Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A inovação que se impõe

O consultor empresarial Oscar Motomura conta em suas palestras a história de uma centenária indústria de vasos sanitários japonesa. Perguntou-se um dia se a onda de desenvolvimento das tecnologias de informação que varria o mundo tinha ou não alguma coisa a ver com ela. A resposta levou-a a criar, em pouco tempo, o que é hoje chamado de vaso sanitário “inteligente”. Sai de fábrica munido de duas placas digitais: ao acionar a primeira delas, o usuário faz tocar uma suave música ambiente ou direciona e escolhe a temperatura que deseja de um jato d’água; pela outra placa, pode encomendar exames de urina e de fezes instantâneos cujos resultados serão enviados aos serviços de saúde pública. É, enfim, um exemplo extraordinário de uma empresa que soube romper a própria inércia conservadora para entregar-se a projetos de forte inovação.

As empresas de mídia, sobretudo as de jornais impressos, que desejarem sobreviver em meio ao terremoto produzido pelo desenvolvimento das novas tecnologias terão de imitar a atitude dessa indústria japonesa: libertar-se das amarras do conservadorismo e construir seus novos caminhos na base da inovação. O repto lançado a essas empresas é direto e forte: inove ou morrerá. Não sou eu quem diz. É o que apontam os cenários da crise mundial.

Os antigos modelos de negócio na indústria de informação foram desestabilizados pela internet. Captar informação, tratá-la, imprimi-la, distribui-la não é mais uma missão que carrega os mesmos valores agregados de outrora. Pode-se dizer que a internet faz tudo isso, a seu modo, e ainda abre a possibilidade de os cidadãos se transformarem em captadores, editores e distribuidores de suas informações. Ao concorrer com a mídia tradicional nessas funções que sempre foram exclusivas, a internet dividiu o bolo publicitário que sempre manteve a mídia tradicional, assegurando-lhe excepcionais níveis de rentabilidade.

A escolha de Lerner

As receitas desbastadas pela internet não poderão ser recompostas pelos formatos antigos. O reequilíbrio financeiro tem de ser alcançado dentro de um novo modelo de negócio a ser definido pela inovação e também pelo regime de parceria, terreno no qual a mídia convencional brasileira, um tanto arrogante e monopolista, tem dificuldades para caminhar.

O grande desafio está na inovação, uma fronteira que exige ousadia, arejamento, agilidade, quer dizer, a inovação exige atitudes que se opõem ao modo de manter e gerir o antigo modelo de negócio, tocado quase como numa linha de produção, onde os procedimentos exigem ordem e disciplina numa sequência tecnoburocrática. A inovação nasce da criatividade e muitas vezes da desobediência, da indisciplina.

Ficou famosa a escolha do arquiteto Jaime Lerner ao assumir pela primeira vez, nos anos 1970, a prefeitura de Curitiba com grande ímpeto inovador. Percebeu que não teria condições de realizar uma gestão inovadora usando a velha estrutura administrativa municipal, burocratizada, acomodada, modorrenta. Criou o IPPUC, um instituto de pesquisa e planejamento urbano e realizou todas as suas propostas inovadoras – calçadões, canaletas exclusivas para ônibus, ruas de lazer, parques temáticos – através do novo organismo, que era leve, ágil, ousado, criativo.

Novas iniciativas

De modo geral, as mídias antigas precisariam criar o seu IPPUC; abrir espaços exclusivos para a inovação; fortalecer a desobediência aos procedimentos antigos, investir na experimentação e na ousadia. O objetivo será reconstruir parte do antigo negócio no interior dos novos meios gerados pelas novas e novíssimas tecnologias de informação. Será necessário experimentar muito e conquistar parceiros estratégicos, aproximando-se de iniciativas que, comprovadamente, já conseguem resultados (audiência e receitas). É o que já faz há algum tempo o New York Times. David Carr, analista de mídia do jornal, acredita que o futuro da instituição será uma variedade de negócios sob a marca The New York Times. Ele disse ao jornal Folha de S.Paulo em recente visita ao Brasil: “Parte (do futuro) será vídeo, parte será social, haverá um monte de pequenas empresas sob esta outra.”

No Brasil, pelo que se percebe, o modelo antigo não tem permitido que a inovação prospere. As novas iniciativas ainda são atreladas à visão conservadora, analógica. Não lançaremos tão cedo o nosso “vaso inteligente”.

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[Dirceu Martins Pio é jornalista e consultor em comunicação corporativa]