Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Murdoch ainda está em cena, mas acuado

O mundo em que Rupert Murdoch se movimentava com tanta desenvoltura está fechando o cerco sobre ele. Uma comissão de parlamentares britânicos julgou-o uma pessoa “não adequada para dirigir uma grande empresa internacional”. Ele enfrenta desafios de regulação e legais nos três países onde é mais poderoso: Austrália, Reino Unido e Estados Unidos. Os tabloides, que já foram a fonte maior de energia para a expansão de seus negócios, estão fraquejando, a virulência e as distorções do jornalismo que praticam são ridicularizadas e desprezadas.

Tom Watson, deputado britânico pelo Partido Trabalhista, escreve, em Dial M for Murdoch, em que tem como coautor o jornalista Martin Hickman, que a News Corporation, holding de comunicação de Murdoch, “poderá não ser forte o suficiente para suportar” tudo o que ainda terá de enfrentar. Algo que aconteceu recentemente despertou pouca atenção, mas representa uma grande ameaça no país onde Murdoch começou sua ascensão e onde ele tem maior influência política: a divulgação da Convergence Review (Análise de Convergência), estudo patrocinado pelo governo da Austrália que propõe um controle mais diversificado da mídia. Os jornais da News Ltd., a empresa australiana de Murdoch, abocanham entre 60% e 70% do mercado do país, em circulação. É generalizada a opinião de que o partido político apoiado pelos jornais de Murdoch sempre vence as eleições.

Os livros resenhados aqui apresentam Murdoch praticamente como um monstro. Mas ele tem alguns defensores ilustres. William Shawcross, que numa biografia de 1992 o apresentou como “um edificador único da mídia”, escreveu, na edição de dezembro de 2010 da revista Standpoint, que as críticas a esse “visionário iconoclasta e incansável” são pretensiosas e mal informadas. Roger Cohen, comentarista do New York Times, escreveu, em julho de 2011, que admira Murdoch por motivos parecidos – e por sua “aversão evidente pelas elites” – e afirmou que o jornalismo “franco e aberto praticado por Murdoch é bom para as sociedades livres”.

Sem apego à palavra empenhada

Menos defensável, ou pelo menos necessitanda de qualificação, é a visão que Murdoch tem de si mesmo, de um antiestablishment radical. Bruce Page, que comandou a equipe de jornalistas investigativos do Sunday Times nas décadas de 1960 e 1970, fala do ex-patrão com desprezo. Em The Murdoch Archipelago, cuja primeira edição foi publicada em 2003 e que voltou às livrarias em 2011 com um comentário sobre as escutas telefônicas praticadas pelo News of the World, Page vê os “grampos” como uma extensão lógica da linha editorial dos tabloides da News International. Ele afirma que os furos jornalísticos do News of the World, que sacudiam o establishment britânico e dos quais Murdoch se gabava, eram apenas “sensacionalismo de botequim”. O livro apresenta Murdoch como um manipulador em escala incomensurável e perigosa, dono de jornais que – segundo escreve Page sobre o The Sun (também publicado pela News International, juntamente com The Times e The Sunday Times) – “reduzem em muito quaisquer exigências intelectuais dos leitores”.

Outro livro reeditado, Good Times, Bad Times, de sir Harold Evans (publicado pela primeira vez em 1984), não demonstra tanto desprezo, mas é mais ácido. Evans editava o Sunday Times quando Murdoch o comprou junto com The Times, em 1980. O novo proprietário transferiu Evans para o Times e o demitiu depois de um ano, pois (diz Evans), o proprietário foi ficando cada vez mais impaciente com a determinação do editor de julgar o governo de Margaret Thatcher por seus próprios méritos, e não apoiá-lo sem críticas. Ele observa que todas as grandes reportagens publicadas pelo Sunday Times, em sua época de editor, datam de antes de Murdoch comprar o jornal – como aquelas sobre os defeitos no avião de passageiros DC-10, os terríveis efeitos colaterais da talidomida sobre bebês em gestação e a revelação de que Kim Philpy, o ex-agente do MI6, o serviço secreto britânico, espionava para a União Soviética.

