Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Culto do corpo se tornou uma obsessão

** “As mulheres devem usar seus atributos físicos para conseguir sucesso.”

** “O que as mulheres realmente querem é um marido rico.”

Essas frases são duas simplificações das teorias da socióloga inglesa Catherine Hakim, autora do livro Capital Erótico, que foi tema de Veja na matéria de comportamento da edição nº 2279 (data de capa     25/7/2012). Uma simplificação (e uma generalização) perigosa, que pode criar muita confusão entre as jovens leitoras, se é que Veja tem leitoras jovens. Elas vão achar que podem e devem usar o corpo como ferramenta para o sucesso. Numa sociedade em que o culto do corpo (aí incluídas quantas cirurgias plásticas, silicones e dietas forem necessários) se tornou uma verdadeira obsessão, isso pode ser extremante perigoso.

Perigoso e pernicioso porque a mesma imprensa que, mal ou bem, ajudou a difundir o movimento feminista e sua luta pelos direitos iguais, agora anuncia uma nova forma de luta: o vale-tudo pelo sucesso. Assim justifica a autora: “O feminismo radical deprecia o encanto feminino. Por que não encorajar as mulheres a aproveitar-se dos homens sempre que puderem?”

Veja tinha que falar do assunto porque o livro promete render muita conversa daqui para a frente. Mas deveria, em nome do bom jornalismo, ouvir alguém que questione essa imagem da mulher fútil, exclusivamente preocupada com a beleza e que vive atrás de um rico provedor.

Mais seriedade e respeito

Agora que as mulheres começam a ganhar um espaço cada vez mais qualificado no mercado de trabalho, dizer que elas precisam de uma bela figura para garantir o sucesso é condenar as outras (todas aquelas que não se enquadram no padrão de beleza das modelos e atrizes) às corridas ao cirurgião plástico e às academias em busca da felicidade. Será que Michelle Bachelet, Dilma Rousseff (só para citar as que chegaram à presidência da República) concordam com a visão da socióloga inglesa?

Como se não bastassem as dicas de beleza, moda e felicidade sexual da maioria das revistas femininas, agora vem Veja decretar que é possível fazer qualquer coisa para ter sucesso. As mulheres que até agora achavam que tinham de ser mais eficientes, trabalhar mais e manter a vida sexual fora do escritório para ter respeito, podem achar que estão perdendo seu tempo. A julgar pela matéria de Veja e pelas ideias da socióloga inglesa, o erro estava no feminismo tal qual se conhecia até hoje. revolucionário mesmo, daqui pra frente, é estimular a feminilidade e usá-la contra os homens.

O erro de Veja não foi falar do livro. O erro foi não fazer uma matéria mais séria, mostrando que essa é apenas uma visão da questão feminina. Que valores essa socióloga quer passar às novas gerações? Será que depois de tantos anos de luta pelos direitos das mulheres, ela chegou à conclusão de que o melhor é esquecer o caráter e usar qualquer recurso para obter seus objetivos?

As verdadeiras feministas – que sempre lutaram pelo respeito às mulheres – devem ter muito a dizer sobre o assunto. E a imprensa não pode, em nome de sua ética, tratar assuntos tão sérios com leviandade. As pessoas que ainda acreditam no esforço, no caráter e na honestidade – bonitas ou feias – merecem uma análise mais séria desse assunto. E os leitores e leitoras, jovens e velhos, bonitos e feios, um pouco mais de respeito.

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[Ligia Martins de Almeida é jornalista]