Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Fim

No primeiro número, em 4 de janeiro de 1966, o Jornal da Tarde publicou na primeira página uma notícia exclusiva – um “furo”, no jargão jornalístico – de grande repercussão: “Pelé casa no Carnaval”. Embaixo do título, uma grande foto de uma bela jovem. O único texto era a legenda: “Essa (sic) a moça Rose que vai casar com Edson, o Rei Pelé, na terça-feira de carnaval. Ninguém está convidado.”

O “furo” do jornal foi recebido com surpresa e ceticismo. O resto da imprensa só tinha uma vaga ideia do namoro de Pelé, ninguém sabia o nome da moça, Rosemeri dos Reis Cholby, e não havia boatos a respeito do casamento. A manchete era um grande risco para a credibilidade do jornal recém-lançado. A informação era correta. Um belo começo para o novo jornal. Obscurecido por um pequeno detalhe: a foto publicada não era de Rose, a noiva de Pelé, mas da irmã dela.

O episódio retrata bem o Jornal da Tarde dos primeiros tempos. Bons repórteres, coragem de ousar, grandes fotos na primeira página, uma apresentação limpa – e uma maior preocupação com o impacto e com o brilho do que com a precisão da informação.

Com o fim do Jornal da Tarde, que circulou pela última vez na quarta-feira, terminou uma das mais fascinantes aventuras do jornalismo brasileiro no último meio século. Foi um jornal irreverente, ousado na forma, inovador no desenho gráfico e cuidadoso com o texto.

O JT era “o jornal dos jornalistas”. Conquistou a admiração do resto da imprensa, embora do Rio chegasse o comentário malicioso de Hélio Fernandes, diretor da “Tribuna da Imprensa”, de que o JT era o “Caderno 2” mais benfeito da imprensa brasileira. Mas um diretor do The New York Times disse que o diário brasileiro que mais o impressionou foi o Jornal da Tarde, um dos mais bonitos e bem cuidados que havia visto em sua carreira.

O JT foi lançado pelo O Estado de S. Paulo, que experimentava “uma prosperidade sem precedentes na história da imprensa do país, e até mesmo sul-americana”, segundo seu diretor, Julio de Mesquita Filho. Ele tinha três filhos. Como o primogênito, Julio de Mesquita Neto, era o sucessor natural na direção do Estado, ele quis fundar um jornal para o segundo filho, Ruy Mesquita. “No caso do Jornal da Tarde, papai pensou exclusivamente na sucessão. Só isso. (…) E ele, pensando na eventualidade de uma briga, um choque, criou uma frente para mim”, disse Ruy.

Atitude displicente

O jornal foi preparado com cuidado. Primeiro foi lançada uma “Edição de Esportes” do Estado, que não circulava nas segundas-feiras; uma espécie de piloto para o novo diário, com Mino Carta como editor-chefe. A boa acolhida encorajou a empresa a publicar o vespertino, cujo diretor foi Ruy Mesquita, o redator-chefe Mino e o secretário da redação Murilo Felisberto. A redação, numerosa e bem remunerada, era jovem, pronta para inovar.

Ousado na forma, o JT era tão conservador em sua orientação política e na defesa do golpe militar de 1964 quanto o Estado. No dia do lançamento, Julio de Mesquita Filho escreveu que, “surgindo quando longe está ainda o 31 de março de atingir os seus fins, o Jornal da Tarde coloca-se a serviço daquela nobre causa (…). Os objetivos do grande movimento serão os seus objetivos, e na defesa deles verá a sua razão de ser.”

Circulava cinco dias por semana, de segunda a sexta-feira. Arejado, diagramado em quatro colunas, separadas por espaços em branco, em lugar das oito tradicionais, fotos grandes e abundância de desenhos. Capas e páginas internas eram preparadas com cuidado, como se fossem anúncios. Murilo Felisberto disse que pegavam o que havia de melhor na publicidade e nas revistas e o adaptavam para o jornal. Não é surpreendente que, anos mais tarde, quando deixou o JT, ele fosse um dos mais brilhantes homens de arte da publicidade brasileira.

As páginas eram diagramadas pelos editores ou subeditores, uma forma de integrar forma e conteúdo – o que criou dificuldades aos editores sem talento gráfico. Os repórteres contavam histórias, em lugar de utilizar a tradicional pirâmide informativa “que”, “quem”, “onde”, “quando” e “como”.

