Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Como a mídia local pode fazer a diferença

“Achei que meu trabalho era contar ao público a verdade. Os fatos. Fossem ou não bonitos. E, com a publicação, fazer a diferença no modo de as pessoas olharem as coisas, a si mesmas e o que elas defendem.” A frase é do jornalista Gary Webb, interpretado pelo ator Jeremy Renner, no longa norte-americano “O Mensageiro” (Kill the Messenger), de 2014.

Banal a um telespectador desinteressado, a afirmação faz qualquer jornalista, com o mínimo de comprometimento, parar para analisar a própria atuação. Realmente, qualquer meio de comunicação teria de ter essa premissa: fazer a diferença!

Geralmente, os fatos não são bonitos, já que o jornalismo trabalha na exceção e esta, por excelência, estaria no desvio. Isso sem considerar histórias singelas que também mudam o modo de ver das pessoas, quando contadas com sensibilidade e respeito à fonte.

O que vejo, porém, nessa lida diária do jornalismo, é que a diferença na vida das pessoas não consegue extrapolar as necessidades básicas. Explico melhor: nos primeiros meses do uso do aplicativo WhastApp pelo “Comércio do Jahu”, diário centenário sediado na cidade de Jaú (130 mil habitantes), no Centro-oeste do Estado de São Paulo, a grande maioria das demandas de leitores e cidadãos resume-se a quatro ou cinco categorias.

As reclamações dizem respeito a mato alto em terrenos ou calçadas, buracos no asfalto, sujeira acumulada por vizinhos, falta de iluminação, desrespeito ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB) etc. Das citadas, a solução de algumas está diretamente relacionada à falta de educação dos munícipes.

As demais, porém, requerem intervenção do poder público, como fiscalizar o cumprimento de legislação municipal referente à manutenção de terrenos sem edificações e tapar buracos no pavimento.

Papel social mais profundo

O que quero mostrar com isso é que enquanto o cidadão e a mídia estiverem se preocupando com demandas sociais básicas – e com essa observação não renego o papel da imprensa nessa função – restringe-se o tempo e o espaço com discussões mais profundas e que realmente poderão fazer a diferença.

Não que a cratera na frente da garagem do reclamante, a qual o obriga a fazer malabarismos com o carro ao sair e entrar em casa, não tenha de ganhar as páginas do jornal ou o espaço nos programas de rádio ou TV. Mesmo porque a mídia, principalmente em cidades do interior, é vista como o último bastião do cidadão cansado de tentar sensibilizar os órgãos públicos e ouvidorias. “Não temos mais a quem recorrer”, é frase padrão entre os reclamantes.

Enquanto a mídia se entretém nesse jogo de malfeitor x benfeitor, ela deixa de cumprir o seu papel social mais profundo – de ser o esteio de problematização de questões sociais macro –, por não encontrar tempo nem fôlego para se debruçar em uma investigação jornalística com mais afinco. Beneficiado com esse cenário está somente o poder público e sua inoperância para gerir.

Essa é minha angústia atual, pois acredito que, além de mostrar o mato ou o buraco, a mídia precisa ser a alavanca fomentadora de mudanças drásticas na sociedade, principalmente nos âmbitos econômico e ambiental. Mas, enquanto o cidadão tiver de desviar do buraco ou conviver com insetos provenientes do mato alto não vai ter tempo nem ânimo para pensar em como a cidade se manterá diante da crise econômica e hídrica ou como resolverá imbróglios ambientais que já batem à nossa porta.

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Bianca Zaniratto é jornalista e professora, de editora do jornal Comércio do Jahu e professora nas Faculdades Integradas de Jaú