As memórias de Evans pertencem a um gênero literário exclusivo – o dos livros escritos por ex-editores de Murdoch. Além de Good Times, Bad Times, há o Sundry Times do sucessor de Evans, Frank Giles (1981-1983); o Full Disclosure, de Andrew Neil, editor do jornal entre 1983 e 1994; e The Insider, de Piers Morgan, que editou o News of the World de 1994 a 1995. Todos, menos Morgan, deixaram de confiar e gostar de Murdoch e passaram a vê-lo como alguém sem apego à palavra empenhada.

A opinião do genro

Em Murdoch: An Investigation of Political Power, de David McKnight, o ensaísta australiano Robert Manne elogia, no prefácio, a perspicácia de McKnight: ele se dá conta de que “a chave psicológica para Murdoch é sua capacidade de pensar sobre si mesmo como um rebelde antiestablishment, apesar da enorme riqueza e capacidade de fazer e desfazer governos”.

McKnight, pesquisador da Universidade de New South Wales, é bastante polêmico, o que o leva a fazer declarações como a de que “Murdoch tornou-se americano e pensa como um deles” – como se os americanos constituíssem uma massa reacionária sem distinção. Isso revela mais sobre McKnight do que sobre Murdoch. Ele se sai melhor em passagens como a que narra a desilusão de Murdoch com John Mayor, o sucessor de Thatcher – em que comenta, com razão, que, como primeiro-ministro, Major demonstrou alguma coragem ao propor uma lei de radiodifusão que impôs restrições às grandes empresas jornalísticas. Sua recompensa – um caso amoroso revelado e o apoio de Murdoch passando para a facção New Labour do Partido Trabalhista – deixou claro para seus sucessores que nenhum governo deveria mexer com Rupert.

McKnight também é bom nas alegações falsas de “equilíbrio” editorial feitas pelo canal de TV Fox News, dos Estados Unidos, controlado pela News Corp. Matthew Freud, consultor de relações públicas de Londres que se casou com Elisabeth, a filha de Murdoch, é mencionado dizendo: “Não estou de maneira nenhuma sozinho dentro da família, ou da empresa, ao ficar indignado e revoltado com o desprezo horroroso e constante do canal pelas normas jornalísticas a que aspiram a News Corporation, seu fundador e todas as outras empresas globais de mídia.” Será interessante ver se Elisabeth Murdoch é um dos membros da família que compartilham o ponto de vista de seu marido quando ela fizer a palestra MacTaggart deste ano no festival de TV de Edimburgo, em agosto. Será o terceiro membro da família Murdoch a fazer a palestra principal.

A vergonha cobre o jornalismo britânico

Não dá para imaginar nenhum mea culpa familiar satisfazendo Watson, que surge em Dial M for Murdoch como o equivalente político de Nick Davies, o repórter do Guardian que mais contribuiu para devassar a News International nos últimos seis anos. O parlamentar questiona o que, inicialmente, havia suposto ser uma fantástica mentira, a de que Clive Goodman – o jornalista especializado em assuntos da realeza britânica preso com o detetive particular Glenn Mulcaire em 2007, por grampear os telefones dos príncipes William e Harry – era uma “maçã podre” solitária no cesto do News of the World. Diz que a liderança de seu partido, que gozava do apoio de Murdoch, não o ajudou em sua investigação, enquanto a News International o via como um inimigo a ser derrubado. Watson e Hickman citam a menção, nos diários de Morgan, da gravação de uma conversa com Tony Blair, que disse ao editor do tabloide ser “melhor montar nas costas do tigre do que deixar que ele rasgue sua garganta”.