Mino Carta lembraria: “No Jornal da Tarde havia, em mim e na equipe, terríveis preocupações formais”. Sandro Vaia, que seria diretor de redação do Estado, disse que “como era um jornal novo, sem obrigações com a tradição nem nada, pôde levar ao extremo esse experimentalismo”.

Um inconveniente dessa liberdade formal foi que o jornal não hierarquizava as informações para o leitor. Ao valorizar as grandes reportagens descuidou da função de informar dia a dia. Além de, ocasionalmente, negligenciar a veracidade das informações. Ruy Mesquita diria que às vezes o jornal realmente escorregava com os fatos.

O Jornal da Tarde se propôs a sair às 15 horas. Ruy Mesquita reconheceria que cometeram um erro tático. “Pouco depois do lançamento verificamos que não havia espaço para vender um jornal que chegava às bancas às 15 horas”, que fechavam às 18h30. Afirma que foi penalizado para não concorrer com o Estado: “Só há três ou quatro anos consegui que o Jornal da Tarde fosse para a banca junto com os outros”.

Um objetivo do jornal era atrair leitores jovens e o público feminino. Deu destaque ao esporte e, sobretudo, ao entretenimento. A seção “Divirta-se” foi usada, por uma geração, para orientar-se sobre os espetáculos e diversões da cidade.

Recursos não faltavam. Como disse Ruy Mesquita: “No começo de sua vida, o 'JT' foi um jornal privilegiado pela empresa, que não fazia nenhuma restrição financeira para que eu executasse o projeto. Tanto foi assim que nós pudemos logo de saída construir uma equipe com os jornalistas mais caros do mercado”.

O JT começou imprimindo 50 mil exemplares, mas o “encalhe” – exemplares não vendidos – foi bastante elevado. Cortou a tiragem para 30 mil, número que foi crescendo paulatinamente.

O jornal tinha uma atitude displicente em relação ao mercado publicitário que hoje parece chocante. Seguindo o padrão de O Estado de S. Paulo, não tinha um departamento comercial para procurar anúncios. Quem queria anunciar tinha que ir até o balcão da empresa. Como afirmou Ruy Mesquita em 1966, “ao lançá-lo não tínhamos em mira nenhum lucro comercial”.

Receitas especiais

Em 1968, Mino Carta saiu para lançar a revista Veja, levando vários dos melhores jornalistas do JT. Seu lugar foi ocupado pelo secretário de redação, Murilo Felisberto, que fez algumas alterações na apresentação gráfica. Segundo Carta, o jornal teve seus melhores momentos com Murilo, nos anos seguintes à sua saída. A revista O Bondinho escreveu que, em suas mãos, o JT evoluía sempre, era sempre novo, e nunca se repetia.

Murilo Felisberto reconheceu alguns excessos do JT com uma humildade muito difícil de encontrar em editores de jornal. Disse que a direção insistia na informação correta, mas “nos escalões intermediários nós nos preocupávamos com o brilho literário da reportagem. Bastava aparecer uma imagem bonita num texto e nós achávamos o outro um gênio. Nem nós nos preocupávamos com a correção gramatical do texto. Bastava o brilho. Sempre o brilho. Nosso objetivo agora é a reportagem com informações.” Ainda: “Os repórteres que entram agora para nossa redação não se preocupam em dizer quando aconteceu o fato, como aconteceu. Só têm a preocupação de fazer uma frase bonitinha na abertura.” Ele percebeu: “Nossa regra é não ter regras. E você, não tendo regras, perde o controle da qualidade do jornal”. Acrescentando: “Nós não pensamos mais no leitor. (…) Não nos passa pela cabeça que horas depois centenas de advogados, arquitetos, engenheiros, economistas e universitários estão lendo o que escrevemos”.

Politicamente, o jornal continuava na vanguarda da linha dura. Achava que quando os militares assumiram o poder o presidente Castelo Branco deveria ter baixado um decreto dizendo: “Está suspensa pelo tempo que a Revolução julgar necessário a prática do regime democrático. Revogam-se as disposições em contrário”. E escrevia: “A tão falada 'redemocratização' só poderá ser feita através da implantação total e definitiva da Revolução”.

