Wednesday, 08 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

“As pessoas querem informação confiável, de uma marca conhecida”

“O desmoronamento está sendo mais rápido do que se podia prever”, diz ele, que, porém, vê uma época de ouro para os jornais nos países emergentes. No New York Times, ele testemunha o surgimento de um novo modelo: desde março de 2011, quando implantou uma barreira que exige a assinatura para o acesso mensal a mais de 20 itens no site, o NYT conquistou 500 mil assinantes digitais. “Pela primeira vez na História, arrecadamos mais com os consumidores do que com os anunciantes”, diz. Para Carr, o aplicativo vencedor é a notícia, e investir em reportagem, jornalismo de qualidade, é a única forma de sobreviver e prosperar. Notícia e credibilidade. “A única coisa que vendemos é confiança. Isso vale para qualquer plataforma.”

O senhor escreveu recentemente que o “grande jornalismo é o melhor hedge, a melhor garantia contra a irrelevância”. Como os jornais e as empresas de mídia estão se saindo nessa equação?

David Carr – Temos empresas antigas de mídia se desfazendo de patrimônio, abrindo mão de repórteres, e eles são os soldados na guerra pela informação, mas há empresas novas, como o Huffington Post e o Gawker, contratando repórteres. O aplicativo matador na internet é a notícia, e para conseguir notícia é preciso fazer o trabalho de apuração. Não dá para só ler o que está na web, botar um molho por cima e passar adiante.

Como as empresas dão conta de investir em jornalismo de qualidade ao mesmo tempo em que enfrentam queda de receita de publicidade, cortes de gastos?

D.C. – Nunca houve uma época melhor para ser repórter. Você chega às fontes pelas mídias sociais, pode checar dados on-line, comparar o que uma fonte diz hoje com o que disse no passado. Mas este momento chegou numa época em que o modelo de negócio foi abandonado, em que as mudanças no comportamento de consumidores e anunciantes são profundas. A indústria de jornais está desmoronando mais rapidamente do que se podia prever. A pergunta é o que substituirá os jornais. Conseguiremos desenvolver o lado digital do nosso negócio de tal forma que possamos não apenas sobreviver, mas prosperar? De forma geral, acho que haverá menos jornalismo, não mais.

O senhor se refere a uma diversificação dos negócios das empresas de mídia ou ao uso de informações da comunidade?

D.C. – As pessoas querem informação confiável, de uma marca conhecida. Não é possível fazer do crowdsourcing um caminho para boas reportagens. Há ocasiões em que o jornalismo cidadão é importante. “Ocupem Wall Street” foi uma delas, em coberturas de conflitos e guerras temos dependido do trabalho de cidadãos para fazer a informação circular, e o mesmo ocorreu na Primavera Árabe. Mas, de forma geral, não funciona. Não é que o jornalismo seja algo difícil de fazer, não é como se estivéssemos criando fissão nuclear. O que ocorre é que leva muito tempo, e alguém tem que sustentá-lo enquanto você faz o trabalho. Jornalismo é divertido, mas todo mundo tem que comer.

Como os grandes jornais americanos, como New York Times, Washington Post, Wall Street Journal, estão se adaptando à era digital? Eles estão conseguindo transferir seu poder de influência para esse novo mundo?

D.C. – O Washington Post encolheu, não investiu em jornalismo, e não acho que tenha mais a mesma influência que tinha. O Wall Street Journal e o New York Times estão tão fortes como sempre foram. Embora haja muito mais vozes para serem ouvidas.

A credibilidade ainda é o maior patrimônio de um jornal?

D.C. – Sim. A única coisa que vendemos é confiança. Se você perdê-la, estará numa encrenca. Isso vale para qualquer plataforma: você tem que obter a confiança das pessoas. Nem todo mundo tem que ler o que escrevemos, nem todo mundo tem que confiar em nós. Mas algumas pessoas têm que ler, e algumas pessoas têm que confiar em nós, para que possamos ter um futuro.

Qual o espaço dos jornais em países emergentes como Brasil, China, Índia?

D.C. – É outra situação, diferente da dos EUA, pois têm os consumidores do seu lado, produzem para uma nova classe média cujo apetite por informação é voraz. Há vários tipos de jornais, para públicos variados, uma época de ouro.

Qual o papel deles para a democracia, para a transparência das ações de governo?

D.C. – A correlação entre imprensa livre e democracia é bastante direta em todo o planeta. Quanto mais livre a imprensa, mais transparência e democracia. Uma razão pela qual me sinto confiante em relação ao futuro do “NYT”, do “Wall Street Journal”, de agências como a France Presse, é que o Segundo e o Terceiro Mundos criam novos consumidores o tempo todo. E eles querem informação de qualidade.

Qual a importância da apresentação gráfica para um jornal? No mundo do computador e do vídeo, como um jornal se moderniza?

D.C. – Há muita gente investindo em vídeo, não para jornal, claro, mas investindo em algo que não dará retorno imediato. Quando nós do NYT investimos pesado na edição para internet nos anos 90 não deu retorno imediato, mas hoje temos 500 mil assinantes que pagam por informação na internet. Fazemos o tempo todo coisas que não temos certeza se darão certo, mas temos que inovar na apresentação das notícias. Não é muito divertido tentar achar uma maneira de produzir notícias que possam ser lidas em telefone, mas é importante fazê-lo.

E também descobrir como ganhar dinheiro com isso, não?

D.C. – Claro, mas com uma tela tão pequena é difícil encaixar um anúncio. O Facebook não conseguiu, o Twitter não conseguiu. Você tem que encontrar maneiras de fazer as pessoas pagarem por informação e ficar menos dependente dos anunciantes.

É isso o que está acontecendo com o New York Timesdesde a introdução do pay wall, certo?

D.C. – Pela primeira vez na história do jornal, arrecadamos, no ano passado, mais dinheiro de consumidores do que dos anunciantes. Isso é uma parte muito importante do nosso negócio.

O que se perderia se os jornais desaparecessem e o mundo da informação passasse a ser totalmente digital?

D.C. – Estamos o dia inteiro na internet. A informação passa zunindo por nós. O que os jornais fazem é colocar as coisas em outro patamar no dia seguinte. Sabemos o que aconteceu mas não sabemos o que foi realmente importante. Na web, tudo parece igual. Por exemplo, no NYT, o noticiário internacional tem muito destaque, ocupa as primeiras páginas. Sou o americano provinciano típico, que se interessa mais pelo que acontece nos EUA, mas por causa disso acabo lendo o noticiário internacional. Na internet, nunca leio essas notícias. As pessoas seguem seus próprios interesses e usam faixas verticais de informação, em vez de ter uma compreensão mais ampla do que está acontecendo na cultura.

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[Fernanda Godoy, de O Globo]