um acordocom um renomado fotógrafo internacional de golfe, Joann Dost, que já havia trabalhado com a gente durante o último Aberto Feminino dos EUA. Joann voltou e, desta vez, acompanhado dedois outros fotógrafos de golfe, os pesos pesados? Matthew Harris e John Clouse. Matthew, baseado em Londres, já cobriu mais de 100 grandes campeonatos de golfe em sua carreira. John aposentou-se recentemente como chefe da Nikon norte-americana e éum fotógrafo veterano de golfe.”

Os campos de golfe em sieram tão parte da história quanto os competidores e a comunidade. Pinehurst, cidade de 115 anos, é considerado o terceiro melhor local de campos de golfe no mundo. E “The Pilot” aproveitou para contar sua história. Os editores entregaram a tarefa a Lee Pace, o historiador oficial do resort e colunista de golfe mensal para a revista local de “The Pilot”. Ele escreveu uma coluna diária sobre Pinehurst. Também foram produzidas reportagens sobre a comunidade, os jogadores, as pessoas que foram assistir ao “US Open” e sobre segurança pública e infraestrutura médica, com boas histórias locais. “A grande maioria dos leitores é da cidade. Contamos suas histórias”, disse Woronoff.

4.Descobrir como você está se saindo

“The Pilot” soube identificar qualquer pessoa que fosse um espectador no Aberto dos EUA como um leitor em potencial. E vejam que existem 43 campos de golfe dentro das 10 milhas da área de cobertura da redação. “Há, literalmente, um campo de golfe em cada esquina”, disse Woronoff. E os esforços foram no sentido de conseguir deixar um exemplar do “Open Daily” nas mãos de todas as pessoas.

Os exemplares estavam disponíveis em toda a cidade, disse Woronoff, mas também sabia-se que 3.000 quartos de hotéis tinham sido reservados (com anos de antecedência) – e cada um desses quartos de Moore County recebeu diariamente um exemplar do jornal. Foram entregues ainda exemplares em hotéis fora da cidade e em casas alugadas pelos visitantes (mapeadas com a ajuda de agentes imobiliários locais, também anunciantes do jornal).

“The Pilot” superou outros problemas de distribuição com a ajuda de 60 divulgadores. Em 1999, após o “US Open”, foi criado um clube local de garotos e garotas que receberam de Pinehurst um presente de meio milhão de dólares. Muitos funcionários do “The Pilot” têm filhos nesse cluble. Vestidos a caráter, eles circularam em carroças vermelhas pela cidade distribuindo exemplares. Como recompensa, o jornal doou US$ 10 mil para o clube. “As crianças adoraram porque elas estavam ajudando seu clube a ganhar dinheiro. Estavam motivadas”, disse Woronoff.

5. Descobrir as ferramentas tecnológicas

Aúltima cobertura de um Aberto dos EUA pelo “The Pilot” ocorreu em 2007, com o torneio feminino. Nos últimos sete anos, muita coisa mudou. “Durante o nosso primeiro ‘US Open’, em 1999, processamos os filmes em um estande local da Kodak. Demorava uma hora cada um. Pelo amor de Deus”, disse Nagy. “Nesse período, a tecnologia mudou dramaticamente. Passamos um bom tempo estudando os processos de fluxo de trabalho desde antes do ‘US Open’ e redesenhado nossas ações para incorporar a tecnologia moderna.” Então, ao invés de esperar a cada noite até as 21h pelo fechamento dos números dos torneios, a equipe usou uma planilha do Google Docs com acompanhamento instantâneo das pontuações.

“Tudo estava pronto na página 20 minutosapós a tacada final”, disse Nagy. “Vários funcionários trabalhavam em sintonia para preencher a planilha enquanto os jogadores se movimentavam em campo. Simples, mas nada parecido com o que fizemos há sete anos.” Eles usaram o Dropbox e outros serviços em nuvem para se manterem conectados, permitindo o compartilhamento de fotos e a rápida diagramação das páginas. “As mídias sociais também não estavam disseminadas em 2007. Desta vez, tivemos umpessoal exclusivo responsável por atualizar o Facebook, o Twitter e o nosso site com resultados em tempo real e outras notícias.”

Oolho

Há mais uma coisa a acrescentara essa lista – descobrir se sua empresa tem dinheiro suficiente “para bancar esse grande sonho”, ponderou o professor Jock Lauterer. Em 1999, quando “The Pilot” tentou pela primeira vez uma produção diária, nunca se havia feito nada parecido. “Você tem que ser muito corajoso para fazer isso como publisher”, disse Lauterer.

Nesse ano, os lucros com a venda de anúncios durante as duas semanas foram equivalentes aos rendimentos de um mês normal, representando um 13º mês no ano, disse Woronoff. Mas o motivo não foi apenas o lucro, acrescentou. “É importante para nós. A notícia é como um furacão – quanto mais próximo você estiver do núcleo da tempestade, mais importante ela será para você.”

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Kristen Hare é jornalista