O rompimento com o governo se deu quando o Jornal da Tarde e O Estado de S. Paulo perceberam que seus conselhos não eram ouvidos. Ao ser decretado o Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968, O Estado de S. Paulo publicou um editorial, “Instituições em frangalhos”, de crítica ao governo. O jornal foi apreendido. O JT disse: “Sendo um regime intrinsecamente ditatorial – para não dizer totalitário – todas as vezes em que tenta fazê-lo funcionar como a democracia que ostenta no rótulo acontecerá o que acaba de acontecer agora”. Era “mais uma demonstração da inviabilidade do regime”.

Repórteres do jornal foram presos e, pelo menos um deles, Antônio Carlos Fon, torturado. Mas o JT protegeu os seus jornalistas. Quando um inspetor da Polícia Federal quis saber quem tinha sido o autor do título de uma matéria e das legendas de umas fotos, Ruy disse que, para fazer umas “horinhas extras”, ele fora ao jornal e escrevera o título e as legendas. Ao ser um jornalista intimado a depor, Ruy Mesquita o acompanhou ao quartel e disse ao oficial do dia: “Veja que meu homem está inteiro, sem um arranhão. Quero recebê-lo de volta exatamente como está entrando no quartel”. O repórter voltou vivo. Vários jornalistas de esquerda, sem emprego, foram acolhidos pelo JT.

Durante quatro anos, o jornal obedecera às instruções da censura. Até que, com o Estado, em setembro de 1972, foi informado, pela Polícia Federal, que ficava “proibida, pelo ministro da Justiça, a entrevista de Roberto Campos”. Ruy Mesquita enviou um telegrama ao ministro, Alfredo Buzaid:

“Senhor ministro, ao tomar conhecimento dessas ordens emanadas de V. Sa., o meu sentimento foi de profunda humilhação e vergonha. Senti vergonha, Senhor Ministro, pelo Brasil, degradado à condição de uma republiqueta de banana ou de uma Uganda qualquer, por um governo que acaba de perder a compostura. Parece incrível que os que decretam hoje o ostracismo forçado dos próprios companheiros de Revolução, que ocuparam ontem cargos em que se encontram hoje, não cogitem cinco minutos do julgamento da história (…) o Brasil ficará sabendo a verdadeira história desse período em que a Revolução de 64 abandonou os rumos traçados pelo seu maior líder, o Marechal Castelo Branco, para enveredar pelos rumos de um caudilhismo militar que está fora de moda, inclusive nas repúblicas hispano-americanas. Cheio de vergonha por meu País degradado a essa condição, subscrevo-me humilhado”.

Na verdade, tudo não passara de um mal-entendido. Segundo um rumor falso, Roberto Campos daria uma entrevista criticando o governo. “Imagine se o Roberto Campos faria uma coisa dessas!”, comentou Ruy.

Por causa desse telegrama a censura prévia foi instaurada no Jornal da Tarde e no Estado. Não aceitaram a autocensura. O jornal passou a publicar, em lugar das matérias censuradas, receitas culinárias.

Algumas delas eram mais ferinas e apimentadas do que as informações proibidas. Uma, de um intragável “lauto pastel”, homenageou o então governador de São Paulo, Laudo Natel. Outra, de “aves à passarinho”, foi dedicada ao coronel-ministro da Educação Jarbas Passarinho. Não faltaram o “quibe à Alfredinho” e as “Receitas do Alfredo's” no lugar das notícias sobre o ministro da Justiça, Alfredo Buzaid. Nem o “steak à Delfim”, lembrando o ministro da Fazenda, Delfim Netto. Nem o “filé à Gaminha”, dedicado ao ministro Gama e Silva. Vários leitores reclamaram que as receitas não davam certo.

Personalidade comprometida

A censura e as receitas tiveram um efeito benéfico sobre a imagem do jornal. Ruy Mesquita: “Do ponto de vista promocional foi ótimo. Nunca nosso jornal foi tão divulgado no exterior. O New York Times deu matéria dizendo que não aceitávamos a autocensura. Quando dávamos página inteira do JT com receitas, aumentavam as vendas em banca. Eu, que era pichado de reacionário, virei herói de estudante, como exemplo de luta pela democracia. Nesses períodos os democratas sempre se aliam com a esquerda radical. Nunca recebi tanta família de presos como nesse período. Agora estou voltando a ser considerado reacionário novamente”. Aqueles foram os anos dourados.

A circulação do jornal era inferior a seu prestígio, mas crescia de maneira contínua e sistemática. Em 1968, tirava 41 mil exemplares de terça-feira a sábado e 49 mil na segunda-feira; em 1973, 57 mil e 84 mil respectivamente; e em 1975, 76 mil e 110 mil. A participação da receita do JT no faturamento total do grupo era de apenas 10% do total.

