Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Não se constrói uma marca apenas com mídia digital

Acreditar no fim da mídia impressa é um “disparate”, avalia Miles Young, chairman global e presidente da Ogilvy & Mather, maior rede de agências do maior grupo de publicidade do mundo, o WPP.

Para ele, a perda de fatia no bolo publicitário por parte dos veículos impressos é resultado de “uma propaganda muito bem-sucedida” das empresas de mídia digital na última década.

O publicitário diz que a mídia dita tradicional é fundamental para construir marcas, desde que seja relevante.

Dono da conta publicitária da Olimpíada do Rio, Young, 60, veio ao Brasil na semana passada visitar as obras olímpicas e diz que houve uma piora no humor do país desde sua vinda anterior, em 2012.

“Os clientes consideram o momento duro, mas não vejo pânico”, relata, dizendo-se otimista com o legado dos Jogos Olímpicos do Rio.

“Vai ser uma Olimpíada modesta, sem elefantes brancos, com uma imagem bem diferente da Copa”, diz.

Depois de trabalhar no Rio e em São Paulo, Young aproveitou para tirar uns dias de férias. Pegou a Rio-Santos e visitou Paraty e Toque Toque.

Quais as suas impressões sobre o Brasil?

Miles Young – O humor está muito ruim. Os clientes consideram o momento duro, mas não vejo pânico. O Brasil não é o único país dos Brics com esse problema. E, dos grandes, só EUA e Reino Unido estão bem.

Mas aqui no Brasil há também crise política.

M.Y. – Claro, é a chamada tempestade perfeita. Está havendo um questionamento de instituições, mas isso também acontece em outras economias. A questão aqui é que você tem uma classe média que cresceu, ficou economicamente ativa e ganhou força. E as instituições políticas não acompanharam.

As classes médias demandam certas coisas do governo: prestação de contas, transparência e eficiência. Países que crescem muito rápido têm uma lacuna aí, e os políticos precisam tentar construir pontes para elas.

A Copa do Mundo acabou não sendo a coroação de um momento positivo do Brasil. O que a Olimpíada de 2016 pode fazer pela imagem do país?

M.Y. – Deve fazer bem. Não há nenhum país que não tenha se beneficiado positivamente das Olimpíadas, com exceção talvez da Grécia.

Em Barcelona, em Sidney, em Pequim e m Londres, houve questionamentos, mas no final os jogos foram vistos como bem-sucedidos. Minha impressão é que o legado da Rio-2016 vai ser muito bom.

Vão integrar o transporte público da cidade, existe um grande esforço para garantir a utilidade não apenas da complexo olímpico mas dos equipamentos, que podem ser transferidos de lugar após os Jogos. O mote dessa Olimpíada é modéstia e bom senso. Há uma grande diferença em relação à Copa.

E há ainda o fato de que não existe nenhum ícone de estrutura gigantesca. É um evento relativamente discreto, arquitetonicamente falando. Sem ninhos de passarinho [apelido do Estádio Nacional de Pequim]. As pessoas vão se surpreender. Vai ser funcional e discreto.

Mas há a questão da poluição da lagoa e da baía da Guanabara, que não deve ser resolvida a tempo.

M.Y. – Esse é um grande desafio, mas ainda acho que o impacto é positivo, até por iniciar esse debate. Na China, falou-se muito da poluição em Pequim. E os jogos tiveram o efeito de catalisar o deba- te para começar a atacar o problema.

O presidente do grupo WPP, Martin Sorrell, declarou na semana passada que os veículos impressos talvez sejam mais eficazes para a publicidade do que as pessoas costumam pensar. O que o sr. acha dessa declaração, num momento em que tanto se fala sobre a crise da mídia impressa?

M.Y. – Concordo com ele.

O sr. não precisa concordar só porque está falando com um veículo impresso.

M.Y. – Não, eu realmente concordo. Sempre achei que havia uma tendência em enxergar as mídias impressa, TV e rádio como prematuramente mortas, por causa da chegada da mídia digital. E sabemos por quê. A mídia digital propaga essa mensagem.