Em depoimento por escrito (mencionado por Watson) entregue à comissão de inquérito constituída por determinação do primeiro-ministro David Cameron para investigar o caso das escutas telefônicas, o ex-diretor de comunicações de Blair, Alastair Campbell, afirma: “Lembro de Rebekah Wade [na época, principal executiva da News International] ter me dito que, até onde ela sabia, a coisa com Tom Watson era pessoal e que 'não vamos parar enquanto não o pegarmos'“ – observação extraordinária para a diretora de uma grande companhia de mídia fazer ao assessor mais próximo do primeiro-ministro.

Os tabloides de Murdoch não eram apenas os mais populares, tratados com gentileza pelo governo que apoiavam, como também gozavam da estima dos demais jornais. No período em que Andy Coulson foi editor (2003-2007) – tendo ele posteriormente se demitido, com o surgimento das primeiras intimações relacionadas ao escândalo das escutas telefônicas e, mais tarde, ao entrar no número 10 da Downing Street como diretor de comunicações de David Cameron – o News of the World venceu o prêmio Sunday Newspaper of the Year por três anos consecutivos e foi elogiado na terceira ocasião pela comissão julgadora como “um produto incrivelmente poderoso”.

A admiração dos tabloides pelos tabloides – e por outros na imprensa – manteve-se livre, em grande parte, de qualquer consideração referente a suas campanhas pessoais imorais e enormes distorções. O fato de a maioria de nós ter ignorado o outro lado, sempre com um encolher de ombros bem-humorado, é uma vergonha que cobre todo o jornalismo britânico.

“Quase além do alcance da lei”

Dial M for Murdoch tem uma história bem construída. Detalha como as coisas começaram, com Goodman protestando por ser descartado; como Max Mosley, o ex-presidente da Fórmula 1, foi bem-sucedido ao processar o jornal pela revelação de uma de suas “travessuras” sadomasoquistas e ter se tornado um “inimigo inteligente, rico e obstinado”; como a Comissão de Cultura da Câmara dos Comuns foi ficando cada vez mais crítica; como Watson, acompanhado pelo colega parlamentar trabalhista Chris Bryant, começou a causar alguma impressão nos Comuns. Pouco a pouco, para sua própria surpresa, esse pequeno grupo de pessoas constatou que estava derrubando a casa.

Nas mãos dos jornalistas de Murdoch, o jornalismo de tabloides se transformou em um enorme fato político. Eles definiram, para o grande público na Austrália e no Reino Unido (e em menor grau nos Estados Unidos, onde o New York Post é poderoso, mas tem alcance limitado), o que constitui um escândalo político, o sucesso político e o poder político. Os líderes britânicos, de Margaret Thatcher em diante, não estavam errados ao temer Murdoch: seus tabloides estabeleceram um padrão e deram aos seus repórteres e comentaristas um poder enorme sobre os políticos. O caso contra Murdoch não é o fato de que ele publicava jornais populares. É que ele e seu staff sênior usavam o poder resultante da popularidade para enfraquecer a democracia representativa.

O advogado Mark Lewis, que representou várias das vítimas do News of the World, prepara-se para testar até onde as leis americanas vão apoiar uma ação contra a empresa nos EUA – onde a lei conhecida como Foreign Corrupt Practices Act pode definir como crime qualquer suborno comprovado por funcionários da News Corp. no Reino Unido ou outro lugar. Os até agora indiferentes acionistas da News Corp., da qual Murdoch controla 30%, ainda poderão forçar pelo menos a venda dos jornais britânicos [como já aconteceu com o News of the World] e talvez – após a divulgação do relatório da Comissão de Cultura da Câmara dos Comuns, que declarou Murdoch inadequado para comandar sua companhia (decisão majoritária, da qual os quatro membros conservadores divergiram) – também sua participação na BSKyB.

Matt Driscoll, repórter do News of the World demitido quando contradisse Coulson, escreveu em seu depoimento à comissão de inquérito que seus ex-chefes “sentiam que estavam quase além do alcance da lei”. Agora, a lei parece reafirmar-se.

***

[John Lloyd é editor colaborador do Financial Times e diretor de jornalismo do Reuters Institute, da Oxford University]