Em meados da década de 70, a empresa enfrentou problemas. Tinha construído uma nova sede na marginal do rio Tietê e obteve um empréstimo em dólar, sujeito a correção cambial em caso de desvalorização brusca do cruzeiro, como de fato ocorreu.

O jornal cortou gastos e fez demissões. Publicou menos reportagens especiais. “Com a crise, nossa redação, que era cara, passou a ser o mais barata possível.” Murilo Felisberto deixou o jornal em 1978. Ivan Angelo, que mais tarde foi editor-chefe, mostra a mudança de atitude: “A questão industrial nos impôs limites diversos, ou seja, cortou custos, estabeleceu horários de fechamento e isso mudou bastante o perfil do jornal”. O funcionamento da redação ficou mais disciplinado.

Apesar da crise, o jornal continuou atraindo os leitores jovens. Publicou algumas das primeiras páginas de maior impacto de sua história, substituindo a palavra pelo poder da imagem, fosse fotografia ou desenho.

Nesse período, o jornal cometeu um erro estratégico ao mudar o foco. Manteve o interesse pelo entretenimento e as variedades. Mas passou a dar grande destaque nos editoriais e na cobertura a temas de política e macroeconomia, em detrimento da informação sobre a cidade e os problemas cotidianos dos leitores. Isso foi observado por Mino Carta: “O Jornal da Tarde começou bem, mas depois caiu (…), o Ruy decidiu que o JT também seria de cobertura ampla, competindo na mesma faixa de leitores que o jornal do irmão mais velho”.

O próprio Ruy Mesquita reconheceria o engano cometido: “Eu estou convencido de que foi um erro nosso ter lançado um veículo semelhante ao Estado – apenas diferente na parte gráfica e no estilo jornalístico, mas o mesmo tipo de veículo. (…) O jornal está condenado. Porque não tem sentido ter dois veículos do mesmo tipo. (…) Nunca foi uma empresa rentável”.

Na década de 80, o jornal ainda mantinha parte do brilho formal que despertara admiração. Mas ao longo dos anos foi paulatinamente perdendo viço e circulação. Em 1988, a saúde econômica da empresa tinha melhorado, mas não a do JT, que tentou uma retomada. Em lugar de depender da estrutura do Estado, pela primeira vez teve uma administração própria e pôde vender assinaturas, uma opção que até então lhe fora negada para não afetar as vendas do Estado. Era uma antiga reivindicação e um dos focos das tensões que se acumularam dentro da empresa e no seio da família Mesquita. Na mudança, os filhos de Ruy Mesquita passaram a ocupar cargos na cúpula editorial. Rodrigo como editor-chefe, Fernão editorialista e Ruy Filho, “Ruyzito”, diretor com as funções de publisher.

Mas na década seguinte continuou o declínio editorial e de vendas. Houve várias tentativas de recuperação com trocas repetidas de editor. Fernando Mitre, nomeado diretor, procurou devolver ao JT o brilho do passado. Segundo Ruy Mesquita, Mitre propunha coisas que pareciam malucas. “Se eu fosse decidir sem consultar ninguém, diria que não podia sair isso. A gente acabava conversando, ele me convencia de que eu deveria experimentar e quase todas as vezes ele tinha razão, era um sucesso. Se eu tivesse que escolher, evidentemente poderia prejudicar muito o jornal, porque eu gosto daquele estilo mais clássico, mais claro, menos sujo.” Mitre, por seu lado, disse que Ruy Mesquita às vezes achava que havia exageros aqui e ali, mas sempre prestigiou o aspecto de vanguarda do jornal.

Por imposições empresariais, no fim dos anos 90, houve um novo corte na redação e foi preparada uma nova reforma. Uma avaliação interna constatou que o JT tinha perdido a identidade ao elitizar-se sem conseguir renovar-se, a circulação caía e tinha uma baixa receita de publicidade. O fato de haver apenas uma única equipe de reportagem para atender aos dois jornais contribuiu para a perda de personalidade do JT. A empresa teve que separar, de novo, as equipes.

“Uma forma de literatura”

O JT não sabia qual era seu público. Um novo concorrente, Agora São Paulo, um jornal popular lançado pelo Grupo Folha, tinha conseguido uma circulação elevada. Mas foi rejeitada a opção de orientar o JT para o mercado popular por medo de ser abandonado pelos leitores tradicionais e não conseguir o número suficiente de leitores novos.