Por uma década, houve uma propaganda muito bem-sucedida, com a declaração de morte da imprensa escrita. Isso é um disparate. O que está morto é toda mídia, impressa ou qualquer outra, que não seja interessante de ler. A mídia impressa medíocre terá dificuldades.

Muito jornal local, com conteúdo limitado e sustentado por classificados, morreu. Isso não significa que a imprensa regional morreu. [O bilionário norte-americano] Warren Buffett comprou jornais regionais pois acredita que têm futuro.

Se o conteúdo é bom, ele vai sempre ser lido em qualquer plataforma.

Veja a [revista britânica] “The Economist”. Nunca desinvestiu na qualidade nem na quantidade do seu jornalismo. Como resultado, tem crescido em circulação. Defende um ponto de vista, é uma marca. E quem lê acredita que comprar a revista diz algo a respeito de quem você é. Compare com o que aconteceu com a “Newsweek”. Houve um declínio de investimento, ano após ano, com conteúdo fraco. Não havia mais motivo para ler a “Newsweek”. É preciso criar conteúdo relevante, e aí você pode se expressar no impresso, no digital, não importa.

Para criar essa conexão com o leitor, os veículos precisam ter marcas fortes?

M.Y. – É preciso se posicionar como marca, oferecer um ponto de vista editorial claro e ter um conteúdo forte, que sirva a esse ponto de vista. Essa é a grande força da imprensa em relação ao Google, que não tem nada, nenhum conteúdo.

Os anunciantes vão despertar para esse posicionamento?

M.Y. – Quero deixar claro que não estou criticando o digital. Acredito profundamente no digital. Critico a ideia de que o mundo tem que ser uma coisa ou outra, digital ou analógico. Tem que ter uma mistura.

O que Martin Sorrell quis dizer é que o papel da imprensa escrita é muito valioso e que ela não vai desaparecer. Não é um jogo de soma zero.

Qual é a efetividade do meio digital para o anunciante, em termos de construção de marca?

M.Y. – É muito difícil construir marca, com escala, só com digital. Um grande exemplo é a rede Starbucks, que uns anos atrás achou que não precisava fazer propaganda tradicional. Achavam que poderiam crescer só com mídias sociais, com o boca a boca, um bom site. Voltaram a todo vapor com anúncios tradicionais.

Na construção de marca é preciso capacidade para veicular uma mensagem, seja ela profunda ou emocional, de forma interessante. E isso geralmente significa TV, impresso e outdoor.

Porém deve ser uma ideia que começa no digital. Tem que incluir a mídia paga [anúncios] no mix, mas, quanto mais a sua mídia paga for compartilhada ou conquistada, melhor será.

Acho que não existe nenhum caso de uma grande marca construída pela mídia digital. O mundo digital é terra de ninguém. A grande maioria do conteúdo não é nem vista. É como um grande aterro, com muito lixo.

E o papel das agências de publicidade nesse novo mundo?

M.Y. – É fazer com que uma pequena parcela desse conteúdo seja interessante o suficiente para ser notada. Nosso papel está mudando dramaticamente. Temos que criar o anúncio que vai ser veiculado no jornal e o conteúdo que dará suporte à campanha na internet.

Estamos virando editores de conteúdo digital. Precisamos de habilidades jornalísticas, pois temos que escrever textos mais longos, argumentar. E também pegar conteúdo que outros fizeram e curar, editar.

Essas não são habilidades tradicionais da criação publicitária, em que antes você tinha um redator e um diretor de arte. Apesar de eu acreditar e argumentar que Martin está certo, 20% do que fazemos hoje é anúncio tradicional, e 80%, conteúdo para dar suporte aos anúncios.

O que tira o seu sono hoje?

M.Y. – Ver as pessoas perdendo a fé nas ideias. A melhor propaganda tem que vir de grandes ideias. E elas são raras, difíceis de achar, e às vezes isso envolve risco.

Quando o mundo entra em períodos de desafio econômico, as pessoas buscam soluções de baixo risco e isso implica evitar buscar grandes ideias. A revolução digital muitas vezes valoriza o processo, à custa das ideias.

Não há evidência disso ainda, mas tenho uma certa ansiedade de que as ideias não estejam sendo levadas em consideração como deveriam.

 

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Mariana Barbosa, da Folha de S.Paulo