Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O robô jornalista e a nova web 1.0

Duas novidades relacionadas com o jornalismo na internet, ambas dos Estados Unidos, chamaram minha atenção nos últimos dias. Uma é a decisão de alguns portais importantes de lá de eliminar a área de comentários de leitores de suas reportagens. Outra são os robôs que estão substituindo jornalistas na redação de uma das mais importantes agências de notícias do país. Duas novidades polêmicas, mas, a meu ver, bastante promissoras.

Dez anos atrás, a área em que eu trabalhava na Editora Abril criou um site que se tornaria o embrião do maior portal feminino do País, o MdeMulher. Naquela época, nas discussões sobre o que não poderia faltar de jeito nenhum num site moderno, sempre aparecia, no topo da lista, a área de comentários dos leitores. Era o principal símbolo da chamada Web 2.0, que proporcionava uma comunicação de mão dupla, ao contrário dos sites que só falavam e não ouviam, tachados de antiquados e praticamente xingados de Web 1.0. O nosso não tinha. Custava caro implantar. E a gente quase tinha de pedir desculpas por isso em conversas com amigos mais antenados.

Há três meses, a Reuters, uma das mais prestigiadas agências de notícias do mundo, eliminou os comentários do portal. Agora em janeiro, em uma reformulação completa, o Bloomberg Business, um dos principais sites de notícias econômicas, fez a mesma coisa.

Ambos adotaram o mesmo discurso para explicar a decisão. Argumentaram que, nos dias de hoje, toda a conversa com leitores foi transferida para as redes sociais, então não haveria necessidade de manter também no site uma área de comentários. Faz sentido, claro, mas suspeito que a mudança tenha a ver também com uma certa decepção em relação à prometida conversa que seria gerada naquele espaço e ao trabalho que dá ficar moderando os comentários para filtrar manifestações impróprias.

Na explicação que deu aos seus leitores, o Bloomberg afirmou também que a área de comentários era usada por menos de 1% da audiência. No caso deles, creio que houve ainda outra razão. No redesenho do portal, eles adotaram a estratégia da “barra de rolagem contínua”, tendência sobre a qual já escrevi aqui e que consiste em ir apresentando novos conteúdos ao final de cada texto lido, de forma aparentemente infinita, para tentar segurar o leitor por mais tempo no site. Como a área de comentários tradicionalmente se encontra no final das matérias, atrapalhava a estratégia. Pessoalmente, acho que a tendência vai pegar.

Texto escrito por uma máquina

Os robôs jornalistas são uma novidade mais polêmica, mas antes de formar qualquer opinião a respeito, veja este trecho de uma matéria publicada no portal de notícias Yahoo:

Cupertino, Califórnia, 27/01/2015, 16h39

A Apple divulgou nesta terça-feira ter obtido lucro líquido de US$ 18,02 bilhões no quarto trimestre. A empresa sediada em Cupertino, Califórnia, registrou lucro de US$ 3,06 por ação.

Os resultados superaram as expectativas de Wall Street. A estimativa média dos analistas pesquisados pela empresa de pesquisa em investimento Zacks era de ganhos de US$ 2,60 por ação.

A fabricante de Iphones, Ipads e outros produtos divulgou receita de US$ 74,6 bilhões no período, superando as previsões.

A matéria completa tem mais três parágrafos, que só para copiar eu levaria pelo menos 1 minuto. Foi escrita em milésimos de segundo, logo após a divulgação do balanço da Apple, por um robô da agência de notícias Associated Press (AP).

Robôs jornalistas não são exatamente novos. Desde 2011 já se tem notícias da substituição de redatores de carne e osso por computadores, mas até recentemente a novidade estava limitada basicamente ao segmento esportivo, para divulgar resultados de partidas, como neste exemplo desejável:

“O Palmeiras venceu o Corinthians no último domingo, no estádio Allianz Parque, por 4 a 0, humilhando o rival. Os gols foram feitos por Leandro Pereira, Dudu, Kelvin e Rafael Marques.”

Diga se um texto tão óbvio não poderia ter sido escrito por um robô?

A novidade é a utilização profissional deles num segmento tão sensível como o de balanços empresariais, em que um erro pode provocar perdas enormes para empresas ou investidores (e processos milionários contra quem divulgou a informação).

A experiência da AP começou em julho do ano passado, mas durante seis meses os textos escritos pelo computador passavam por supervisão humana. Desde o início deste ano, os robôs ganharam autonomia total. O que escrevem é publicado imediatamente.

Não creio que o algoritmo por trás desse sistema seja muito sofisticado. Deve ter frases pré-cadastradas e regras para a escolha de cada uma delas. Lê num arquivo de Excel qual era a previsão dos analistas, recebe os números divulgados pela empresa que está apresentando o balanço e faz as associações óbvias. Num segmento em que a velocidade de publicação é essencial, automatizar esse trabalho me parece até mais humano do que ter um chefe bufando no cangote do redator para terminar logo o texto.

Também não imagino que alguém em sã consciência acredite que os computadores estejam perto de reproduzir a parte mais complexa do trabalho dos jornalistas. Principalmente, a capacidade de interpretar, analisar, escrever com ironia, humor ou elegância textos que dependem da mais humana das qualidades: a criatividade.

Enquanto continuarem nos livrando de tarefas chatas e repetitivas, terão minha completa aprovação.

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Demetrius Paparounis é jornalista, consultor em comunicação e diretor da TAG Content