Pesquisas indicaram ser necessário atrair mais leitores da classe C, a que mais crescia no país, mas sem perder os leitores A e B. Um projeto encomendado por Mitre a Murilo Felisberto pretendia conquistar um público jovem, com pouco tempo para ler, publicando matérias curtas e notas rápidas e de fácil compreensão. Foram mudadas a tipologia e o logotipo tradicional. O foco editorial se concentrou na Grande São Paulo. O resultado agradou internamente. Segundo Mitre, o JT ficou com uma estrutura gráfico-visual muito eficiente e inteligente; era um jornal que se lia com muita facilidade, um jornal previsível.

No entanto, segundo a revista Imprensa, o JT ganhava um novo visual, mas perdia em ousadia. Era uma cirurgia plástica restauradora que deixava o jornal bem-comportado, quadradinho, as páginas sucedendo-se monotonamente, sem surpresas. Poderia chamar-se O Estadão da Tarde. Perdera, disse, o viço da juventude ao atingir a maioridade.

Em 2000, Murilo dirigiu novamente a redação. No segundo semestre de 2001 foram feitas novas mudanças gráficas para tornar o jornal ainda mais fácil de ler, com mais cores. O preço foi reduzido de R$ 1,50 para R$ 1,00.

A circulação, que em 1992 oscilava em torno dos 100 mil exemplares, caíra para 73,4 mil em 1987 e 53 mil em 2001. Em 2002, como resultado das mudanças do fim do ano anterior, a circulação voltou a subir lentamente.

A empresa, que enfrentava uma séria crise econômica, teve que aceitar as imposições dos credores; a família Mesquita deixou as funções executivas. A nova administração, para acabar com os déficits do Jornal da Tarde, cortou drasticamente os custos. E entrou no mercado de jornais populares, apresentando-se, como diferencial de marketing, como um “popular de qualidade”.

O objetivo agora eram as classes B e C. O jornal concentrou-se no noticiário da cidade e na prestação de serviços, aumentando o número de cadernos especiais. O “Jornal do Carro”, que circulava só nas quartas-feiras, passou a sair também aos sábados. A publicidade aumentou. Em 2003, pela primeira vez em sua história, o jornal passou a dar lucro: R$ 4 milhões. Sacrificou a imagem e, de acordo com a velha-guarda, também a qualidade.

Ruy Mesquita afirmou que o JT estava dando lucro “à custa de uma deterioração terrível da qualidade”. “Virou um jornal popular para minha tristeza profunda, mas é verdade que entrou com grandes promoções que andou fazendo aí, etc. e tal. E está numa situação muito boa financeira.”

Mas, ano a ano, as vendas declinaram. Em 2005, tinham caído para 58 mil cópias e, em setembro último, para 37 mil. A redação foi esvaziada. De 110 pessoas em 2010, contava com 44 no dia do fechamento (52, segundo a empresa, mas 8 não trabalhavam mais no JT), das quais até 20 seriam aproveitadas pelo grupo. Haverá também demissões nas áreas de impressão e distribuição, não especificadas. O “Jornal do Carro” será publicado pelo Estado às quartas e quintas, aos sábados e domingos e terá um portal em 2013.

Embora corressem boatos desde há quatro anos, ninguém esperava um desfecho como o que aconteceu. Neste ano foi feito um projeto para renovar o jornal, não implementado. Segundo informações internas, até 2011 o jornal teve um pequeno lucro e neste ano estava empatando; a empresa não comentou a informação. Para reativá-lo, seria necessário investir. A empresa preferiu fechá-lo e colocar todos os recursos no Estado. Se a informação for correta, deve ser, seguramente, um dos raríssimos jornais no mundo que fecharam apesar de não perder dinheiro. Como declarou Mino Carta ao UOL ao saber do fechamento: “Nós revolucionamos, tanto na paginação quanto no texto. Acreditávamos que o jornalismo era uma forma de literatura, coisa que se perdeu no jornalismo brasileiro”.

Leia também

Parem as máquinas! Outro jornal foi para as nuvens – Alberto Dines

Réquiem para um jornal que nunca existiu – Sandro Vaia

Morto pelo mercado – Luciano Martins Costa

Mino Carta: “Morte do JT me entristece em dobro” – UOL

***

[Matías M. Molina é jornalista, autor do livro Os Melhores Jornais do Mundo, em segunda edição]